A
seca no Nordeste é sempre sinal de sofrimento para o sertanejo. Mas a
falta de chuva também movimenta o meio político e o comércio das cidades
atingidas pela estiagem. A chamada “indústria da seca” fatura alto com a
falta de alimentos para os animais e de água para os moradores.
O exemplo mais conhecido no sertão –e relatado por diversos moradores
ao UOL– é o uso político na distribuição dos carros-pipa, marca
registrada do assistencialismo simples. Segundo os relatos, alguns
políticos visitam as comunidades e se apresentam como “responsáveis”
pelo envio da água. Os moradores também reclamam da alta nos preços de
serviços e alimentos para os animais.
“A prefeitura nos ajuda muito, nos mandando água por carros-pipa. Às
vezes demora, mas sempre vem”, conta a agricultora Maria Gildaci, 66, de
Tacaratu (PE), sempre citando que o prefeito é “quem manda” o carro
para a sobrevivência dela e da família, que vive em uma pequena casa no
sítio Espinheiro.
Falas como a Gildaci, agradecendo os políticos, são comuns, mas a
prática está sendo combatida por organizações do semiárido. “Água é um
direito, não é dada de favor. Agricultores relatam com frequência que
vereadores se apresentam trazendo carros-pipa e que prefeitos estão se
utilizando disso para as eleições. Estamos fazendo levantamentos e vamos
tentar identificar onde isso está ocorrendo para tomarmos
providências”, afirma o coordenador da ASA (Articulação do Semiárido),
Naidson Batista.
Para Batista, o uso político da água é histórico no Nordeste, mas vem
perdendo força nos últimos anos. “A indústria da seca, na história
brasileira, é um instrumento de alguns, em detrimento de outros, para
aumento de poder econômico, político ou social de determinado grupos.
Embora ela venha perdendo força, não seria possível erradicar uma
prática de 400 anos em apenas 10”, afirma.
Segundo o coordenador, os investimentos cobrados, como poços,
barragens e cisternas, não foram feitos a contento ao longo dos anos, o
que facilitou a política assistencialista. “Isso faz parte da indústria
da seca, pois deixa o sertanejo vulnerável, à espera sempre de ações
emergenciais.”
O diretor do Polo Sindical do Médio São Francisco da Fetape
(Federação dos Trabalhadores em Agricultura de Pernambuco), Jorge de
Melo, também relata que políticos e fazendeiros ainda se aproveitam da
seca para lucrar. “É só começar a escassez de alimentos para ter gente
aumentando o preço das coisas. É o que chamam da lei da oferta e
procura. Além disso, há um claro uso político, que vem sendo combatido e
está enfraquecendo, mas ainda existe no sertão”, diz.
Para tentar reduzir o desvio político da água, o governo de
Pernambuco anunciou, na última quarta-feira (16), que os carros-pipa
contratados pelo Estado serão equipados com GPS e terão fiscalização dos
conselhos de desenvolvimento dos municípios –que ficarão responsáveis
por enviar relatórios mensais sobre o cumprimento dos cronogramas.
Ganho econômico
Além do uso político, muitos setores da economia também faturam com a
venda de produtos. Um dos exemplos é a palma (espécie de cacto que
serve de alimento para o gado). Segundo os moradores, o preço da tarefa
de palma (equivalente a uma área plantada de 3.053 m²), que antes da
estiagem ficava em torno de R$ 1.200, hoje chega a custar até R$ 2.500
em algumas localidades de Alagoas e Sergipe.
“Quem tem sua palma plantada para os seus animais não quer vender.
Agora a seca é boa para aqueles que plantam a palma como investimento e
estão vendendo mais caro e lucrando muito”, citou o produtor Vilibaldo
Pina de Albuquerque, de Batalha (AL).
O carro-pipa também é um negócio rentável. Os preços cobrados pelos
“pipeiros” no sertão inflacionaram com a seca. “Existe, e muito, a
indústria da seca. Um exemplo: antes, a prefeitura contratava um
carro-pipa por R$ 100 para lavar o matadouro. Hoje, para o sujeito
trazer a mesma quantidade de água ele obra R$ 200. E olhe que o preço do
combustível não subiu e ele pega água no mesmo lugar”, afirma o
secretário de Infraestrutura de Batalha (AL), Abelardo Rodrigues de
Melo.
Em Sergipe, os investidores estão comprando carros-pipa para ganhar
dinheiro. “Hoje, quem tem um dinheiro sobrando está comprando um
carro-pipa para distribuir água. Demanda é o que não falta. Aqui estamos
precisando de mais, mas não há”, diz o coordenador da Defesa Civil de
Poço Redondo (SE), José Carlos Aragão. “E o carro-pipa não é a solução, e
só uma política emergencial. Hoje você leva a água, amanhã já precisa
de novo. É um investimento de curta duração.”
Na cidade sergipana –a mais afetada do Estado, com 15 mil pessoas
atingidas pela estiagem–, o movimento de carros-pipa é intenso e atua em
diversos setores da economia. Na oficina de Antônio Rodrigues, cresceu a
procura por consertos dos caminhões. “Hoje 30% do que faturo é com
esses carros. Contratei até uma pessoa para me ajudar, porque a procura é
grande e tem caminhão aqui todo dia. Queria não ter mais esse serviço,
que aqui chovesse e o povo parece de sofrer. Mas estou trabalhando
dignamente.”
Melhores condições
Melhores condições
Para o economista Cícero Péricles, apesar da “indústria da seca”
ainda existir, as condições de enfrentamento do sertanejo à seca atual
são melhores do que aquelas enfrentadas na última grande estiagem, em
1998.
“Há mais de uma década a política de água obteve ganhos consideráveis
pela entrada das cisternas e barragens subterrâneas nos espaços da
agricultura familiar, reforçando os antigos instrumentos, como os poços
artesianos, tubulares, barreiros, açudes e adutoras. A presença dos
órgãos públicos mudou da intervenção exclusivamente assistencialista e
emergencial para instituições públicas, com maior capilaridade,
municipalizadas, que fazem a cobertura permanente com os programas
sociais. A ampliação da Previdência Social no campo, assim como de
programas de transferências de renda, a exemplo do Bolsa família,
reduziram em muito a pobreza absoluta no meio rural”, afirma o
economista.
Uol
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