Para pesquisadora, mais que instruir sobre fatos, escola deve atender às necessidades sociais e emocionais
Ocimara Balmant - O Estado de S. Paulo
Se a escola
focar apenas o conteúdo, o processo de aprendizagem não tem a menor
chance de ser bem-sucedido. Isso é o que defende a neurocientista Adele
Diamond. "Se as necessidades emocionais, sociais e físicas forem
ignoradas, não há excelência acadêmica." Canadense, ela falará no
seminário Educação Infantil: Evidências Científicas sobre as Melhores
Práticas, promovido pelo Instituto Alfa e Beto, nesta sexta-feira, em
São Paulo.
Como surgiu seu interesse pelo estudo da neurociência na educação?
Meus primeiros três anos de pesquisa
foram no campo da sociologia e da antropologia. Quando estava
terminando, vi que não era aquilo que eu queria. Então, me lembrei de um
seminário em que a palestrante havia dito que crianças do mundo todo
mostravam as mesmas alterações cognitivas - como ser capaz de descobrir
um objeto escondido ou a angústia de uma separação - com aproximadamente
a mesma idade, mesmo que suas experiências tenham sido muito
diferentes. "Não podemos ser apenas fruto da experiência e da
aprendizagem. Deve haver um componente de maturação cerebral", ela
disse. Foi dessa inquietação que cheguei à neurociência.
E como foi sua pesquisa?
Foquei meus estudos no córtex
pré-frontal do cérebro - espaço do qual dependem as habilidades
cognitivas - e também nessas habilidades, sobretudo em crianças
pequenas.
Chamadas de
funções executivas, as habilidades cognitivas respondem por uma série
de fatores, como o controle da atenção (o que nos permite amplificar
nossa percepção ou raciocínio em determinada direção); o autocontrole; a
memória de trabalho (relacionada à manipulação de informações com
propósito e não à sua armazenagem passiva); o raciocínio; a capacidade
de resolução de problemas e a nossa flexibilidade cognitiva, intimamente
ligada à criatividade.
Inúmeros
estudos demonstram que isso tudo está relacionado ao desempenho
acadêmico. Mas não o conseguiremos da forma como as crianças são
educadas na escola. Se queremos melhores resultados acadêmicos, a rota
mais eficiente e de melhor custo-benefício é, ao contrário do que diz a
intuição, não se concentrar na formação conteudista, mas abordar também o
desenvolvimento social, emocional e físico das crianças.
Como tratar o desenvolvimento cognitivo, físico e emocional?
Em primeiro lugar, não são
necessários equipamentos caros ou de alta tecnologia. Nas salas
infantis, os jogos e brincadeiras - longe de representarem perda de
tempo - são elementos vitais para melhorar o desempenho acadêmico das
crianças. No ensino médio, em vez de ensinar física em sala de aula, que
tal levar a classe para restaurar um carro velho? Isso, ao mesmo tempo
em que exige a aplicação dos princípios da disciplina, faz com que os
alunos pratiquem uma atividade física. E mais: é uma experiência de
trabalho colaborativo, em que todos participam da tomada de decisão com
um propósito compartilhado. Uma experiência rica de formação de
comunidade.
Esse modelo não corresponde ao que se pede nas avaliações atuais, focadas em conteúdo.
O que queremos para nossos filhos?
Nosso desejo é que eles sejam preenchidos com um monte de fatos? Penso
que a maioria quer filhos capazes de resolver problemas, de raciocinar,
de ser um pensador criativo. Mas, se as avaliações medem o que é
prioridade da escola, e o foco dos testes atuais são apenas conteúdos,
logo se vê que a educação não tem valorizado o raciocínio de resolução
de problemas e a lógica criativa.
Quais são os prejuízos quando a escola ignora essa contexto?
Em nenhum lugar a importância da
saúde social, emocional e física é mais evidente do que no córtex
pré-frontal. Quando há problemas físicos ou emocionais, as crianças
ficam mais pobres de raciocínio, esquecem as coisas, diminuem a
capacidade de exercer disciplina e autocontrole. Se a sociedade quer
alunos bem preparados, precisa levar a sério que as diferentes partes do
ser humano são inextricavelmente interligadas. Se as necessidades
emocionais, sociais e físicas forem ignoradas, isso trabalhará contra a
excelência acadêmica. Por isso, mesmo que o objetivo seja só melhorar os
resultados acadêmicos, não dá para ser apenas conteudista. Isso afasta
novas descobertas.
Como estimular os alunos a serem desafiadores?
Isso só é possível se a criança se
sentir segura para errar. Sugiro um novo item para o relatório dos
alunos, "aventurou-se em águas desconhecidas, tentou uma abordagem nova e
diferente, foi criativo". Isso independentemente de sucesso ou fracasso
em sua tentativa. Quando uma criança cai ao aprender a andar, não
dizemos que ela recebe um "D" na caminhada, mas sim: "Não se preocupe,
eu tenho certeza que você vai ser capaz de fazer isso". Precisamos tomar
essa atitude para dominar habilidades na escola.
Qual conselho daria para os professores brasileiros?
Em primeiro lugar, as crianças
precisam se sentir compreendidas. Por isso, a humanidade de um professor
é mais importante do que seu conhecimento ou habilidade. Segundo: para
superar o que já sabem, as crianças precisam sentir que se acredita
nelas. Terceiro: criança não é estudante universitário para ficar
sentada por longos períodos. Elas aprendem melhor em movimento. Quarto:
não use punição ou reforço negativo. Isso não funciona e pode fazer com
que o pequeno se retraia.
Em vez
disso tudo, incentive que uma criança ajude a outra. Estudos mostram
que, em algumas situações, essa troca produz mais resultados do que a
aula do professor. A lista é grande, não é? Mas o último ponto vai
ajudar: os professores devem relaxar - eles não vão ser perfeitos
(ninguém é!) e cometerão erros. É normal. Só não podem se estressar,
porque assim nunca serão os docentes que sonham ser.
QUEM É
Professora
na Universidade British Columbia, no Canadá, trabalha com Neurociência
do Desenvolvimento Cognitivo, campo que estuda as mudanças que ocorrem
na mente da criança à medida que cresce.
Blog rafaelrag
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