quinta-feira, 14 de junho de 2012

MENSAGEM DO ESCRITOR AGASSIZ ALMEIDA AO EMBAIXADOR KOFI ANNAN, DIGNATÁRIO DA ONU



MENSAGEM DO ESCRITOR AGASSIZ ALMEIDA AO EMBAIXADOR KOFI ANNAN, DIGNATÁRIO DA ONU


“Agiganta-se o Brasil como a 6ª potência econômica do mundo, contrastantemente queda-se apequenado no campo dos direitos humanos.”
A que assistimos hoje no Brasil? Desfile da impunidade satisfeita.

                                                                 

Face às manifestações que me chegam de vários países condenando a ONU e o Brasil pela política que adotam ante a tirania desencandeada contra o povo sírio pelo ditador Bashar al-Assad, encaminho esta mensagem a Vossa Excelência calcada nos princípios que nortearam a Declaração Universal dos Direitos Humanos adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 10 de dezembro de 1948.
Olhemos, sob uma visão retrospectiva, como se movem os vultos que comandam a política externa do Brasil nas últimas décadas. Saltam-nos excrescências inomináveis de pactos engendrados com tiranos da pior espécie, desde Saddam Hussein, passando por Hosni Mubarak, Muammar Kadafi, até esta deformação humana que subjuga a Síria, Bashar al-Assad.
Com o que nos deparamos?
Politicalha de campanário, por meio da qual se procura preservar os interesses de certas empreiteiras, enquanto os direitos dos povos são pisoteados.
Que postura de fariseu esta do Brasil!
Na Síria a que o mundo assiste estarrecido? Desastre humanitário de proporções imprevisíveis. Sobre a cidade de Houla, num só dia, desabou tornado homicida em que  dezenas de crianças foram executadas, entre mais de cem mortes, num cerco à  população com tanques de guerra e bombardeios.
Afronta-se a comunidade mundial. Embaixadores sírios foram expulsos de dezenas de paísese outros tantos considerados como “personae non gratae”. E o Brasil, este reino da impunidade interna e externa, que atitude adotou? Cínica e olímpica indiferença.
Agiganta-se o Brasil como a 6ª economia mundial, contrastantemente apequena-se no campo dos direitos humanos, como uma republiqueta.
Desde a implantação da república no país, o que a história nos fala? Oportunismo de uma elite egoísta. O Brasil foi a última nação a abolir a escravatura e negou ao escravo liberto terra para trabalhar. Oportunista elite, conluiada ao corporativismo militar, na ditadura Vargas (1937-1945) como na Ditadura Militar (1964-1985), concedeu o beneplácito da impunidade aos torturadores e genocidas.
Olga Benário e Rubens Paiva retratam o cinismo desse desrespeito aos direitos humanos. Vergonhosamente, transladamos essa sabujice humana para o contexto das nações. Isto amesquinha o Brasil perante o mundo ao adotar essa política de compadrio com ditadores.
A que assistimos hoje? Ao desfile da impunidade satisfeita.
É este Brasil, com uma desencontrada história de cumplicidade com os criminosos violadores dos direitos humanos, que se caricatura na cena mundial como um parceiro dos déspotas. Que paradoxo! Agigantado na escala da economia mundial, faz-se um ajoelhado ante os ditadores.
Que Brasil é este, cuja história tem a marcá-lo a aliança do corporativismo com elites egoístas; no entanto, instantes inolvidáveis do povo brasileiro se contrapõem a essa mancomunação nefasta. É quando um punhado de jovens, em 5 de julho de 1922, os  heróis do 18 do Forte de Copacabana se imolam em defesa dos ideais da pátria. È quando uma plêiade de moços valentes derruba, através do movimento revolucionário de 1930, a poderosa oligarquia cafeeira de São Paulo.
É quando, nos anos iniciais da década de 70, do século passado, uma força juvenil de setenta combatentes ergue na floresta amazônica, no Araguaia, atalaia de desafio a um paredão ditatorial de um milhão de homens armados. Lutaram até o último instante, num martirológico que engrandece a história do país. Um exército furioso de 10 mil homens trucidou a todos, e fez desaparecer os seus corpos, num crime de monstruosa lesa-humanidade. O nazismo não praticou tamanha barbaridade, desconhecida nos anais dos séculos.
Com a impunidade aos torturadores da ditadura militar de 64 e esta obscena política externa do Brasil, apaga-se da consciência da nação o respeito a si próprio e dos povos democráticos. Daí se explica o acovardamento cumplicioso do Brasil com este Calígula da Síria, Bashar al-Assad.
Que legado, senhor embaixador, deixaremos às futuras gerações?
Repudiamos essa excrescente política do Brasil no cenário mundial.
Repudiamos esse desencontrão do Brasil de negar a defesa dos direitos humanos, enquanto nos balcões dos interesses inconfessáveis se procuram salvaguardar os bilionários lucros de empreiteiras e seus apaniguados políticos.
Repudiamos, afinal, essa afrontosa aliança do Brasil com os tiranos a renegar a razão dos povos.
Nessa conjuntura mundial, em que o tirano Bashar al Assad se transveste como o senhor absoluto da vida e liberdade do povo sírio, que papel a ONU e Vossa Excelência  estão a exercer?
Parece que o mundo está a assistir a uma peça encenada num circo em que os personagens se entremeiam entre o trágico e o cômico, num jogo teatral em que trezentos componentes da Legião da Boa Vontade saltitam comandados por soldados escoteiros.
Realmente, o que fazem na Síria, senhor embaixador, os trezentos observadores que a ONU enviou àquele país? A consciência universal cala envergonhada porque não há resposta.
Saudações democráticas
Agassiz Almeida
Nota: Agassiz Almeida, escritor e ex-deputado federal constituinte. É autor de várias obras, destacando-se “A República das elites” e “A Ditadura dos Generais”. Na Assembleia Nacional Constituinte de 1986 conseguiu aprovar 67 emendas à vigente Constituição Federal. Ativista dos Direitos Humanos. Na década de 1980, como Promotor de Justiça participou do desbaratamento e condenação dos criminosos do Esquadrão da Morte na Paraíba.

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