Rafael Rodrigues e Fábio Ferreira, ambos são docentes da UFCG, campus Cuité-PB.
O texto abaixo foi enviado por email pelo professor Dr. Fábio Ferreira
O texto abaixo foi enviado por email pelo professor Dr. Fábio Ferreira
O que aconteceria se as
operadoras de telefonia celular ficassem inoperantes por horas? O que
aconteceria se você descobrisse que todo o aparato de segurança pública está
parado? O que aconteceria se você ou um ente querido da sua família precisasse
de assistência médica e descobrisse que não há médicos para socorrê-lo? O que
aconteceria se o sistema público de transporte parasse? O que aconteceria se os
bombeiros parassem? O que aconteceria se deixássemos de recolher o lixo urbano?
Se o sistema de abastecimento de água fosse suspenso? Se o sistema de
distribuição de energia elétrica falhasse? O que aconteceria se o sistema aéreo
de aviação não operasse, sem um único voo acontecendo? Se os caminhoneiros
cruzassem os braços? Se o judiciário não trabalhasse? A resposta simples é que
seria o CAOS. Ninguém trabalhando mesmo! Todos parados!!! O que aconteceria se
os professores parassem? NADA! Nenhuma única aula acontecendo!!! Nenhum serviço
essencial pode parar tantos dias. Conclusão é que a Educação não é essencial?! Meus
parabéns Brasil, somos realmente uma sociedade diferente. Será que as pessoas
não sabem o que é Educação? Provavelmente.
Provavelmente os professores são, depois dos
membros da família, as pessoas que as crianças e jovens passam mais tempo em
contato. O número de anos que uma pessoa passa na escola justifica a
importância de possuirmos bons professores para orientar e educar na construção
de um cidadão e futuro membro ativo da nossa sociedade. Talvez alguém se
orgulhe de não ter entrado em uma delegacia ou em um hospital durante sua vida,
mas duvido que alguém se orgulhe de não saber ler e escrever. Os professores
são referenciais e exemplos para a construção de um caráter humano valoroso.
Devem ser! Todos os dias milhões de crianças e jovens frequentam as escolas e
universidades. São no mínimo 200 dias letivos por ano. Uma massa de pessoas que
se desloca de suas casas não para hospitais, que entrariam em colapso. Não para
aeroportos, que não comportariam. Não para delegacias, que não atenderiam. Se
esta multidão saísse às ruas para protestar contra a baixa qualidade da Educação
Brasileira, a mídia, então, destacaria entre suas principais manchetes este
episódio. No entanto, Educação é importante somente no palanque dos candidatos ao
cargo de presidente deste país. Na prática, é uma categoria indesejável: sempre
reivindicando direitos e aumento salarial. Como Educação não é essencial, então
vamos deixá-los lá. Até que a sociedade se volte contra eles e o movimento seja
desgastado, frustrado, e enfim, seja derrotado. Não fui eu que fui derrotado.
Engane-se. Eu sofro, mas o prejuízo está aí! Alunos com uma formação básica tão
fragilizada, carente de uma formação mais consistente, que muitos estão
condenados a sofrer derrotas sucessivas na tentativa de conquistar o ensino superior.
E quando conseguem? Despreparados, mal formados, deficientes em várias áreas do
conhecimento, estes futuros universitários vão ter que amargar semestres de
resultados aviltantes em seus desempenhos acadêmicos. Alunos que dizem que
durante seu ensino médio não reprovavam, mas na universidade sofrem para
acompanhar o ritmo determinado por um fluxo gigantesco de conhecimento. Não
Brasil, você não sabe o que é Educação. Educação nos ensina a votar, nos ensina
a ler nas entrelinhas, nos ensina a expressar opiniões, nos ensina literatura,
poesia, ciência, matemática, língua portuguesa, geografia, história, filosofia,
música, arte, etc. Os jovens não falam sobre estas coisas nas ruas. Eles em
geral quando falam não lembram os conceitos corretamente. Educação não é
importante porque é assim que se deseja que a coisa continue. Não há nenhum
interesse real em um projeto que resgate a Educação do fosso em que se
encontra. Educação não é investimento no Brasil. É gasto. Então, digam isso
antes de ficar citando a Coréia do Sul como exemplo de um país que provou que
Educação é investimento.
Quando eu era mais novo e não tinha
discernimento sobre a importância da Educação, em um episódio memorável, uma
professora de língua portuguesa chamou minha atenção para um fato bem simples.
Ela me perguntou o que eu seria na vida se continuasse naquele caminho de
desinteresse pela Educação. Na verdade, pela minha Educação. Isto aconteceu na
sexta série do ensino fundamental. “Ela abriu os meus olhos”. Ela foi
determinante na minha mudança de postura. Eu mudei e agora eu tinha um objetivo
na vida. Ótimo! Estava decidido a estudar!
O meu ensino médio foi feito conjuntamente
com o ensino profissionalizante na Escola Técnica Federal do Rio Grande do
Norte (ETFRN). Incrível! Ainda no ensino fundamental, víamos os alunos da
escola técnica vestidos nas suas batas azuis como pessoas diferentes. Um ar
mágico de superioridade pela excelência na formação dos seus estudantes.
Quando entrei no curso Técnico de Geologia,
na ETFRN, foi como passar no vestibular. Mas durante o governo do Presidente
Fernando Henrique Cardoso, na série de privatizações que estava sendo
realizada, havia a proposta de estadualização das escolas técnicas federais.
Graças que esta tentativa não logrou! Ao contrário, nos governos seguintes, as
escolas técnicas prosperaram e ganharam novos nomes, atualmente, são os
chamados institutos federais.
A minha formação na escola técnica
possibilitou entrar sem precisar fazer cursinho para ingressar no curso de
Bacharelado em Física na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Posteriormente,
concluí também o curso de Licenciatura em Física.
Hoje leciono na Universidade Federal de
Campina Grande e estou Coordenador do Curso de Licenciatura em Física. Sou e
faço parte do plano de reestruturação, expansão e interiorização do ensino superior.
No entanto, vivemos um tempo de frustações. Os
meus ensinos médio e superior e minha pós-graduação até o doutorado foram pagos
pela sociedade brasileira. Nada mais justo que retribuir com dedicação e dando
o melhor de mim. Neste cenário, encontro-me no Campus Universitário de Cuité,
no município de mesmo nome, no interior do estado da Paraíba. Aqui, nos
deparamos mais fielmente com todas as adversidades que drenam nossas energias
para fazer vingar a bandeira da universalização da Educação Superior.
Novamente, sou defensor dessa causa. Mas como minha mãe me diz, não precisamos
somente de comida e de bens materiais, precisamos fundamentalmente de carinho. E
não encontramos no Governo nenhum aceno de carinho com seus educadores.
Venha nos visitar, é um campus lindo, num
lugar privilegiado. Uma infraestrutura, aos olhos de quem ver, impressionante.
Somos praticamente a exceção à regra. No entanto, temos problemas sérios. Mas
os problemas do REUNI podem ser colocados em outra carta. Aqui quero fazer um
relato da minha docência nos quatro anos no magistério superior.
O Governo estabeleceu metas ambiciosas para
todas as instituições que aderiram ao REUNI. Na mesma medida que recursos foram
repassados para ampliar o número de vagas no ensino superior e suas
consequências óbvias, como a contratação de mais profissionais, as
universidades assumiram o compromisso de aumentar o número de formandos e de
alunos nos cursos. No entanto, o Governo esqueceu que a Educação Básica está
gravemente doente. E esta doença se alastra pela Educação Superior. A Educação Superior
não possui mais a qualidade de outros tempos. Estamos seriamente afetados pela
baixa qualidade nos níveis básicos. E os nossos colaboradores da Educação Básica
estão ‘desarticulados e desmotivados’ pelos salários aviltantes e humilhantes.
Parece paradoxal, porque há novos ventos
injetando recursos e programas na valorização da Educação Básica e dos seus
profissionais. Mas o tempo faz o seu juízo e os juros foram altos, e vivemos na
idade das trevas da Educação Brasileira. Na mesma medida que arranha-céus se
elevam dentro das instituições de ensino superior, presenciamos um fenômeno
inverso na qualidade da Educação. Talvez o que foi feito até agora foi conter a
implosão ou diminuir o seu ritmo.
As universidades recebem inúmeros alunos
formados dentro de uma conjuntura educacional com sua qualidade tão
comprometida que os docentes que lecionam nos cursos das chamadas ciências
exatas e tecnológicas precisam ensinar a matemática dos ensinos fundamental e
médio antes de começarem seus cursos com os conteúdos do ensino superior. Não
posso falar pelas demais áreas do conhecimento. Lá acontece algo semelhante. A
base é tão frágil, que nossos alunos não conseguem ler e compreender os livros
da bibliografia sugerida. Os índices de reprovação, evasão e retenção nos
cursos de Física por todo o país são os mais altos, só para exemplificar. É
frustrante para todos os docentes que recebem as novas gerações de
universitários nos cursos de formação geral, como o Cálculo Diferencial e
Integral e a Física Básica, porque precisamos começar ensinando soma de
frações, radiciação, potenciação, funções do segundo grau, trigonometria, etc. Os
discentes também não estão confortáveis. Eles sofrem com históricos acadêmicos
mutilados e formações com lacunas sérias, porque precisam vencer o alto degrau
que separa os ensinos fundamental e médio do ensino superior, mas não têm tempo.
Os livros estão sendo substituídos por apostilas, slides, resumos, listas de
exercícios para prova, entre outros artifícios. Alunos que nunca leram um livro
completo ou leram muito pouco. Pessoas que escrevem e se expressam mal, com
vocabulários pobres. Uma cultura geral baixa que não permite que os alunos
possam se posicionar dentro de um diálogo maduro. Tempos difíceis que condenam
gerações de estudantes universitários ao sofrimento da superação de um ensino
básico de qualidade duvidosa. E a raiz de tudo isto está nas decisões políticas
que segregam os profissionais da Educação Básica com salários medíocres e,
portanto, a própria Educação. E agora, vemos paulatinamente o aviltamento do
profissional do magistério superior. Não só lecionamos. Somos orientadores em
projetos de iniciação científica, de extensão e de ensino. Os alunos sob a
nossa responsabilidade também revelam carências que dificultam sua ascensão
universitária. O trabalho fica mais difícil em sala de aula, porque as dúvidas deles
não são sobre os conteúdos do ensino superior, mas sobre os conteúdos dos ensinos
fundamental e médio. Nas universidades, disciplinas de nivelamento estão sendo
ofertadas em várias áreas para auxiliar estes alunos que chegam sem a base para
acompanhar o ritmo de um curso universitário. Programas de monitoria, projetos
de extensão e ensino voltados para a mesma finalidade, horários de atendimento
disponibilizados pelo docente para dirimir as dúvidas, aulas de exercícios: nada
parece compensar os anos que foram negados sem uma educação de qualidade. No
entanto, alguns estão conseguindo vencer pelos meandros dessa estrutura em
colapso. Resultado, as universidades estão sendo transformadas em escolas de ensino
superior.
Embora o ensino possa ser a alma de uma
universidade, não podemos esquecer que a pesquisa brasileira é realizada na sua
maior parte em instituições públicas de ensino superior, que estão apoiadas no
tripé ensino-pesquisa-extensão. O ensino claramente sofre uma deterioração da
sua qualidade. As produções científicas vão sofrer o mesmo destino. Vários
profissionais jovens em instituições fora dos grandes centros ou das suas sedes
estão vendo sua produção científica cair drasticamente ou estagnar porque não
temos recursos para promover a pesquisa e a extensão. Alguém pode dizer que
estou enganado porque o volume de recursos destinados à pesquisa pelas agências
de fomento é bem significativo e contínuo. No entanto, muitos profissionais são
excluídos porque não possuem produtividade para concorrer nos editais, isto
gera um ciclo vicioso, negando qualquer expectativa de crescimento profissional
aos docentes nos campi de expansão
pelo interior do país. Mais uma vez alguns conseguem, com grande sacrifício,
criatividade e brilhantismo. Deem um sistema de ensino com a qualidade do
chamado primeiro mundo aos docentes brasileiros e vamos começar competir em pé
de igualdade com os americanos, os europeus, os chineses, os coreanos, os japoneses,
etc. Por hora, nossa Educação não dá nem conta de acompanhar a fome de
profissionais qualificados e bem formados exigidos por um Brasil com uma
economia tão pujante que já somos a sexta maior do mundo.
O salário do professor do ensino superior é
um dos mais baixos entre os salários pagos pelo executivo quando comparamos com
os salários de categorias com nível superior, mas que não exigem uma
pós-graduação e um perfil de pesquisador. No ensino superior a qualificação é
contínua e todos os professores devem estar atualizados sobre suas áreas de
conhecimento e trabalhar na produção do conhecimento. NÃO É FÁCIL! Este é o
segredo de todos os países bem sucedidos. A produção de conhecimento. A
pós-graduação já recebe alunos com uma formação deficitária porque os anos
passados na graduação não vão compensar as lacunas deixadas no ensino básico.
Ou valorizamos o trabalho árduo do professor
que precisa formar a força produtiva e criativa que o Brasil precisa ou vamos
ver professores no ensino superior reproduzindo comportamentos observados no ensino
básico. Se o Governo não tem nenhum apreço pelo trabalho do professor, então ele
vai fazer de conta que ensina, porque o aluno já faz de conta que aprende.
Afinal, muitos alunos não sabem o que é Educação, assim como eu não sabia até
os doze anos. Seria uma tragédia. Mas ela já acontece. Não generalizada.
Durante a graduação, presenciei professores aflitos sendo derrotados pelo
sistema. Diante da precarização do ensino em todas as suas esferas, com claros
reflexos no ensino superior, estes professores foram vendo ano após ano o
ingresso de alunos que não têm motivação para estudar. A cultura de estudar
para aprender foi substituída pela cultura do resultado. Não se estuda para
construir um profissional de excelência, mas para ser aprovado com as notas
mais altas nas disciplinas. Focados nos resultados, estamos formando pessoas
que não têm uma cultura geral e sabem razoavelmente sobre suas áreas. A
graduação deixa de ser algo determinante nas vidas daqueles profissionais.
Vamos continuar empurrando até a pós-graduação. E depois... Vamos pagar para
eles estudarem na Coréia do Sul? Estados Unidos? Europa? Já que eles não são
bons o suficiente.
Professores cansados de repetir a mesma coisa
todos os dias: “Por favor, estudem!”. Alunos habituados a estudar em véspera de
prova. Não gostam de ler. Não compreendem a linguagem dos livros técnicos do
ensino superior. Não exercitam os conhecimentos. Não conversam sobre o que
aprendem. Não travam diálogos acalorados sobre a vida, a sociedade, o futuro, a
política, suas visões de mundo, etc. Desnudos de um pensamento crítico e
embebidos em uma densa névoa de ignorância. Por quê?
Professores que preferiram quebrar sua
dedicação exclusiva para manter outro vínculo empregatício porque o padrão de
vida que sua família tinha no passado... bem ficou no passado. Hoje a realidade
é frustrante. Antes, ser professor universitário era um status acompanhado da valorização profissional com salários que
permitiam se “banhar” de cultura, de “luxos tecnológicos” que podem acrescentar
dinamismo as suas atividades e as suas aulas, aprender línguas, viajar e
conhecer outros países e universidades, montar uma biblioteca pessoal, mas
também oferecer proteção familiar, pagando educação de qualidade para seus filhos,
plano de saúde para a família, uma residência decente para seu conforto,
tranquilidade e paz a fim de desenvolver suas pesquisas, sem se preocupar com o
crescente endividamento que lhes negam atualmente estes valores. Profissionais
que estão se convencendo que não vale tanto a pena dedicar além das 40 horas
semanais, as horas a mais (manhã, tarde e noite, final de semana, feriado, dia
santo, aniversário) para fazer o melhor. Pra quê?
A sociedade brasileira está pronta para pagar
a conta pela omissão dos seus dirigentes máximos que são os políticos eleitos
para pensar o Brasil e o futuro da nação?
É neste cenário caótico no qual se encontra a
Educação Brasileira que esperamos um dia ganhar um Prêmio Nobel?
Quantos anos serão necessários para o Brasil
assistir a “medianização” do ensino superior nos mesmos moldes do que acontece
com o ensino médio público brasileiro?
Quantos outros exemplos de sucesso vamos
apontar para convencer que a Educação é investimento e não ônus?
Quantos outros professores vamos assistir
sucumbindo ao sistema? Um profissional da educação mal formado e mal preparado
produz gerações de estudantes inseguros e mal formados na sua matéria.
Quantos alunos a mais vão ser formados dentro
dessa conjuntura educacional deficiente e de qualidade questionável?
Quanto dinheiro a mais vamos dar aos bancos e
às montadoras de veículos no lugar de priorizar a Educação? Para o Ministério
da Fazenda, os bilhões de reais dados aos bancos e às montadoras de veículos
são válidos. Isto é investimento?
Se Educação não é essencial, por favor, não
sejam hipócritas. Digam isso! Não enganem as pessoas com falsos discursos. Os
fatos mostram que as greves dos docentes em todas as esferas são as mais
longas. Agora, é por que exigimos demais? Não! É porque quem faz Educação, sabe
o que é Educação e vê que a Educação é completamente negligenciada.
Cito a nossa Constituição Federal:
“Art. 205. A educação, direito de todos e
dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
Cumpra-se!
Blog rafelrag
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