Deste ponto de vista, as eleições municipais recém-encerradas com o segundo turno mantiveram-se no leito antigo. Mudou, porém, o peso das lideranças capazes de influência decisiva. Lideranças autênticas, diferentes daquelas forjadas pelo populismo mais desbragado, tão frequentes no passado, mesmo recente. Refiro-me, em primeiro lugar, ao ex-metalúrgico e ex-presidente Lula, que evoluiu do palanque da Vila Euclydes para a plateia mundial.
Neste pleito, Lula confirmou o que já é do conhecimento até do mundo mineral, tirante a mídia nativa. Trata-se da personalidade mais forte da história política do País, sua popularidade, avassaladora, supera inclusive aquela de Getúlio Vargas. Dilma Rousseff segue-lhe os passos. A afirmação peremptória dos candidatos da chamada base aliada resulta antes de mais nada da boa atuação do seu governo.
Outras figuras começam a ganhar dimensão nacional, como Eduardo Campos e Cid Gomes, enquanto o momento projeta naturalmente o nome de Aécio Neves, em quem há tempo CartaCapital reconhece autoridade e tino para conduzir uma oposição moderada e responsável, conforme as conveniências da democracia.
Neste terreno o Brasil ainda engatinha. Não basta a realização periódica de eleições para provar a maioridade democrática. Outros fatores surgidos nos últimos dez anos deságuam, contudo, em importantes avanços, não somente a caminho de uma sociedade menos injusta, mas também na conquista da consciência da cidadania por um número crescente de brasileiros. É quanto transparece dos resultados deste pleito municipal, bem menos provinciano e mais significativo do que se podia imaginar.
A míviagemdia nativa é a primeira derrotada no embate, antes que o PSDB paulista e o PT baiano. O espetáculo encenado pelos barões midiáticos e seus cortesãos na tentativa de mascarar a verdade proporcionou momentos de involuntário humorismo à altura do teatro do absurdo, sobretudo na linha de Ionesco, embora sem esconder a expectativa da súbita chegada de Godot, segundo Beckett. José Serra seria Godot?
Não se exclua a possibilidade, a considerar o tom de editoriais, colunas, artigos, rubricas. No sábado 27, o editorial de um jornalão estampava como título: “Resistir é preciso”. De volta de uma ao exterior, ausente havia duas semanas, sofri um abalo sísmico entre o fígado e a alma. Supus que a revolução vermelha batesse às portas liderada por Fernando Haddad. Tragicômico destino de uma direita tão extremada, tão anacrônica, tão romneyana (de Romney) a ponto de soçobrar nas ondas do ridículo atroz. Espetáculo a seu modo magnífico, por obra da incapacidade dos protagonistas de perceber a enrascada patética (do Pateta de Walt Disney, herói da Editora Abril) em que se atiraram.
Dou agora com a soturna expressão dos bairros paulistanos, ditos nobres não se sabe por quê. Varridos pelo siroco de um eterno temor e pela aspiração a se instalarem, pelo menos no modus operandi, entre Coral Gables e Dubai. Abastecidos com solércia inaudita pelos evangelhos midiáticos. E agarrados à lembrança de Fernando Henrique Cardoso e à esperança vã da vitória de José Serra. Estes ninhos tucanos estão mais para aqueles das andorinhas doentes, iguaria da cozinha chinesa. Altamente recomendados para o cardápio dos barões midiáticos.
É o ocaso de um PSDB que já foi de André Franco Montoro e Mário Covas e foi entregue ao cabo a um cínico e um obsessivo e, sustentado pela fanfarra dos jornalões e revistões, passou a cuidar dos negócios dos vetustos donos do poder. O mesmo que o cínico e o obsessivo diziam combater nos seus anos verdes. É nesta moldura que a ribalta cabe a Aécio, capa desta edição.
*Mino Carta é jornalista e editor da Carta Capital.
Fonte: ContrapontoPIG
Blog rafaelrag
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