Seja
qual for o enfoque a ser levado em conta – pioneirismo histórico,
proporção numérica, incidência política, representatividade social – as
rádios comunitárias latino-americanas [temos ciência de que o objeto
desse estudo seria melhor explorado se seu recorte fosse a América
Latina. A exclusão do México e da América Central deveu-se à limitação
de fôlego e espaço do presente estudo], quando comparadas aos seus pares
no mundo, destacam-se. Tendo como precursoras as primeiras experiências
de utilização cidadã, pedagógica e, quase sempre, também evangelizadora
do veículo rádio dos anos 1940, essas emissoras, ao longo do processo
histórico, foram desenvolvendo um perfil político e se organizando
coletivamente – local, nacional ou regionalmente – para dar conta dos
desafios resultantes tanto da realidade social de seu entorno local
quanto das ameaças à sua própria sobrevivência. Dentre tais, o vazio
legal foi, por muito tempo, o desafio que imprimiu a tônica de sua luta,
o leitmotiv de seu movimento político organizado. Se, num
primeiro momento, as reivindicações eram em torno da ausência de
reconhecimento legal, atualmente elas têm como alvo as próprias
limitações das leis que, enfim, conquistadas, agora impedem o pleno
desenvolvimento de tais emissoras e o livre exercício do deu seu direito
de livre expressão e comunicação.
Metodologia e aspectos legais considerados
Para obtenção dos dados apresentados no quadro comparativo e na
análise que seguem, foi realizada uma revisão bibliográfica de livros,
cartilhas e catálogos que avaliam os aspectos legais da comunicação, a
situação da liberdade de expressão e o grau de efetivação do direito
humano à comunicação na América do Sul e no restante do mundo.
Empreendemos, é claro, além disso, um estudo dos marcos legais
específicos para radiodifusão comunitária de cada um dos países da
região. Também foram pesquisadas notícias sobre legislação em
comunicação, relatórios e estudos de caso sobre a situação legal das
rádios comunitárias nos países sul-americanos [aqui cabe ressaltar a
importância para o presente estudo da página da internet do Programa de Legislaciones
da Associação Mundial de Rádios Comunitárias - Amarc América Latina e
Caribe, que organiza notícias, marcos legais e estudos avaliativos da
maior parte dos países da América Latina].
Vale apontar aqui uma das dificuldades encontradas para a
ratificação dos referidos dados e realização do diagnóstico, justamente a
atual dinâmica de alteração legal no que tange à comunicação. Tendo em
vista que a América do Sul se encontra num momento singular em que
diversos países têm revisado seus marcos regulatório de comunicação foi
necessária uma atenção especial às mudanças legais recentes em
telecomunicação e radiodifusão e que acabam por afetar a situação
específica da radiodifusão comunitária. Apenas como título de exemplo,
cabe apontar o caso boliviano. Em 8 de agosto de 2011, foi sancionada a
Ley General de Telecomunicaciones, Tecnologías de Información y
Comunicación, que, entre diversas medidas, em seu artigo 10º, estabelece
uma reserva de espectro para os diferentes setores sociais prestadores
do serviço de comunicação, a saber: até trinta e três por cento para o
Estado; outros trinta e três por cento para o setor comercial; dividindo
o restante para o social comunitário – até dezessete por cento – e os
povos indígenas originários campesinos, comunidades interculturais e
afrobolivianas – até o dezessete por cento. O ineditismo de tal
peculiaridade na divisão da reserva de espectro aparece como resposta à
própria plurietnicidade e pluriculturalidade da população boliviana.
Ora, isso afeta sobremaneira, por exemplo, o até então estado de
ocupação da radiodifusão sonora no país: a partir de dados de 2008, num
universo de 1.027 emissoras AM e FM, 81% do espectro se encontrava sob
competência do setor “privado comercial”, 4% para as “comunitárias” e
outros 15% para aquelas abrangidas pelo “Artigo 41”, ou seja, meios
oficiais – segurança e defesa nacional – e de caráter social
relacionadas com educação e saúde ALVIS, VILLANUEVA e ULO, 2009) [para
uma breve apresentação sobre a gênese das rádios comunitárias
brasileiras ver “Rádios comunitárias: ampliando o poder de ação”
(MALERBA, 2006)].
Dentre uma miríade de aspectos normativos passíveis de serem
considerados nas legislações em radiodifusão comunitária, fez-se
necessário um recorte tendo em vista tanto a limitação do presente texto
quanto o foco de análise pretendido. Nosso objetivo principal aqui é
contribuir para a avaliação da adequação da legislação em radiodifusão
comunitária de cada um dos países da região quando comparada aos padrões
internacionais e interamericanos de boas práticas legais para garantia
da pluralidade, democracia e diversidade na comunicação. Com isso
elencamos cinco itens que consideramos essenciais para o alcance de tal
objetivo, a saber:
Definição legal: apresentaremos a definição de radiodifusão comunitária para cada um dos marcos legais dos países analisados;
Acesso ao espectro: investigaremos, nesse item, como se dá
o acesso ao espectro eletromagnético, principalmente se há algum regime
de reserva de canais para os meios comunitários e em qual(is) banda(s)
de transmissão (AM, FM, Ondas Curtas etc.) está(ão) franqueada(s) sua
utilização;
Potência e /ou alcance de transmissão: serão considerados
aqui se há algum – e qual – limite de potência para as rádios
comunitárias, além de restrições referentes ao alcance e/ou área de
atuação;
Prazo de outorga: apresentaremos o período estipulado de
validade da licença da emissora comunitária para utilização do espectro
eletromagnético;
Sustentabilidade econômica: analisaremos quais mecanismos
de sustentabilidade econômica as rádios comunitárias estão autorizadas a
explorar, com atenção às nuances de definição (“apoio cultural”,
“menções comerciais” etc.) e em comparação com a radiodifusão sonora
comercial e/ou privada.
A escolha dos itens acima também se deve ao fato de serem esses os
principais alvos de controvérsia e disputa entre os setores sociais
quando da aprovação, alteração ou reivindicação de mudanças nos marcos
legais de radiodifusão comunitária. Acreditamos que tais itens são
essenciais para o início de qualquer avaliação de marcos regulatórios no
que se refere ao acesso equitativo, plural e democrático das
comunidades às ondas eletromagnéticas.
Quanto à apresentação dos dados na tabela, meramente por questões
de espaço, decidiu-se por reduzir ao mínimo necessário de informação,
mas mantendo a literalidade do texto legal, com tradução nossa [as leis
dos países de língua hispânica foram livremente traduzidas, somente para
facilitar o leitor de língua portuguesa], de modo a servir como
referência para o entendimento do diagnóstico que segue à tabela. De
qualquer forma, as referências bibliográficas oferecem links para os
endereços na internet, em que as leis podem ser acessadas na íntegra.
Limitações da pesquisa
Para explicitarmos com veracidade o alcance da pesquisa, faz-se
necessário assinalar alguns de seus limites – o que pode acabar por
apontar possibilidades de investigação posteriores. Uma das limitações
vislumbradas se refere a outros elementos relevantes que poderiam ser
analisados acerca da normativa para a radiodifusão comunitária nos
países, aqui ausentes por questão de espaço e fôlego. Um importante
elemento aqui ausente se refere aos procedimentos de outorga adotados
pela legislação. O próprio caso brasileiro é paradigmático nesse sentido
por oferecer uma série de exigências burocráticas para obtenção da
outorga de radiodifusão comunitária, que acaba por excluir boa parte das
comunidades requerentes do acesso ao espectro. Um estudo realizado com
todos os processos de outorga de radiodifusão comunitária que estiveram
em tramitação no Ministério das Comunicações entre 1998 (ano da
promulgação da lei brasileira de radiodifusão comunitária) e maio de
2004, concluiu que a aplicação da legislação de radiodifusão comunitária
deixou explícito que uma estratégia de exclusão estava sendo posta em
prática e não uma política de inclusão. O processo de outorga criado
pela legislação é demasiadamente burocrático, com uma infinidade de
exigências que tornam sua tramitação lenta, complicada e, por
consequência, gera um alto índice de arquivamento. Para cada processo
autorizado, 2,23 são arquivados. (LIMA e LOPES, 2007, p. 17)
Outro elemento destacável seria a avaliação de tratamentos
discriminatórios às rádios comunitárias quando comparadas as suas pares
comerciais. Mais uma vez o caso brasileiro é um exemplar negativo. O
artigo 25 do Decreto nº 2.615 que regulamenta a radiodifusão comunitária
no país estabelece que “a emissora do RadCom operará sem direito a
proteção contra virtuais preferências causadas por Estações de Serviços
de Telecomunicações e de Radiodifusão regularmente instalados”,
evidenciando um claro tratamento desigual.
Uma outra limitação do presente estudo se refere aos entraves
extratextuais de procedimentos legais que podem inviabilizar a outorga
para rádios comunitárias: em muitos casos, mesmo com a vigência da lei,
sua aplicação não acontece. No texto Regulación de las concesiones de radiodifusión en América Latina, Gustavo
Gómez e Carolina Aguerre apresentam dois exemplos: Peru e Colômbia. No
caso peruano, mesmo com a aprovação em julho de 2004 da Ley de Radio y TV, que
reconhecia a existência de emissoras comunitárias, as primeiras
concessões só foram acontecer em 2009 [de acordo com PATIÑO, 2009. Ver http://legislaciones.item.org.uy/index?q=node/918
(acesso em 3/8/2012)]. De acordo com os autores, “não se trata de um
problema do texto legal, mas de uma prática administrativa abusiva,
neste caso por razões de ‘falta de planificação do espectro’ (tradução
nossa)” (GÓMEZ e AGUERRE, 2009, p. 30). Algo parecido ocorreu na
Colômbia que, apesar de um marco avançado para o setor, ficou doze anos
sem abertura de chamadas de concessões de rádios comunitárias nas
principais cidades do país, por conta de uma aplicação arbitrária de sua
normativa (idem). Tais exemplos evidenciam a insuficiência de nos
mantermos nos textos legais para avaliar a real efetivação do direito
das comunidades em exercer seu direito à comunicação.
Quadro comparativo
País
|
Definição legal
|
Acesso ao espectro
|
Potência e/ou alcance de transmissão
|
Prazo de outorga
|
Sustentabilidade
|
Argentina
|
“Emissoras comunitárias: atores privados que tem uma finalidade
social e se caracterizam por serem geridas por organizações sociais de
diversos tipos sem fins de lucro. Sua característica fundamental é a
participação da comunidade tanto na propriedade do meio, como na
programação, administração, operação, financiamento e avaliação.
Tratam-se de meios independentes e não governamentais.” (LSCA
26522/2009, art. 4)
|
Reserva de “trinta e três por cento (33%) das localidades
radioelétricas planificadas, em todas as bandas de radiodifusão sonora e
de televisão terrestres, em todas as áreas de cobertura para entidades
sem fim de lucro” (LSCA 26522/2009, art. 89, inciso f)
|
“Em nenhum caso se entenderá como um serviço de cobertura geográfica restrita.” (LSCA 26522/2009, art. 4)
|
“Duração da licença. As licenças serão concedidas por um período de
dez (10) anos a contar desde a data da resolução da Autoridade Federal
de Serviços de Comunicação Audiovisual que autoriza o início das
emissões regulares.” (LSCA 26522/2009, art. 39)
|
“Emissão de publicidade. Os licenciatários ou autorizados dos
serviços de comunicação audiovisual poderão emitir publicidade conforme
às seguintes previsões…” “O tempo de emissão de publicidade fica sujeito
às seguintes condições: a) Radiodifusão sonora: até um máximo de
quatorze (14) minutos por hora de emissão” (LSCA 26522/2009, arts. 81 e
82)
|
Bolívia
|
“I. A radiodifusão comunitária opera sem fins de lucro e tem como
objetivos o serviço social, a educação, a saúde, o bem-estar integral e o
desenvolvimento produtivo, atendendo as necessidades fundamentais da
comunidade. II. Sua finalidade é contribuir a melhoria das condições de
vida das pessoas dentro de seu âmbito de cobertura, promovendo a
construção da cidadania a partir do fortalecimento dos valores e seu
caráter democrático, participativo e plural.” (Decreto Supremo Nº
29174/2007, artigo 30)
|
“A distribuição do total de canais da banda de frequências para o
serviço de radiodifusão em frequência modulada e televisão analógica em
nível nacional onde exista disponibilidade, será sujeita ao seguinte: 1.
Estado, até trinta e três por cento. 2. Comercial, até trinta e três
por cento. 3. Social comunitário, até o dezessete por cento. 4. Povos
indígenas originários campesinos, e comunidades interculturais e afro
bolivianas até o dezessete por cento.” (Lei 164/2011, artigo 10)
|
“I. A zona de cobertura para a radiodifusão comunitária não poderá
ser menor que a área geográfica da localidade rural na que se preste o
serviço, nem poderá ser maior a área geográfica da seção municipal
respectiva.” (Decreto Supremo Nº 29174/2007, artigo 35)
|
“II. A vigência das licenças de radiodifusão será de quinze anos,
podendo ser renovadas somente uma vez por igual período, sempre que seu
titular tenha cumprido com as disposições previstas nesta Lei, em seus
regulamentos e na licença respectiva.” (Lei 164/2011, artigo 29)
|
“Aqueles que obtenham licenças para radiodifusão comunitária, serão
responsáveis de suas sustentabilidade técnica, econômica e social,
levando em conta seu caráter não lucrativo. Os recursos obtidos pela
prestação do serviço de radiodifusão comunitária deverão ser destinados a
garantir o funcionamento e manutenção das instalações e da continuidade
do serviço oferecido” (Decreto Supremo Nº 29174/2007, artigo 33)
|
Brasil
|
“Denomina-se Serviço de Radiodifusão Comunitária a radiodifusão
sonora, em frequência modulada, operada em baixa potência e cobertura
restrita, outorgada a fundações e associações comunitárias, sem fins
lucrativos, com sede na localidade de prestação do serviço. § 2º
Entende-se por cobertura restrita aquela destinada ao atendimento de
determinada comunidade de um bairro e/ou vila.” (Lei 9612/1998, art. 1)
|
“O Poder Concedente designará, em nível nacional, para utilização
do Serviço de Radiodifusão Comunitária, um único e específico canal na
faixa de frequência do serviço de radiodifusão sonora em frequência
modulada.” (Lei 9.612/1998, art. 5)
|
“§ 1º Entende-se por baixa potência o serviço de radiodifusão
prestado a comunidade, com potência limitada a um máximo de 25 watts ERP
e altura do sistema irradiante não superior a trinta metros. (Lei
9.612/1998, art. 1) “ A cobertura restrita de uma emissora de RadCom é a
área limitada por um raio igual ou inferior a mil metros, a partir da
antena transmissora, destinada ao atendimento de determinada comunidade
de um bairro, uma vila ou localidade de pequeno porte.” (Decreto
2.615/1998, art. 6)
|
“Parágrafo único. A outorga terá validade de dez anos, permitida a
renovação por igual período, se cumpridas as exigências desta Lei e
demais disposições legais vigentes.” “ (Lei 10597/2002)
|
“As prestadoras do RadCom poderão admitir patrocínio sob a forma de
apoio cultural, para os programas a serem transmitidos, desde que
restrito aos estabelecimentos situados na área da comunidade atendida.”
(Decreto 2.615/1998, art. 32)
|
País
|
Definição legal
|
Acesso ao espectro
|
Potência e/ou alcance de transmissão
|
Prazo de outorga
|
Sustentabilidade
|
Chile
|
“Criam-se os Serviços Comunitários e Cidadãos de Radiodifusão de
Livre Recepção (…) Estes terão como zona de serviço máxima uma
comunidade [comuna] ou uma agrupação de comunidades [comunas], conforme o
âmbito de ação comunitária da entidade concessionária.” (Lei
20.433/2010, art.1)
|
“As concessões dos Serviços serão outorgadas dentro de um segmento
especial do espectro radioelétrico na banda de frequência modulada,
tanto para a operação analógica como digital, que se estenderá entre as
seguintes frequências, todas inclusive: (…) [lista faixa de frequências
determinadas para cada região do país, no melhor dos casos de 105.9 a
107.9, cerca de 5% do dial]” (Lei 20.433/2010, art. 3)
|
“Os Serviços estarão conformados por uma estação de radiodifusão
cuja potência radial mínima será de 1 watt e máxima de 25 watts (…)
Excepcionalmente, (…) tratando-se de localidades fronteiriças ou
remotas, com população dispersa ou com alto índice de ruralidade, a
potência radiada poderá ser de até 40 watts. (…) No caso de que se
busque potencializar as identidades culturais dos povos indígenas e de
suas línguas originárias o limite máximo de potência radiada será de até
30 watts. “(Lei 20.433/2010, art.4)
|
“O prazo das concessões será de dez anos, e a concessionária gozará
de direito preferente para sua renovação, sujeito ao cumprimento dos
fins comunitários que originaram a concessão.” (Lei 20.433/2010, art.
11)
|
“(…) As organizações concessionárias de Serviços poderão difundir
menções comerciais ou de serviços que se encontrem em sua zona de
serviço, para financiar as necessidades próprias da radiodifusão,
podendo inclusive celebrar convênios de difusão cultural, comunitária,
desportiva ou de interesse público em geral. Entendem-se por menções
comerciais a saudação ou agradecimento a uma entidade, empresa,
estabelecimento ou local comercial, indicando unicamente seu nome e
endereço.” (Lei 20.433/2010, art. 13)
|
Colômbia
|
[Define-se a partir da orientação da programação] “c. Radiodifusão
sonora comunitária. Quando a programação está orientada a gerar espaços
de expressão, informação, educação, comunicação, promoção cultural,
formação, debate e consulta que conduzam ao encontro entre as diferentes
identidades sociais e expressões culturais da comunidade, dentro de um
âmbito de integração e solidariedade cidadã e, em especial, a promoção
da democracia, a participação e os direitos fundamentais dos colombianos
que assegurem uma convivência pacífica.” (Decreto 2805/2008, art. 18)
|
“Este serviço será prestado nos canais definidos para estações
classe D no Plano Técnico Nacional de Radiodifusão Sonora, em Frequência
Modulada (FM), tendo em conta a topografia, a extensão do município e a
distribuição da população urbana e rural, dentro do mesmo.” (Decreto
2805/2008, art.78)
|
“De cobertura local restrita: São estações classe D. Aquela
destinada a cobrir com parâmetros restritos áreas urbanas e/ou rurais,
ou específicas dentro de um município ou distrito, (…).” (Decreto
2805/2008, art. 19) “Estação Classe D. Máximo 250 watts de p. r. a., na
direção de máximo ganho de antena. Máximo 900 W de p. r. a., na direção
de máximo ganho de antena, para os municípios (sem incluir as cidades
capitais) pertencentes aos estados de Guajira, Chocó, Putumayo, Caquetá,
Amazonas, Vaupés, Guaviare, Vichada, Meta, Casanare y Arauca.”
|
“O fim da duração das concessões atuais e futuras para a prestação
do Serviço de Radiodifusão Sonora será de dez (10) anos prorrogáveis por
períodos iguais. Em nenhum caso haverá renovações automáticas nem
gratuitas.” (Decreto 2805/2008, art. 10)
|
“““Pelas estações de radiodifusão sonora comunitária poderá
transmitir propaganda, exceto publicidade política, e poderá dar crédito
a quem dê patrocínios, auspícios e apoios financeiros para determinada
programação (…). [Sob] os seguintes critérios: – Para municípios com
menos de 100.000 habitantes, (…) não poderá ultrapassar de quinze (15)
minutos por cada hora de transmissão da estação. – Para municípios entre
100.000 e 500.000 habitantes, (…) dez (10) minutos por cada hora de
transmissão da estação. – Para municípios ou distritos com mais de
500.000 habitantes, (…) sete (7) minutos por cada hora de transmissão da
estação.”“ (Decreto 2805/2008, art.27)
|
País
|
Definição legal
|
Acesso ao espectro
|
Potência e/ou alcance de transmissão
|
Prazo de outorga
|
Sustentabilidade
|
|||||
Equador
|
“São estações de serviço público aquelas destinadas ao serviço da
comunidade, sem fins utilitários, que não poderão veicular publicidade
comercial de nenhuma natureza. Estão incluídas no inciso anterior, as
estações privadas que se dediquem a fins sociais, educativos, culturais
ou religiosos, devidamente autorizados pelo Estado.” (Decreto Supremo
No. 256-A/2007, art.
|
[Não há reserva de espectro] “Os requisitos, condições, poderes,
direitos, obrigações e oportunidades que devem cumprir os canais ou
frequências de radiodifusão e televisão das estações comunitárias, serão
os mesmos que esta Lei determina para as estações privadas com
finalidade comercial” (Decreto Supremo No. 256-A/2007, art. [Com isso há possibilidades de concessão para AM, FM e OC]
|
“Os requisitos, condições, poderes, direitos, obrigações e
oportunidades que devem cumprir os canais ou frequências de radiodifusão
e televisão das estações comunitárias, serão os mesmos que esta Lei
determina para as estações privadas com finalidade comercial.” (Decreto
Supremo No. 256-A/2007, art. [Igualdade de possibilidades de potência e alcance dos meios comerciais]
|
“O contrato de concessão tem um período de duração de dez anos, e
será renovado sucessivamente por períodos iguais.” (Decreto Supremo No.
256-A/2007, art. 15)
|
“Não poderão veicular publicidade comercial de nenhuma natureza.
Estão incluídas no inciso anterior, as estações privadas que se dediquem
a fins sociais, educativos, culturais ou religiosos (…). No entanto, as
estações comunitárias que nascem de uma comunidade ou organização
indígena, afro equatoriana, camponesa ou qualquer outra organização
social (…) podem realizar autogestão para a melhoria, manutenção e
operação de suas instalações, equipamentos e pagamento de pessoal
através de doações, mensagens pagas, e publicidade de produtos
comerciais.” (Decreto Supremo No. 256-A/2007, art.
|
|||||
Paraguai
|
[A lei de telecomunicações estabelece os Serviços de Radiodifusão
de pequena e média cobertura ou rádios comunitárias] “Constitui-se o
serviço de radiodifusão alternativa, que incluirá as rádios
comunitárias, educativas, associativas e cidadãs, de pequena e média
cobertura.” “O objetivo destes serviços consiste em emitir programas de
caráter cultural, educativos, artísticos e informativos sem fins de
lucro.” (Lei 642/95, arts. 57 e 58)
|
“O Serviço de Radiodifusão Sonora de Pequena e Média Cobertura se
classificará da seguinte maneira: a. Serviço de Radiodifusão de Pequena e
Média Cobertura por ondas hectométricas ou ondas médias, com modulação
em amplitude (AM) (…). b. Serviço de Radiodifusão de Pequena e Média
Cobertura por ondas métricas, com modulação em frequência (FM) “ (Res.
N° 898/2002, art. 5)
|
“As estações (…) que operem na banda de ondas médias ou
hectométricas, terão potência de transmissão máxima (…) de 10 W” “As
estações de Radiodifusão de Pequena e Média Cobertura que operem na
banda de ondas métricas terão potência efetiva radiada máxima (PER), de
300 W, com altura máxima do centro geométrico de antena de 30 m.” (Res.
N° 898/2002, art. 6 e 7)
|
“As Autorizações para a prestação do Serviço de Radiodifusão Sonora
de Pequena e Média Cobertura serão designadas por um prazo de cinco
anos, (…) e poderá ser renovada sob solicitação do interessado.” (Res.
N° 898/2002, art. 19)
|
“As organizações sem fins de lucro (…) terão direito a assegurar
sua sustentabilidade econômica, independência e desenvolvimento, para
tais poderão obter recursos provenientes de aportes solidários, anúncios
de entidades públicas, ou de outras fontes que sejam geradas dentro de
sua área de cobertura. A totalidade dos recursos obtidos deverá ser
investida exclusivamente no funcionamento e na introdução
de melhorias na prestação e no desenvolvimento dos objetivos do Serviço.”“ (Res. N° 898/2002, artigo 28)”
|
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Peru
|
“Radiodifusão Comunitária: É aquela cujas estações estão
localizadas em comunidades camponesas, nativas e indígenas, áreas rurais
ou de interesse social preferencial.” “Regime preferencial: os serviços
de radiodifusão educativa e comunitária, assim como aqueles cujas
estações sejam localizadas em zonas de fronteira, rurais ou de interesse
social preferencial, qualificadas como tais pelo Ministério, tem um
tratamento preferencial estabelecido no Regulamento.” (Lei Nº
28278/2004, art.9 e 10)
|
“Atribuição de Frequências. As autorizações para prestar o serviço
de radiodifusão comunitária e em áreas rurais, lugares de interesse
social preferencial e em localidades fronteiriças, só poderão ser
outorgadas para operar na banda de frequência modulada (FM) no caso do
serviço de radiodifusão sonora e nas bandas de VHF e UHF, em se tratando
do serviço de radiodifusão por televisão”. (Decreto Supremo Nº
005/2005, art. 47)
|
[Não há limites prévios, sendo estabelecidos no plano de outorgas | Há muitos casos de 100 w, 250 w e 500 w]
|
“O prazo máximo de vigência da autorização é de dez (10) anos,
contados a partir da data de notificação da respectiva resolução e será
renovada automaticamente por períodos iguais, sob prévio cumprimento dos
requisitos estabelecidos na Lei.” (Lei Nº 28278/2004, art. 15)
|
“Todos os titulares de serviços de radiodifusão podem transmitir mensagens publicitárias.” (Lei Nº 28278/2004, art. 9)
|
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País
|
Definição legal
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Acesso ao espectro
|
Potência e/ou alcance de transmissão
|
Prazo de outorga
|
Sustentabilidade
|
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Uruguai
|
“Entende-se por serviço de radiodifusão comunitária o serviço de
radiodifusão não estatal de interesse público, prestado por associações
civis sem fins de lucro com personalidade jurídica ou por aqueles grupos
de pessoas organizadas que não busquem fins de lucro e orientado a
satisfazer as necessidades de comunicação social e a habilitar o
exercício do direito à informação e à liberdade de expressão dos
habitantes da República. “ (Lei Nº 18.232/2007, art. 4)
|
“O Poder Executivo (…) reservará para a prestação do serviço de
radiodifusão comunitária e outros sem fins de lucro, ao menos um terço
do espectro radioelétrico para cada localidade em todas as bandas de
frequência de uso analógico e digital e para todas as modalidades de
emissão” (Lei Nº 18.232/2007, art. 5)
|
“Em nenhum caso se entenderá que o serviço de radiodifusão
comunitária implica necessariamente um serviço de cobertura geográfica
restrita. Tal área estará definida pela sua finalidade pública e social e
dependerá da disponibilidade e planos de uso do espectro e da proposta
comunicacional da emissora.” (Lei Nº 18.232/2007, art. 4)
|
“As atribuições de frequências para o serviço de radiodifusão
comunitária serão outorgadas por um prazo de dez anos. Poderão ser
prorrogados por períodos de cinco anos condicionado ao cumprimento das
condições de atribuição e da celebração de uma audiência pública prévia e
sempre que não existam limitações de espectro confirmado por informes
técnicos. Em caso contrário, e se houver outros interessados, será
possível a renovação por cinco anos mediante concurso nas condições
fixadas por esta lei e pelo regulamento respectivo.” (Lei Nº
18.232/2007, art. 9)
|
“As entidades sem fins de lucro que prestem serviço de radiodifusão
comunitária terão direito a assegurar sua sustentabilidade econômica,
independência e desenvolvimento, para os quais poderão obter recursos,
entre outras fontes, de doações, aportes solidários, auspícios,
patrocínios e publicidade, de acordo com as normas vigentes. A
totalidade dos recursos que obtenham as entidades que prestem o serviço
de radiodifusão comunitária, por e para este serviço, deverão ser
investidos no funcionamento e em melhorias na prestação do mesmo e no
desenvolvimento dos objetivos do serviço de radiodifusão comunitária.”
(Lei Nº 18.232/2007, art.10)
|
|||||
Venezuela
|
“[Definição] ““1. Comunidade: conjunto de pessoas que residem ou se
encontram domiciliadas em uma localidade e que a Comissão Nacional de
Telecomunicações determina
que se encontram estreitamente vinculadas em razão de sua
problemática comum e de suas características históricas, geográficas,
culturais e tradicionais.” “9. Radiodifusão sonora comunitária: serviço
de radiocomunicação que permite a difusão de informação de áudio
destinada a ser recebida pelo público em geral, como meio para alcançar a
comunicação livre e plural dos indivíduos e das comunidades organizadas
em seu âmbito respectivo” (Decreto Nº 1.521/2002, art. 2)”
|
[Uma por localidade, em FM] “Modulação: Frequência Modulada” (Decreto Nº 1.521/2002, art. 36)
|
“Os atributos das habilitações de radiodifusão sonora e televisão
aberta comunitárias de serviço público, sem fins de lucro terão como
zona de cobertura a localidade em que se prestará o serviço. Tais
localidades não poderão ser menores que a área geográfica da ‘parroquia’
[na Venezuela, a unidade política e territorial de menor classificação,
onde se dividem os municípios] em que se preste o serviço e não poderão
abarcar frações da área total de uma ‘parroquia’. As localidades não
poderão ter uma área maior a do município em que se presta o serviço.
(Decreto Nº 1.521/2002, art. 6)
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“A duração das habilitações administrativas não poderá exceder de
vinte e cinco anos; pudendo ser renovada por iguais períodos sempre que
seu titular haja cumprido com as disposições previstas nesta Lei e em
seus regulamentos” (Lei Orgânica de Telecomunicações, 2000, art. 21)
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“Os operadores comunitários poderão transmitir publicidade
comercial de pequenas e médias indústrias domiciliadas na localidade
onde se presta o serviço. Igualmente, poderão transmitir publicidade de
bens e serviços que ofereçam as pessoas naturais membros da comunidade
onde se presta o serviço (…). Em nenhum caso o tempo total de
publicidade poderá exceder cinco (5) minutos em uma hora de transmissão”
“Os rendimentos obtidos pela prestação dos serviços de radiodifusão
sonora comunitária e televisão aberta comunitária deverão ser destinados
a garantir o funcionamento e manutenção das redes de telecomunicações, a
continuidade da prestação do serviço em questão e a realização do
objeto para o qual foi constituída a fundação comunitária.” (Decreto Nº
1.521/2002, art. 30 e 20) [Lei mais recente permite 10 minutos de
publicidade]
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Análise a partir dos dados obtidos
Considerações iniciais
Primeiramente, cabe apontar que todos os países analisados já
oferecem um amparo legal – mesmo que, em muitos casos, limitado e
restritivo – para o exercício da radiodifusão comunitária. Isso por si
só já evidencia um avanço, tendo em vista que, por muitos anos as rádios
comunitárias da América do Sul existiram à margem da lei. Como exemplo
histórico podemos citar a Bolívia. Talvez um dos casos mais antigos de
utilização do rádio como ferramenta de mobilização comunitária tenha
sido as chamadas rádios mineiras bolivianas, consideradas “experiências
históricas pioneiras, no continente latino-americano, no que se refere
ao uso autônomo da tecnologia eletrônica de comunicação por segmentos da
classe trabalhadora” (PERUZZO, 1998, p. 192), cuja origem remonta os
anos 1940: “cada um dos 34 meios era de propriedade coletiva e se
sustentava com as contribuições dos jornais dos trabalhadores mineiros
sindicalizados das principais minas da zona andina (tradução nossa)”
(ALVIS, VILLANUEVA e ULO, 2009, p. 109). Apesar da figura da “rádio
comunitária” no país ter sido criada somente nos anos 1980 (idem), tais
experiências pioneiras já evidenciavam os princípios e causas de tais
meios hoje ditos comunitários. Assim, podemos afirmar que passaram-se
mais de 60 anos até que as rádios comunitárias bolivianas encontrassem
amparo jurídico legítimo para seu funcionamento, com o Decreto Supremo
27.489 de 14 de maio de 2004.
Também as rádios comunitárias brasileiras passaram por um longo
período à sombra da lei. Apesar de as primeiras experiências no país
datarem da década de 1980, o reconhecimento legal desses meios só foi
acontecer em 1998. Com isso, o estigma da “ilegalidade” passou a fazer
parte da trajetória dessas emissoras, “seja porque passaram a existir
sem ter uma legislação para o setor, ou porque, diante da morosidade do
poder público em conceder autorização para seu funcionamento, muitas
delas funcionam sem permissão legal” (PERUZZO, 2004, p.1). Esse é um
aspecto importante a ser considerado, tendo em vista que, assim como no
Brasil, em diversos outros países tal brecha legal favoreceu um processo
de desprestígio de tais meios junto à opinião pública que resiste a
mudar.
Definição legal
Ao analisarmos as definições de radiodifusão comunitária no seu
marco legal específico (ou legislações em comunicação que já abrangem em
sua letra tal setor) dos dez países da região, percebemos algumas
características comuns. Uma das similaridades se refere à ênfase ao seu
caráter não lucrativo, um dos pilares definidores da radiodifusão
comunitária e que a contrapõe aos serviços de radiodifusão comerciais
(ou privados com fins de lucro). Exceto o Peru, todos os marcos
mencionam como prerrogativa o solicitante da outorga ser uma organização
social sem fins de lucro. Chile (artigo 9 da Lei 20433) e Colômbia
(artigo 2 do Decreto 2805) o fazem nos artigos em que descrevem as
personalidades jurídicas habilitadas ao serviço de radiodifusão
comunitária e Venezuela no próprio título do Regulamento (Decreto
1.521), todos os demais nas primeiras letras da lei. Outra recorrência
se refere aos objetivos e finalidades que devem nortear as emissoras
comunitárias. Boa parte dos marcos legais analisados destaca finalidades
como promover a “melhoria das condições de vida das pessoas” (Bolívia),
“assegurar a comunicação livre e plural dos membros de uma comunidade”
(Venezuela), “satisfazer as necessidades de comunicação social e a
habilitar o exercício do direito à informação e à liberdade de
expressão” (Uruguai) etc., diferentes matizes para uma expectativa de
valores ligados à democracia, pluralidade e o bem comum.
Um aspecto importante para a linha de estudo que temos adotado [uma
das perspectivas de estudo de minha pesquisa de doutorado intitulada “A
comunicação comunitária no limite: um estudo sobre seu alcance teórico a
partir da análise das rádios comunitárias brasileiras” é a relevância
da investigação conceitual de comunidade para o entendimento da
problemática da comunicação comunitária e seus objetos de estudo] é o
entendimento de comunidade presente nos marcos legais analisados: exceto
o Uruguai (onde a palavra também é mencionada na Lei 18.232, somente
quando em referência ao Plano de Serviços à Comunidade), em todos eles
aparece o termo “comunidade”, já nas primeiras definições. O que parece
óbvio – tendo em vista que uma rádio comunitária surge para atender uma
determinada comunidade – esconde quase sempre uma definição implícita
que acarreta limitações posteriores ao funcionamento do meio: comunidade
entendida somente como um território delimitado. Excetuando Argentina,
Equador e Uruguai, todas as demais leis vinculam comunidade a um espaço
territorial demarcado, o que se assevera com limitações de potência e
alcance (abaixo analisados) aos meios comunitários. Há casos como o da
Venezuela em que, logo no artigo 2 do Regulamento de radiodifusão
comunitária, há a definição de comunidade como “conjunto de pessoas que
residem ou se encontram domiciliadas em uma localidade” (Decreto
1.521/2002). Também o Brasil, define a partir da negação (“em frequência
modulada, operada em baixa potência e cobertura restrita”), destacando a
exclusividade do serviço para “bairro e/ou vila” (Lei 9612/1998, art.
1). Em outro momento [cf.”Rádios comunitárias brasileiras e a
questão espacial” (MALERBA, 2008)] analisamos em detalhe o anacronismo
de tal definição brasileira, tendo em vista o esgarçamento do
entendimento contemporâneo de comunidade, que já abarca agrupamentos
humanos vinculados por interesses e/ou características socioculturais
comuns, dependentes ou não de vínculos territoriais. Porém cabe-nos aqui
desconfiar dos interesses ocultos em tal atrelamento comunidade & território físico
quando justamente os marcos legais que aceitam uma maior amplitude do
conceito são aqueles que menos impõem restrições aos meios comunitários.
Acesso ao espectro
O espectro eletromagnético é um bem escasso, por isso, de acordo
com as recomendações da Relatoria de Liberdade de Expressão da OEA,
os Estados em sua função de administradores das ondas do espectro
radioelétrico devem atribuí-las de acordo a critérios democráticos que
garantam uma igualdade de oportunidades a todos os indivíduos no acesso
aos mesmos. Isto precisamente é o que estabelece o Princípio 12 da
Declaração de Princípios de Liberdade de Expressão (tradução nossa).
(LORETI e GOMEZ, 2012, p. 42)
Com isso, os diferentes tipos de prestadores de meios de difusão –
estatais, comerciais e públicos (incluídos aqui os meios comunitários) –
devem gozar de critérios justos e equitativos para aceder ao espectro.
Para tal, os documentos dos Relatores de Liberdade de Expressão,
principalmente a Declaração Conjunta de Amsterdã de 2007 sugere que “as
medidas específicas para promover a diversidade podem incluir a reserva
de frequências adequadas para diferentes tipos de meios” (LIGABO et all,
2007).
Isso aconteceu recentemente no Uruguai (2007), Argentina (2009) e
Bolívia (2011), que alteraram seus marcos legais em comunicação de modo a
garantir uma reserva de um terço do espectro para os meios
comunitários, em todas as bandas e modalidades de transmissão (AM, FM,
Ondas Curtas, TV Aberta, TV a cabo etc.), em plataformas analógicas e
digitais. Também o Equador prevê a mesma medida no artigo 113 da Nova
Lei Orgânica de Comunicação, ainda em fase de votação, distribuindo
equitativamente as frequências: 33% para meios públicos, 33% para
privados e 34% para comunitários.
No Brasil, o artigo 223 da Constituição Federal observa “o
princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal”.
Porém, a Lei 9.612 reserva “um único e específico canal na faixa de
frequência do serviço de radiodifusão sonora em frequência modulada”
(art. 5). Com isso, no Brasil, as comunidades não podem ter acesso a
televisão aberta (somente a cabo) ou rádios AM e Ondas Curtas, da mesma
forma no Chile e Colômbia. No Peru e Venezuela às comunidades estão
vedadas a rádio AM, permitindo somente FM e TV; já o Paraguai permite
somente rádio AM e FM. A ainda lei vigente do Equador não faz qualquer
impedimento de acesso tecnológico aos setores comunitários. Porém, em
2008, no Equador, as frequências radioelétricas estavam divididas de
forma muito desigual: 85% das frequências destinadas às rádios
comerciais, 12% às igrejas e apenas 3% aos setores comunitários (TAMAYO,
2008).
Tais limitações em que certos setores sociais estão privados de
aceder a todos os meios possíveis de expressão e informação configuram
uma violação aos princípios de universalidade de meios e sujeitos
estabelecidos no Sistema Interamericano de Direitos Humanos para o
exercício do direito à liberdade de expressão (GÓMEZ e AGUERRE, 2009, p.
30). As limitações ao acesso tecnológico vão de encontro à recomendação
do Sistema de que “os diferentes tipos de meios de comunicação –
comerciais, de serviço público e comunitários – devem ser capazes de
operar em, e ter acesso equitativo a, todas as plataformas de
transmissão disponíveis” (LIGABO et all, 2007), a fim de garantir a diversidade na comunicação.
Potência e/ou alcance de transmissão
No quesito limitação de potência, o Brasil tem a lei de
radiodifusão comunitária mais restritiva da região: a Lei 9612, já em
seu artigo primeiro, estabelece que a potência de transmissão das
emissoras não pode ultrapassar 25 watts. Além disso, o decreto
regulamentador da radiodifusão comunitária introduziu ainda a limitação
quanto à área de cobertura das transmissões, restrita “a área limitada
por um raio igual ou inferior a mil metros a partir da antena
transmissora” (Decreto 2.615/98, art. 6). Cabe ressaltar que, em
contrapartida, as emissoras comerciais brasileiras não possuem qualquer
limite prévio de potência, atingindo milhares de watts. Mesmo o Chile,
que também estabelece o mesmo limite (25 watts), em se tratando de
locais de fronteira ou localidades “remotas, com população dispersa ou
com alto índice de ruralidade” chega a permitir uma potência de até 40
watts. A excepcionalidade também ocorre no caso de povos indígenas, com
um limite de até 30 watts. Também Bolívia, Colômbia, Paraguai e
Venezuela impõem limitações de potência.
Em contrapartida, a legislação argentina é categórica ao exprimir
que, no caso da radiodifusão comunitária, “em nenhum caso se entenderá
como um serviço de cobertura geográfica restrita”. (LSCA 26522/09, art.
4). De teor quase idêntico é a lei uruguaia de radiodifusão comunitária,
que ainda acrescenta que “tal área estará definida pela sua finalidade
pública e social e dependerá da disponibilidade e planos de uso do
espectro e da proposta comunicacional da emissora” (Lei Nº 18.232,
artigo 4). Também no Equador e Peru, não há limites prévios de potência.
Porém, no caso supracitado peruano, na prática, a quase totalidade das
emissoras comunitárias se encontra nas zonas rurais (GÓMEZ e AGUERRE,
2009, p. 32). Processo semelhante de “ruralização” das outorgas também
acontece na Bolívia.
Prazo de outorga
A partir de anos de levantamentos e análises dos marcos
regulatórios e políticas públicas em diferentes países da região e dos
padrões interamericanos de direitos humanos, o Programa de Legislação da
Associação Mundial de Rádios Comunitárias – América Latina e Caribe
desenvolveu 40 Princípios para garantir a diversidade e a pluralidade na radiodifusão e nos serviços de comunicação audiovisual.
O princípio 27 recomenda que “as concessões de uso de frequências
radioelétricas devem ser adjudicadas por períodos de tempo determinados a
quem ofereça prestar um melhor serviço de comunicação” (LORETI e GÓMEZ,
2009, p. 80) de modo a preservar o acesso democrático às frequências.
Todos os países analisados estabelecem prazos de outorga para as rádios
comunitárias: cinco anos – Paraguai; 10 anos – Argentina, Brasil, Chile,
Colômbia, Equador, Peru e Uruguai; 15 anos – Bolívia; 25 anos –
Venezuela. Todas as legislações analisadas pressupõem concursos públicos
com critérios determinados para a atribuição de licenças para rádios
comunitárias.
Sustentabilidade
No tópico Sobre a Diversidade de Tipos de Meios de Comunicação, na Declaração de Amsterdã de 2007, a Relatoria pela liberdade de expressão estabelece que
a radiodifusão comunitária deve estar expressamente reconhecida na
lei como uma forma diferenciada de meios de comunicação, deve
beneficiar-se de procedimentos equitativos e simples para a obtenção de
licenças, não deve ter que cumprir com requisitos tecnológicos ou de
outra índole severos para a obtenção de licenças, deve beneficiar-se de
tarifas de concessionária de licença e deve ter acesso a publicidade (grifo nosso) (LIGABO et all, 2007).
Há uma confusão comum entre ausência de finalidades de lucro e
ausência de atividades econômicas de sustentabilidade. Loreti e Gómez
esclarecem que “a ausência de finalidade de lucro é a atividade que não
busca obtenção de entradas para sua acumulação ou sua distribuição ou
seu investimento em objetivos diferentes dos que correspondem ao serviço
de radiodifusão comunitária” (2009, p. 56). A partir dessa confusão –
ou se valendo dela – países como Brasil e Chile proíbem publicidade
comercial, permitindo somente “apoio cultural” (Brasil) e “menção
comercial”, espécies de patrocínio que impedem qualquer promoção de
bens, produtos, preços, condições de pagamento, ofertas, vantagens e
serviços, acarretando dificuldades de sustentabilidade para as rádios
comunitárias de seus países. Todos os demais países permitem múltiplas
formas de financiamento, inclusive publicidade comercial, todos
estabelecendo limites máximos de propaganda por hora de programação,
como também acontece com os meios comerciais. Na Colômbia, por exemplo,
esse limite varia de acordo com a população do município onde a rádio
está estabelecida. Reforçando a concepção não lucrativa das rádios
comunitárias, países como Bolívia, Chile, Colômbia, Paraguai, Uruguai e
Venezuela reforçam na letra da lei que todos os recursos obtidos com a
prestação do serviço têm de ser reinvestidos na continuidade e o
desenvolvimento da própria emissora. Já a limitação da publicidade,
patrocínio ou apoio econômico aos estabelecimentos localizados na zona
de cobertura da rádio aparece nas legislações de Brasil, Chile e
Venezuela.
Considerações finais: o caso Brasil
Quando comparado aos demais países sul-americanos, o Brasil possui
um dos marcos legais em radiodifusão comunitária mais restritivos e
incompatíveis com o que é sugerido pelos padrões interamericanos de boas
práticas legislativas para a diversidade, pluralidade e democracia na
comunicação. Praticamente inalterada desde sua criação em 1998, a única
alteração efetiva da lei brasileira de radiodifusão comunitária ao longo
dos anos foi o projeto de lei que ampliou seu prazo de outorga de três
para dez anos (Lei 10597/02). Fora isso, as diversas restrições, há
muito criticadas pelo movimento de rádios comunitárias, continuam
prejudicando o pleno desenvolvimento e, em alguns casos, inviabilizando a
radiodifusão comunitária no país.
O que foi afirmado acima fica claro a partir do que foi analisado
no presente estudo. Como foi dito, a legislação brasileira define o
serviço de radiodifusão comunitária a partir de limites territoriais.
Apesar de legislar longamente sobre motivações ideológicas, programação,
modos de funcionamento, formas de financiamento etc., a lei de
radiodifusão comunitária brasileira, logo em seu primeiro artigo,
restringe o funcionamento da emissora comunitária “ao atendimento de
determinada comunidade de um bairro e/ou vila”. É inviável que
comunidades de grande extensão, como muitas das favelas metropolitanas
brasileiras, sejam atendidas por uma rádio comunitária cujo alcance
esteja limitado ao raio de um quilômetro. Se pensarmos em comunidades
tradicionais amazônicas (indígenas, ribeirinhos, quilombolas etc.), em
que muitas habitações distam quilômetros entre si, essa limitação
inviabiliza de início o funcionamento de uma emissora comunitária no
local [para uma abordagem detalhada sobre o assunto, ver Lacerda
(2003)]. Além do mais, tal definição impede que comunidades
etnolinguísticas e de interesse, para além das territoriais, acedam ao
direito de constituir meios eletrônicos próprios de comunicação. Também
nos demais itens analisados – exceto na questão do prazo de outorga – a
lei brasileira demonstra seu potencial restritivo: não há qualquer
reserva de espectro que faça cumprir o determinado pela Constituição
Federal acerca da complementaridade das modalidades de comunicação; para
as comunidades fica restrito um canal único, em cada localidade, em
somente uma das modalidades de radiodifusão, o rádio FM; a maior
potência possível é a menor entre as legislações analisadas, 25 watts de
potência ou um quilômetro de alcance; a sustentabilidade econômica fica
seriamente prejudicada com a proibição de publicidade, muitas vezes,
colocando as rádios em situação de penúria financeira e que, por vezes,
acaba por torná-la dependente de interesses extracomunitários, como
poderes religiosos e/ou políticos locais, num processo que vem
descaracterizando a radiodifusão comunitária no Brasil.
Observatório da Imprensa
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