Para ele, a aprovação da lei 12.783, consequência da MP 579,
“é a continuidade de uma política que busca dar competitividade aos
capitalistas que optarem por instalar seus negócios no Brasil”. Gonçalves Júnior também
questiona a redução de 18% da conta de luz, porque não atende à
proposta das classes trabalhadoras. Para ele, o anúncio de diminuição
das tarifas tem “um forte apelo ideológico para as massas trabalhadoras
de que o governo está trabalhando pelas causas populares ao diminuir o
custo da tarifa das residências dos trabalhadores e na
manutenção/criação de empregos.
Por outro lado, todos os capitalistas sabem que a diminuição das
tarifas para os trabalhadores – se ocorrer – significa a diminuição do
custo de reprodução da força de trabalho, logo está se criando mais um
espaço para a expansão do lucro”.
Confira a entrevista.
Professor Dorival Gonçalves Júnior – Foto: Reprodução |
IHU On-Line – Como avalia a Lei 12.783, oriunda da MP 579, sobre a renovação das concessões do setor elétrico?
Dorival Gonçalves Júnior - Antes de lhe
responder preciso deixar claro que a minha avaliação é feita segundo a
perspectiva da classe trabalhadora. Assim, a MP 579, agora Lei 12.783, é
uma iniciativa do governo para tentar superar uma das contradições engendradas no
interior da recente reforma industrial que aconteceu na cadeia
produtiva de eletricidade. Estou falando dos elevados preços da
eletricidade que atinge diretamente a classe trabalhadora, parcelas
significativas da burguesia industrial e comercial brasileira. O processo de
mudança patrimonial e política iniciado em meados de 1990, com a
finalidade de resgatar o controle da exploração do trabalho através do
processo de privatização e, consequentemente, o aumento da exploração
dos trabalhadores através da demissão e intensificação do trabalho,
concomitante à institucionalização da eletricidade como mercadoria com o
seu preço internacionalizado, entre outras medidas tomadas, não tinham
assegurado até o início dos anos 2000 a “atratividade” para os
investimentos na geração. Isto acabou colaborando para o racionamento
entre junho de 2001 e fevereiro de 2002. O governo do PSDB, que
capitaneava este processo, apesar de ter estabelecido uma série de
encaminhamentos, que mesmo sob o racionamento, garantiu a continuidade
dos lucros, acabou perdendo credibilidade. Este evento associado a
outros, permitiram ao PT credenciar-se para substituir o governo do PSDB.
Compra de eletricidade
Durante a campanha eleitoral, o PT assumiu o
compromisso de promover mudanças com vistas a assegurar a “atratividade”
dos investimentos em toda a cadeia, no caso da indústria de
eletricidade, sem abrir mão dos fundamentos executados pelo governo
do PSDB. Isto é, manter a indústria de eletricidade organizada pelos
“sinais de preços”. O PT eleito, após mais de um ano em discussão com
todos os setores da burguesia industrial, comercial, e financeira
interessada na cadeia produtiva de eletricidade, institucionalizou, em
março de 2004, as leis 10.847 (criação da EPE) e 10.848 (comercialização
da energia elétrica). Estas leis consolidaram um conjunto de medidas
que solidificaram a elevada lucratividade da indústria em toda a cadeia
e, além disso, reduziram os riscos dos investidores na geração, ao
ancorar os novos empreendimentos com contratos de longo prazo, na conta
de eletricidade dos consumidores do “mercado regulado”. A partir de
então, a venda da eletricidade é feita em dois ambientes. O primeiro é o
ambiente de contratação regulada, onde a eletricidade tem a tarifa
definida pela ANEEL através de uma metodologia que
assegura o preço internacional para a eletricidade. É neste ambiente que
os consumidores residenciais, comerciais, e médias/pequenas indústrias
compram por volta de 70% da eletricidade vendida no país. O outro, é o
ambiente livre, onde grandes consumidores compram sua energia
diretamente dos geradores, e dependendo da maneira que estão ligados no
sistema de transporte de eletricidade do país, pagam “pedágio” pela
transmissão e/ou “pedágio” pela distribuição. Esta foi a forma que
arquitetaram para garantir aos setores capitalistas uma forma de poder
comprar sua eletricidade abaixo do preço internacional, especialmente,
pela possibilidade de poder tirar partido da produção no período de
chuvas.
Assim, neste quadro institucional, a segurança econômica dos projetos
estava garantida para todos os agentes industriais, comerciais e
financeiros participantes da cadeia. Fato que pode ser evidenciado no
crescimento das instalações de produção. Entre 2004 e 2012 a potencia
instalada no país saltou de 90 GW para 120 GW. Acrescenta-se ainda, as
estes 120 GW, a existência 26,6 GW em construção. Em termos da expansão
da indústria, destaca-se que os números da geração repercutem
diretamente sobre a transmissão e a distribuição. Os inúmeros negócios
na geração, na transmissão e na distribuição concomitante à venda da
mercadoria eletricidade ao preço internacional, garantem a todos os
participantes da cadeia, uma lucratividade inigualável no ramo,
mundialmente.
Mas, a partir da crise econômica instaurada em 2009, começa a surgir
do lado da demanda, um movimento dos consumidores industriais e
comerciais que compram eletricidade no mercado regulado questionando os
preços praticados no país. Estes, com o objetivo de resgatar a
competitividade em seus negócios, articulados nas federações de comércio
e indústria, passam a questionar os reajustes anuais e as revisões
tarifárias concedidas pela ANEEL às empresas distribuidoras. No ano de
2011, estes setores ganham apoio dos consumidores eletrointensivos, tais
como os setores de: alumínio, papel celulose, petroquímico e
siderúrgico. Grupos como a Alcoa, a Gerdau, entre outros, em audiências
com o executivo, passaram a ameaçar o fechamento de plantas de produção
no Brasil. A permanência do quadro de crise econômica, associado ao peso
da eletricidade, na bolsa dos trabalhadores, nos custos das atividades
industriais, comerciais e serviços, em síntese, a densidade política
destes interesses, obrigou o governo a encaminhar politicamente estas
reivindicações.
Modelo mercantil
Contudo, como em 2004, o problema para o governo era como exercer uma
ação política de controle – neste caso no preço – e simultaneamente
afirmar que mantinha o modelo mercantil como forma de organizar a cadeia
de eletricidade. No contexto do debate sobre a redução das tarifas,
havia consenso entre todos os setores capitalista nas questões
relacionadas à redução dos impostos e dos encargos setoriais. Todos os
setores capitalistas e os trabalhadores organizados (MAB, sindicatos de
eletricitários etc) tinham clareza do vencimento de concessões de
empreendimentos – maioria de propriedade de empresas estatais – na
geração e transmissão, já amortizados. Sobre esta questão, os setores
capitalistas interessados na redução das tarifas advogavam a
privatização através de licitação e com suas tarifas reduzidas por se
tratar de empreendimentos amortizados. Já os setores capitalistas da
indústria de eletricidade (geração, transmissão, distribuição), a
questão não estava em renovar ou licitar as concessões. Para estes, a
definição pelo estado dos preços da eletricidade dos empreendimentos
amortizados, sinaliza uma intervenção direta na definição dos preços em
toda cadeia produtiva da eletricidade.
Embora o governo tenha feito um enorme esforço para não desagradar aos interesses capitalistas da cadeia produtiva de eletricidade, isto não impediu o descontentamento do setor - Foto: Reprodução |
Neste tema, os trabalhadores defendiam a renovação das concessões
dosempreendimentos sob o comando das estatais e propunham que a venda da
eletricidade dos empreendimentos amortizados, fosse destinada
exclusivamente aos consumidores residenciais, como forma de reduzir
acentuadamente as tarifas para este segmento de consumo. Além disso, os
trabalhadores tinham pauta específica, em relação às condições de
trabalho nas estatais. Então qual foi a saída arquitetada? Para
compreender o encaminhamento dado, compete analisar o modus operandi
do PT. O governo do PT tem, entre suas estratégias de poder, uma atuação
política no Estado, no sentido de encaminhar medidas institucionais e
econômicas com o objetivo de criar as condições para que interesses
capitalistas nacionais/internacionais, tais como, os das cadeias
produtivas ligadas: à mineração, energia, agronegócio, entre outras,
sejam atraídas para instalar suas plantas de bens de produção, bens de
consumo e bens de serviços no território nacional. Neste sentido,
tirando partido da natureza privilegiada brasileira, que na ótica
capitalista, esta natureza – combinada a tecnologias e à força de
trabalho eficiente – é base de elevada produtividade do trabalho.
Portanto, esta atuação política objetiva demonstrar às forças
capitalistas que, ao realizarem os seus investimentos aqui, terão acesso
a lucros superiores aos que obteriam em qualquer lugar do mundo. Esta
política do governo do PT - de atração e expansão capitalista no Brasil –
pode ser constatada:
1. Na busca incessante de reorganizar o Estado em
novas bases institucionais onde o planejamento (criação das: Empresa de
Planejamento Energético e Empresa de Planejamento e Logística) a
regulamentação/fiscalização (fortalecimento das agências
reguladoras: ANEEL; ANP; ANA etc) do Estado se realiza com princípios de mercado;
2. Na criação de políticas de controle do custo do
crédito (redução de juros) e financiamento da produção e consumo
ancoradas nos bancos estatais (Caixa; BB e BNDES);
3. No emprego das estatais como empresas que alavancam o desenvolvimento de cadeias produtivas (caso do papel da Petrobras para o desenvolvimento de polos petroquímicos, do agronegócio na produção de etanol e biodiesel e da ELETROBRAS nos
consórcios de construção das grandes hidrelétricas e linhas de
transmissão, são alguns exemplos deste apoio.) assegurando às empresas
capitalistas os estágios de negócios mais lucrativos na cadeia de
produção; e
4. Na expansão da oferta, através do Estado e da
iniciativa privada, de uma rede de cursos de formação e especialização
da força de trabalho (aumento massivo do número de vagas para a classe
trabalhadora em escolas técnicas, universidades públicas e privadas) com
vistas a aumentar a produtividade do trabalho dos trabalhadores
brasileiros.
Projeto político do PT
Assim, o governo do PT, orientado por seu projeto político, supõe
que, por um lado, atende a maioria dos segmentos capitalistas (nacional e
internacional) que, atraídos por este cenário de oportunidades aos
lucros extraordinários, veem no PT o partido político da ordem e
defendem sua permanência no poder e, por outro lado, também tem apoio
dos trabalhadores, pois mantido as políticas de aperfeiçoamento da
produtividade da força de trabalho concomitante ao ambiente de
crescimento econômico, independente das taxas de exploração do trabalho,
grandes contingentes de trabalhadores são incorporados em processos
produtivos. Isto aparenta aos trabalhadores a existência de melhores
condições de trabalho, quando cotejadas as que existiam no passado
recente.
Competitividade
Então, recuperando a entrevista da Dilma no final de 2012, para o
governo, este ano é “o ano da competitividade …”. Portanto, a MP 579
(lei 12.783) é a continuidade de uma política que busca dar
competitividade aos capitalistas que optarem por instalar seus negócios
no Brasil. Esta norma atende a expressivos setores capitalistas. Isto
pode ser verificado nas medidas políticas contidas na MP. A extinção
da Reserva Global de Reversão – RGR e a redução da Cota
de Consumo de Combustíveis – CCC - Cota de Consumo de Combustíveis e da
Cota de Desenvolvimento Energético – CDE atende sem distinção a todos
os setores capitalistas, sejam os da cadeia produtiva de eletricidade,
sejam os que têm a eletricidade como um insumo em seus negócios. A
renovação das concessões dos empreendimentos amortizados permite a
diminuição das tarifas que varia entre 16% (para os consumidores
residenciais) e 28% (consumidores industriais) no ambiente de
contratação regulada.
Assim, apesar de não atender a parcela organizada dos trabalhadores (MAB e
sindicatos de eletricitários, entre outros), tem no anúncio de
diminuição das tarifas um forte apelo ideológico para as massas
trabalhadoras de que o governo está trabalhando pelas causas populares
ao diminuir o custo da tarifa das residências dos trabalhadores e na
manutenção/criação de empregos. Por outro lado, todos os capitalistas
sabem que a diminuição das tarifas para os trabalhadores – se ocorrer –
significa a diminuição do custo de reprodução da força de trabalho, logo
está se criando mais um espaço para a expansão do lucro.
Interesses capitalistas
Embora o governo tenha feito um enorme esforço para não desagradar
aos interesses capitalistas da cadeia produtiva de eletricidade,
bancando os custos econômicos decorrentes da diminuição das tarifas nas
empresas estatais, isto não impediu o descontentamento do setor que viu
nesta MP, uma ação intervencionista de Estado e limitadora do mercado.
Este cenário oportunizou ao PSDB, que vem de sucessivas derrotas
políticas, a tentar se credenciar de novo como o partido político que
melhor representa os interesses capitalistas. Por isso tomou a decisão
política de não aceitar a renovação das concessões dos empreendimentos
das empresas estatais (CEMIG, COPEL e CESP) nos estados (Minas Gerais,
Paraná, São Paulo) em que este partido detém o poder. Então, a MP
579 (lei 12.783) expressa o resultado momentâneo desta disputa política
e econômica intercapitalista. A forma como a mídia tem “criado” um
estado de elevado risco de operação e desabastecimento da eletricidade
no país é prova de que a disputa continua. E esta reação contrária à lei
12.783 tende a aumentar à medida que for se aproximando o período de
renovação das concessões dos empreendimentos amortizados, que estão sob
controle das empresas privadas. No capitalismo, não existe empresa que
reduz o preço de suas mercadorias porque os seus meios de produção já
estão amortizados. Pois, o trabalho dos trabalhadores em instalações,
máquinas e equipamentos amortizados são fontes de lucros extraordinários
que os capitalistas não abrem mão.
Qual a implicação de construir hidrelétricas nos rios do Pantanal?
Qual a implicação de construir hidrelétricas nos rios do Pantanal?
Para falar em hidrelétricas no Pantanal, antecede caracterizá-lo em
termos de suas principais peculiaridades físicas e bióticas.
Limitando-se ao Pantanal no território brasileiro, o Pantanal
mato-grossense localiza-se nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do
Sul, numa extensa planície banhada pela bacia do Alto Paraguai. Nas
bordas da planície se estende uma estreita região de Planalto, divisora
de águas das principais bacias brasileiras. No noroeste e norte de Mato
Grosso, próximo ao divisor de águas do Pantanal com a bacia Amazônica,
região que nasce o rio Paraguai, destacam-se os rios: Jauru, Cabaçal e
Sepotuba. Na região norte, nordeste e leste de Mato Grosso, próximo ao
divisor de águas do Pantanal com a bacia Amazônica e bacia do Tocantins
está situada a bacia do rio Cuiabá, principal afluente do rio Paraguai
na bacia do Pantanal. O rio Cuiabá se destaca pela dimensão de sua bacia
de drenagem bem como pelos seus afluentes, como: o rio Manso; o São
Lourenço e o rio Correntes. Outro rio afluente do rio Paraguai que se
destaca é o rio Taquari, com sua bacia localizada no leste de Mato
Grosso do Sul.
Pantanal sofre com a extinção do pescado e o desaparecimento da atividade dos pescadores em municípios como o de Porto Esperidião (MT) - Foto: Reprodução |
Na região do Pantanal, a pluviometria média anual está em torno de
1.250 milímetros. O modo como ocorre o período seco e de chuvas acaba
determinando o regime das águas na região que marcam as estações do
Pantanal. Por isso, os habitantes nativos costumam dividir as estações
no Pantanal em: “enchente” de outubro a setembro; a “cheia” de janeiro a
março; a “vazante” de abril a maio; e a “seca” de junho a setembro. Os
rios na região de planície são dotados de muitos meandros e canais que
interligamos rios e as lagoas, constituindo grandes áreas de inundação
nos períodos de cheias. É esta característica particular, como diz a
pesquisadora da Embrapa Débora Calheiros, o “pulso das águas do Pantanal”,
durante o período de cheias que faz os rios atingirem cotas suficientes
para alimentar lagoas e as extensas áreas de alagamento, as quais
determinam habitat especial responsável por uma rica e particular fauna e
flora no pantanal mato-grossense.
Impactos das hidrelétricas
Com estas considerações iniciais sobre o Pantanal é possível avaliar
os impactos da construção de hidrelétricas nos rios do Pantanal. As
hidrelétricas construídas estão localizadas na região de planalto da
bacia de drenagem do Pantanal. A quase totalidade dos empreendimentos
são usinas hidrelétricas a fio d’água e apenas uma delas é de
reservatório de acumulação. Cabe destacar que as hidrelétricas a fio
d’água são aquelas que a vazão afluente é igual à vazão de fluente. Isto
é, a água que chega a montante das instalações da hidrelétrica,
independente do volume, é lançada à jusante da instalação. Daí decorre o
argumento de que este tipo de empreendimento causa baixo impacto, pois,
segundo os que assim argumentam, este tipo de instalação não altera o
regime hidrológico do rio.
Esta argumentação, em geral se mostra falsa na realidade,
especialmente, quando se trata das hidrelétricas construídas na bacia de
drenagem do Pantanal. Um exemplo típico é o caso do rio Jauru, em Mato
Grosso, afluente do rio Paraguai. Neste rio foram construídos seis
empreendimentos sucessivos em uma extensão aproximadamente de 60 Km. De
modo que, considerando as hidrelétricas instaladas da nascente para a
foz, a água a jusante da primeira hidrelétrica está praticamente na cota
da barragem da segunda hidrelétrica e assim sucessivamente até a sexta
hidrelétrica. Constituindo uma cascata de seis barramentos sucessivos,
que mesmo sendo todos empreendimentos a fio d’água,estes, proporcionaram
um grande impacto direto ambiental e social no rio Jauru. Cerca de 60
km do curso do rio Jauru que eram – sem a construção das hidrelétricas
-, dotados de pequenas cachoeiras combinadas às corredeiras foram
transformados num conjunto de seis reservatórios sucessivos. Limitando a
análise sobre o que ocorreu no curso original do rio Jauru, verifica-se
que, por um lado, pôs fim a declividade natural do rio na extensão em
que foram construídas as hidrelétricas atingindo diretamente as espécies
de peixes migratórias e, por outro lado, os reservatórios
individualmente – apesar de terem reduzida capacidade de armazenamento -
por estarem dispostos de maneira sucessiva, possibilita ao conjunto de
hidrelétricas uma capacidade de armazenamento na cascata que determina
um novo regime hidrológico a jusante do complexo. O que mostra a
fragilidade do argumento de que as hidrelétricas a fio d’água não
alteram a vazão natural dos rios.
Efeitos
A dimensão dos impactos sociais e ambientais pode ser contatada na
extinção do pescado e o desaparecimento da atividade dos pescadores do
município de Porto Esperidião, em Mato Grosso, proporcionada pelas
hidrelétricas construídas nestes últimos dez anos no rio Jauru. Situação
muito semelhante a do rio Jauru -hidrelétricas construídas
sucessivamente – já está parcialmente materializada nos rios: Juba –
afluente do Sepotuba -; São Lourenço e afluentes; Correntes e afluentes;
e o rio Itiquira, todos pertencentes à bacia do Pantanal. Mas, a
condição de maior impacto ambiental e social, produzido diretamente por
um empreendimento hidrelétrico localizado no Pantanal, é o caso da
hidrelétrica Manso. Esta Hidrelétrica está localizada na foz do rio
Casca com o rio Manso a cerca de 80 km da foz do Manso no rio Cuiabá. A
hidrelétrica Manso é de reservatório de acumulação, cuja área de
inundação se estende por mais de 43.000 hectares, seu reservatório tem
uma capacidade de acumulação de volume útil de aproximadamente três
bilhões de metros cúbicos. Os impactos diretos determinados por esta
hidrelétrica são muitos.
Segundo o Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, por volta de
1000 famílias foram diretamente impactadas pelo empreendimento. Outro
grande impacto verificado pela construção de Manso está no novo regime
hidrológico imposto ao longo do curso do rio Cuiabá, principalmente, no
trecho compreendido entre a foz do rio Manso no rio Cuiabá até a foz do
rio São Lourenço no Cuiabá. Pois, como o rio Manso é o maior
contribuinte nesta extensão – extensão do rio Cuiabá contida na região
denominada baixada Cuiabana – com a construção da hidrelétrica a vazão
do rio Manso, e por sua vez a do rio Cuiabá, ficou praticamente
regularizada. Explicando a regularização. Com a construção da
hidrelétrica o rio Manso não apresenta mais o seu regime natural, pois
no período de “cheia” a maior parte da água afluente a barragem fica
armazenada no reservatório para ser utilizada no período de seca. O rio
Manso, a jusante do local onde está a hidrelétrica, tinha vazões de mais
de 1.200 metros cúbicos por segundo, hoje as vazões neste período não
ultrapassam 350 metros cúbicos por segundo, e, no período de seca, as
vazões chegavam a menos de 20 metros cúbicos por segundo estando agora –
após a construção da hidrelétrica – em torno de 150 metros cúbicos por
segundo.
Construção eclusa de Tucuruí – Foto: Reprodução |
Assim, com a regularização, o rio Manso que a jusante da barragem
tinha durante operíodo de cheias vazões máximas superiores a 1.200
metros cúbicos por segundo e que durante a seca tinha vazões mínimas
menores que 20 metros cúbicos por segundo passou, com a construção da
hidrelétrica de Manso, a ter uma vazão que oscila entre o valor máximo e
mínimo respectivamente de 350 e 150 metros cúbicos por segundo. Aqui,
está a razão do grande impacto ambiental e social produzido pela
hidrelétrica de Manso na região da baixada cuiabana. A construção da
hidrelétrica alterou profundamente o regime hidrológico do rio Manso e
do rio Cuiabá, especialmente, no trecho entre a localização da foz do
rio Manso no rio Cuiabá e na foz do rio São Lourenço no rio Cuiabá. Ou
seja, neste extenso curso do rio Cuiabá desapareceu o “pulso das águas”,
com gravíssimas consequências, principalmente, para as áreas de
planícies. Pois, o rio Cuiabá sofre significativa influência da
regularização do rio Manso proporcionado pela Hidrelétrica Manso, de
modo que, as águas em seu leito já não atingem as cotas capazes de
através dos canais que ligam o rio às lagoas alimentá-las nos períodos
de cheias. Assim, nesta área – baixada Cuiabana – as estações:
“enchente”, “cheias”, “vazante” e “seca” foram intensamente modificadas.
Para registrar é suficiente constatar o fim da atividade pesqueira em
inúmeras comunidades ribeirinhas que se estendiam desde a cidade de
Nobres até a cidade de Barão de Melgaço em Mato Grosso. As secas
registradas nas Lagoas Siá Mariana e Chacororé, após a construção da
hidrelétrica de Manso, são o testemunho inequívoco dos impactos
ambientais produzidos no meio físico, biótico e social na região.
De acordo com os pesquisadores que estudam o Pantanal, as
hidrelétricas e PCHs instaladas ao longo do bioma utilizam 70% do
potencial hidrelétrico da Bacia do Alto Paraguai. O que esse valor
significa e representa considerando a peculiaridade do bioma?
Atualmente, a potência instalada pelo
conjunto das 37 hidrelétricas (Usinas Hidrelétricas – UHE’s – são as
instalações com potência instalada acima de 30 MW – e as PCH’s– são as
denominadas Pequenas Centrais Hidrelétricas cujas instalações tem
potência instalada compreendida entre 1 MW e 30 MW –) existentes na
bacia do Pantanal está em torno de 1.140 MW, que corresponde exatamente
à potencia instalada na UHE de Machadinho, localizada no rio Pelotas na
divisa de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Este valor equivale –
hoje – acerca de 1,2% da potência instalada em PCH’s e
UHE’s no Brasil. Mas, cabe destacar, que o parâmetro geralmente
utilizado – potência instalada em usina hidrelétrica – não é uma noção
que mostra a produtividade da hidrelétrica. Este indicador diz respeito
apenas à quantidade que a instalação poderá produzir. O parâmetro que
indica a produtividade de uma usina é a sua energia firme. De maneira
simplificada, energia firme – de uma usina de produção de eletricidade –
equivale à quantidade de potência elétrica média que a usina assegura
durante o período de um ano.
Para exemplificar considere duas situações concretas. A primeira,
a usina hidrelétrica de Manso, localizada no rio Manso na bacia do
pantanal mato-grossense, que tem 210 MW de potência instalada e sua
energia firme é de 92 MWmédios. A segunda, a usina hidrelétrica Serra do
Facão, localizada no rio são Marcos – em Goiás – afluente do rio
Paranaíba, com potência instalada de 210 MW, mas a sua energia firme é
de 182 MWmédios. O que se procura mostrar aqui? Procura-se evidenciar
que para compreender se uma usina hidrelétrica é produtiva é necessário
saber a sua energia firme e não a sua potência instalada, como em geral,
as propagandas para a viabilização de empreendimentos hidrelétricos
fazem. Assim, pelo exemplo, as hidrelétricas de Manso e Serra do Facão,
apesar de terem a mesma potência instalada – 210 MW –, Serra do Facão
produz duas vezes mais eletricidade, em média por ano, do que a
hidrelétrica de Manso. Então, utilizando a noção de energia firme
verificamos a baixa produtividade média das hidrelétricas instaladas na
bacia do pantanal, uma vez que, a produção na bacia não ultrapassa a 600
MWmédios. Este valor corresponde apenas a cerca de 1,1% da produção
nacional, quando referenciado na produção hidrelétrica no Sistema Interligado Nacional em 2011.
Contudo, a irrelevância da produção das hidrelétricas do Pantanal não
está materializada apenas no reduzido percentual de sua contribuição ao
sistema interligado nacional, mas sim, no período que a sua produção é
considerada significativa. As hidrelétricas localizadas na bacia
do Pantanal operam todas interligadas ao Sistema Elétrico Nacional, e o
período em que elas conseguem produzir maisé no período de maior
pluviosidade na região Sudeste. E este período é exatamente quando
existe excedente de eletricidade no sistema, pois as hidrelétricas do
Sudeste, especialmente as da bacia do Paraná, estão “vertendo energia”.
Para esclarecer, energia vertida é a operação – na hidrelétrica – no
período em que a vazão afluente possibilitaria a produção da potência
instalada. Mas como as cargas (residenciais, industriais, comerciais
etc) não demandam esta capacidade deenergia que a usina pode produzir e
como o seu reservatório não tem capacidade de armazenamento para
reservá-la para o período de baixa afluência, os operadores da
hidrelétrica se veem obrigados a descartar parte da vazão afluente
através dos vertedouros e não a direcionando aos grupos turbo-geradores,
que produzem eletricidade. Esta operação – vazão lançada aos
vertedouros – é denominada na usina hidrelétrica de energia vertida.
Para ter a dimensão do quanto de energia é vertida nas hidrelétricas
localizadas no Sudeste brasileiro, basta utilizar apenas os dados da
hidrelétrica de Itaipu. Nesta, a média anual de energia vertida nos
últimos seis anos (2006 a 2011), é maior que toda a energia que pode ser
gerada pelo potencial hidráulico (construídas e levantadas) da bacia do
pantanal. Assim, se nos referenciarmos: nas características de baixa
produtividade das hidrelétricas do Pantanal; na insignificante
contribuição que as hidrelétricas do Pantanalpodem dar ao sistema
interligado nacional; e, principalmente, nos impactos que estes
empreendimentos estão provocando na bacia do Pantanal, não existem
argumentos para dar continuidade à implantação de empreendimentos
hidrelétricos no pantanal mato-grossense.
Quais são os interesses econômicos e políticos que tentam viabilizar a construção de novas hidrelétricas e PCHs no Pantanal?
Para responder esta pergunta, exige recuperar alguns aspectos marcantes, relacionados ao processo de reforma na indústria de eletricidade brasileira. A crise de reprodução do capital na indústria de infraestrutura estatal nos anos 1980/90 – aqui, falo especialmente da indústria de eletricidade brasileira – resultante das políticas de utilização das empresas estatais pelas forças econômicas acabaram esgotando o modelo de estatal de produção de eletricidade. Isto impôs aos setores capitalistas ligados à cadeia de produção da eletricidade uma atuação política no sentido reorganizá-la em novas bases, com vistas a recuperar a acumulação de capital.
Para responder esta pergunta, exige recuperar alguns aspectos marcantes, relacionados ao processo de reforma na indústria de eletricidade brasileira. A crise de reprodução do capital na indústria de infraestrutura estatal nos anos 1980/90 – aqui, falo especialmente da indústria de eletricidade brasileira – resultante das políticas de utilização das empresas estatais pelas forças econômicas acabaram esgotando o modelo de estatal de produção de eletricidade. Isto impôs aos setores capitalistas ligados à cadeia de produção da eletricidade uma atuação política no sentido reorganizá-la em novas bases, com vistas a recuperar a acumulação de capital.
Neste sentido, controlar diretamente todo o processo produtivo com
vistas a resgatar a lucratividade, requeria a transferência do
patrimônio estatal para o controle direto do capital. Por isso, o
encaminhamento do processo de privatização das empresas elétricas e a
organização das empresas estatais em bases de gestão privada. Outra
medida política fundamental neste contexto foi a transformação da
eletricidade em mercadoria internacional. Isto é, a eletricidade no
Brasil, por ser predominantemente produzida a partir de recursos
hidráulicos, tinha no período estatal – em acordo com os mais diversos
interesses capitalistas – os seus preços vinculados aos custos da cadeia
produtiva hidráulica. Isto fazia da tarifa de eletricidade brasileira,
na época da produção sob a gestão do Estado, uma das mais baratas
mundialmente. Então, outra medida central para resolver a crise de
reprodução do capital era à institucionalização da mercadoria
eletricidade ao preço de mercado, isto é, ao preço internacional. E, em
1994, o governo da época institucionalizou o preço da eletricidade
brasileira, vinculando-a ao custo da cadeia produtiva térmica. Isto
elevou as tarifas de eletricidade no Brasil ao dobro do que se pagava no
período estatal. Vale lembrar que isto foi feito no exato momento em
que se implantava no país um plano econômico – Plano Real – que reduziu
praticamente à zero a inflação, fato que, permitiu obscurecer a manobra
de exploração realizada.
Venda de energia
Vender eletricidade produzida em base hidráulica, ao preço da
produção térmica, transformou esta cadeia produtiva em fonte de elevada
lucratividade e de intensa disputa de muitos setores capitalistas. Desde
então, os segmentos capitalistas ligados à indústria de eletricidade,
organizados segundo os seus interesses específicos e gerais, atuam em
várias frentes, sobretudo, no interior do estado brasileiro, procurando
institucionalizar e regulamentar uma cadeia industrial para a
eletricidade, aglutinada em negócios de baixo risco e fonte de lucros
inigualáveis neste ramo da produção no mundo.
Na atualidade, são quatro os segmentos de negócio: geração,
transmissão, distribuição e comercialização. Desde 2004, com a lei
10.848, os novos empreendimentos hidrelétricos são licitados pelo Estado
Brasileiro em leilões. Ganham o direito de construir e explorar
economicamente o recurso hidráulico o consórcio de empreendedores que se
dispõe a construir e vender no mínimo 70% da energia produzida, ao
menor preço em reais por cada 1.000 KWh (R$/MWh) para as empresas
distribuidoras. Estas últimas são as empresas que vendem eletricidade
para a quase totalidade da população brasileira (consumidores
residenciais, comerciais, médias e pequenas indústrias, correspondem por
volta de 75% do consumo nacional). Aqui, é importante destacar que,
quem ganha o leilão, conquista o direito de explorar economicamente
o recurso hidráulico licitado por trinta e cinco anos. Em geral, cinco
anos para construir o empreendimento e trinta para explorar
economicamente sem riscos, pois, no leilão o grupo empreendedor
conquista um contrato de venda de pelo menos 70% de sua produção para as
empresas distribuidoras por trinta anos. Por isso, as hidrelétricas no
Brasil tornaram-se fábricas de produção de eletricidade, de risco de
realização da receita nulo e elevada lucratividade. Risco de realização
de receita nulo, porque o grupo que ganha o leilão, já tem assegurado
antes de construí-la, a venda de sua produção durante 30 anos com os
contratos assinados e endossados pelo estado brasileiro com as empresas
distribuidoras, que são obrigadas a comprar a sua energia nestes
leilões. Elevada lucratividade, pois de um modo geral, estes
empreendimentos tem sido conquistados, referenciados no custo de
produção térmica.
Hidrelétricas no Pantanal
No caso das hidrelétricas construídas na bacia do Pantanal, estas têm
contratos de venda a preços que se constituem um verdadeiro assalto ao
bolso dos trabalhadores brasileiros. Pois, a maioria dos empreendimentos
foi construída tirando partido de formas contratuais carregadas de
benesses proporcionadas pelo Estado, a exemplo do PROINFA. Este programa
instituído em 2004, no bojo do clima do pós-racionamento 2001-02, em
nome de aumentar a produção de eletricidade através de fontes
alternativas (pequenas centrais hidrelétricas, biomassa e eólica) o
Ministério de Minas Energia elaborou um programa definindo o valor
econômico de cada fonte de eletricidade e incumbiu a ELETROBRAS de
celebrar contratos de compra de eletricidade por 20 anos, com os
candidatos à produção, com preços por MWhanálogos ao custo das térmicas.
Oito PCH’s construídas na bacia do pantanal durante os anos 2000 têm
contratos com o PROINFA. Este é caso das PCH’s José Gelasio (26,6 MW)
e Rondonópolis (23,7 MW), localizadas no município de Rondonópolis, em Mato Grosso, no ribeirão Ponte de Pedra, pertencente à bacia do rio
São Lourenço. São empreendimentos que somam receita anual em torno 30
milhões de reais (para comprovar esta informação basta recorrer ao site
da ANEEL no seguinte endereço eletrônico:http://www.aneel.gov.br/cedoc/areh20121385_2.pdf).
Como os investimentos realizados não ultrapassaram a 100 milhões nos
dois empreendimentos, estas PCH’s – com contratos de 20 anos de venda de
sua produção – tiveram os investimentos recuperados em pouco mais de
três anos com a receita assegurada pelo PROINFA. Aqui, cabe a
pergunta:Quem paga esta conta? Cabe destacar que os custos do PROINFA
são rateados entre todas as classes de consumidores do Sistema
Interligado Nacional e, evidentemente, quem paga é a classe
trabalhadora, pois só com muita luta esta consegue transferir os custos
de sua reprodução para a sua mercadoria – força de trabalho.
Até meados de 2010, todos os locais com potenciais para instalação de
PCH’s foram muito disputados como negócios de lucros garantidos.
Atualmente, com a crise capitalista acentuada a partir de 2008, a
indústria eólica mundial, com a suspensão de muitos contratos de venda
de seus equipamentos, passou a disputar todos os mercados. O Brasil,
considerada a organização institucional da indústria de eletricidade com
a garantia do retorno ao capital investido, atraiu, em curto espaço de
tempo, um grande número de montadoras de equipamentos eólicos. Estas, ao
final de 2012, totalizavam no território nacional oito montadoras com
uma capacidade de produção anual em torno de 3,9 GW. Estas empresas,
associadas a outros grupos de interesse, passaram a participar dos
leilões de novos empreendimentos, colocando os seus preços bem abaixo
das Pequenas centrais hidrelétricas e das térmicas de biomassa. No
último leilão de compra de eletricidade, ao final de 2012, as eólicas
venderem eletricidade a menos de R$ 89,00/MWh, fato que, inviabilizou 22
projetos de PCH’s e 10 projetos de térmicas a biomassa que participaram
do leilão. Assim, momentaneamente, a concorrência intercapitalista está
detendo a expansão de empreendimentos hidrelétricos na bacia
do Pantanal.
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