Com 120 bilhões de reais a mais e 5 milhões de estudantes a menos, o
Brasil terá, nos próximos dez anos, uma oportunidade histórica para
tirar o atraso na Educação Básica - e garantir que nossa economia decole
As meninas
da foto desta matéria da Revista Exame, moram e estudam no distrito de Aracatiaçu, em Sobral, no
Ceará. Aracatiaçu fica a 60 quilômetros do centro de Sobral, que por
sua vez está a 250 quilômetros de Fortaleza. É a zona rural de uma das
cidades mais quentes do país. Pior: o sertão nordestino sofre com a
maior seca dos últimos 50 anos. Na Escola delas, o ventilador só espalha
o calor. Quando a reportagem de EXAME visitou o local, fazia 40 graus.
Mas essas
crianças têm sorte de viver ali. Nos últimos 13 anos, Sobral vem se
consolidando como um exemplo bem-sucedido de reforma educacional. O
índice de Desenvolvimento da Educação básica (Ideb), indicador do
Ministério da Educação, é maior em Sobral do que em qualquer capital do
Brasil nos anos iniciais do Ensino fundamental.
O mais
surpreendente é que os efeitos dessa política educacional já são
sentidos até no setor privado. A fabricante de calçados gaúcha Grendene
chegou a Sobral em 1992, quando a atividade econômica local era quase
toda agrícola. Na época, o único requisito para trabalhar na fábrica era
não ser completamente Analfabeto — e mesmo assim era difícil conseguir
gente. Os programas de treinamento se dedicavam a ensinar os empregados a
compreender textos e a fazer contas básicas. Nos últimos três anos, a
Grendene tem intensificado a troca daquela mão de obra mais rudimentar
por jovens — de Sobral mesmo.
A empresa
sente o efeito na forma de melhoria da produtividade. Em Sobral estão
oito das 13 fábricas da Grendene e quatro de cada cinco trabalhadores
que emprega. Hoje, com máquinas novas e gente que teve acesso a uma
Educação melhor, a Grendene produz 20 milhões de calçados por ano a mais
do que em 2009 — com 9 000 funcionários a menos. "Diria que 70% de
nosso ganho de produtividade se deve a uma seleção mais apurada da mão
de obra", diz Francisco Schmitt, diretor de finanças da Grendene. "Em
geral, o investimento em pessoas tem retorno maior do que em capital
físico", diz o economista Samuel Pessoa, da Fundação Getulio Vargas do
Rio de Janeiro.
Tudo
começou com uma simples pesquisa. Em 2000, o prefeito Cid Gomes, atual
governador do Ceará, encomendou um estudo sobre o padrão educacional da
cidade. O levantamento mostrou que, no 4° ano do fundamental, quando os
Alunos costumam ter 9 anos, metade das crianças nem sequer conseguia
juntar sílabas e ler palavras. A constatação deflagrou um plano de ação
para corrigir o atraso. Diretores passaram a ser escolhidos por
processos de seleção em vez de indicação política.
O conteúdo
das aulas começou a seguir um cronograma único e detalhado para todo o
município. Os Professores iniciaram uma capacitação mensal para aprender
a ensinar. Avaliações viraram uma constante, mas não para punir quem
não aprendia, e sim para verificar se os Alunos progrediam — não há
reprovação em Sobral. "Sem esse acompanhamento, muitos Alunos seriam
reprovados à toa", diz Claudia Barbosa Viana, Professora de português da
Escola Francisco Aguiar, onde estudam as meninas que abrem a
reportagem.
Hoje, a
proporção das crianças que leem e compreendem textos é de 97% no 2e ano
do Ensino fundamental — aos 7 anos de idade. A psicóloga Izolda Cela foi
a secretária de Educação de Sobral de 2001 a 2006. Em 2007, passou a
ocupar o mesmo cargo no governo do Ceará e levou o Programa de
Alfabetização na Idade Certa para todo o estado. De 2005 a 2011. o Ceará
foi o estado que mais avançou no Ideb até o 5e ano do fundamental. "O
mais importante da reforma foi avaliar Escolas e Alunos e cobrar um
desempenho melhor", diz Martin Carnov, Professor da Universidade
Stanford que estuda a Educação na América Latina. O programa cearense
agora inspira um similar em esfera federal. Lançado neste ano, visa
garantir que os Alunos de toda a rede pública no país estejam
alfabetizados até os 8 anos.
O papel do
governo federal de um país continental como o Brasil é reconhecer as
melhores práticas em Educação e dar escala a elas. "O Brasil não faz
isso bem", diz o alemão Andreas Schleicher, diretor-geral de Educação na
OCDE, organização dos países mais ricos que estuda o desenvolvimento
econômico.
Com mais
dinheiro para a Educação, o Brasil terá uma chance de dar um salto na
qualidade. Os futuros royalties do pré-sal podem gerar incremento de 120
bilhões de reais no orçamento da Educação até 2022, segundo projeção do
Ministério da Educação. Ao mesmo tempo, a transformação da pirâmide
demográfica aponta uma queda no número de pessoas com idade Escolar —
cerca de 5 milhões de Alunos a menos no período
Nesse
cenário, segundo cálculo do economista Jorge Arbache, Professor da
Universidade de Brasília e assessor especial da presidência do BNDES, se
nos próximos dez anos a economia brasileira crescer apenas 2% ao ano,
como tem acontecido no governo Dilma, o investimento por Aluno aumentará
42%. Se a média de expansão do PIB for de 4% ao ano, o incremento por
Aluno será de 67%. Como aproveitar o dinheiro extra? "O Brasil tem de
estabelecer os padrões de qualidade da Educação que quer alcançar e
ajustar o gasto conforme a demanda", diz Arbache. Na última década, os
gastos com Educação no Brasil saíram de 4,5% do PIB para 6%.
O país
praticamente universalizou o acesso ao Ensino fundamental. Agora é
preciso manter crianças e adolescentes na Escola e garantir que
aprendam. "O grande desafio do Brasil é elevar a qualidade da Educação",
diz Schleicher.
O que
poderá fazer diferença, sobretudo, é uma boa gestão dos recursos. Como
ilustra o exemplo do ganho de produtividade da Grendene, reformas
educacionais bem-feitas e com continuidade geram resultados expressivos
na economia em tempo mais curto do que se pensa. Na mesma década em que
Sobral deu um salto, uma reforma ainda mais impressionante estava
tomando forma a 8 500 quilômetros de distância: na Polônia. O país do
Leste Europeu foi o único a não sofrer recessão de 2009 para cá na União
Europeia. Isso tem a ver com as fábricas que se instalaram lá, vindas
de outros países, menos produtivos.
Só as
empresas lideradas por italianos na Polônia são quase 750 — a Itália
vive uma fuga de investimentos em decorrência da baixa produtividade e
do sistema educacional que não melhora. A Fiat tem uma linha de montagem
na cidade de Tychy, no sul da Polônia. Lá produz seu compacto Fiat 500.
"A qualidade da Educação se reflete na capacidade de um país de atrair
investimento", diz Cledorvino Belini, presidente da Fiat no Brasil. "Há
uma dificuldade maior para implementar medidas de aumento de eficiência
quando não se tem uma mão de obra qualificada." A Fiat está há 35 anos
em Betim, Minas Gerais, mas continua precisando treinar a mão de obra
para coisas básicas, como conceitos elementares de matemática e língua
portuguesa.
O sistema
público na Polônia começou a ser reformado no fim da década de 90. Os
Alunos do fundamental ganharam um ano a mais de aulas na preparação para
o Ensino médio. "Essa medida é citada frequentemente como fator
essencial para a melhoria do desempenho de nossos estudantes na década
seguinte", diz Maciej Jakubowski, secretário executivo do Ministério da
Educação da Polônia. O país também inovou ao criar quatro categorias de
Professor. Para pular de uma categoria para outra, o Professor precisa
incrementar a formação e se sair bem na sala de aula. Pura meritocracia.
O resultado é que 92% do corpo Docente em Educação básica tem mestrado,
e a carreira de Professor é uma das mais concorridas da Polônia. De
2000 a 2009, o país ultrapassou Estados Unidos, França e Alemanha no
ranking do Pisa, prova da OCDE que mede a qualidade do Ensino para
Alunos com 15 anos em 65 países. De acordo com as notas, é como se um
Aluno médio de 15 anos no Brasil tivesse o mesmo conhecimento que um de
12 na Polônia — e que um de apenas 10 anos em Xangai, na China, que
aparece no topo do ranking.
Na Polônia,
o governo trocou de mãos desde o início da reforma educacional, mas os
avanços foram mantidos. No Brasil, é comum as políticas públicas serem
abandonadas de um governo para outro. Uma rara exceção é a política de
expansão das Escolas de tempo integral no Ensino médio de Pernambuco.
Governador em segundo mandato consecutivo, Eduardo Campos manteve um
programa iniciado por seu antecessor e, na época, inimigo político,
Jarbas Vasconcelos, g Hoje, metade da rede pública já está em tempo
integral ou semi-integral.
O plano é chegar a 80% dos Alunos até o ano que vem, o que deixaria de fora só os estudantes do noturno.
O melhor é
que o modelo de Escolas integrais de Pernambuco está se espalhando pelo
Brasil. Quem leva o modelo pelo país afora é Marcos Magalhães, que foi
presidente da multinacional Philips no Brasil por 11 anos.
Em 1999, ao
descobrir que a Escola em que estudou em Recife havia sido fechada, o
executivo reuniu amigos, como o empreiteiro Norberto Odebrecht, e
recuperou o prédio histórico com investimento de 2,5 milhões de reais.
Mas Magalhães concluiu que não bastava entregar um prédio novo. Em 2002,
contratou dois pedagogos para criar um projeto de Ensino médio inovador
que fosse interessante para os Alunos, diminuísse a evasão e,
sobretudo, fosse replicável. "O Ensino médio é um problema no mundo
inteiro, e esse parecia um segmento esquecido", diz Magalhães. "A nossa
ideia foi fazer um curso que prepara o Aluno para o mundo do trabalho."
Em 2006, quando acabou o governo de Jarbas Vasconcelos, já havia outras
12 Escolas seguindo o modelo de Ensino integral.
Hoje, são
260 com Professores acompanhando Alunos o dia inteiro na Escola,
disciplinas eletivas e aulas práticas de ciências em laboratórios bem
equipados. A nota média dessas Escolas é de 4,5 pontos na prova anual
mais recente de Pernambuco, feita nos moldes do Ideb. Ainda é muito
pouco. Mas essa média é mais alta do que a de Santa Catarina, estado com
a melhor rede pública de Ensino médio do Brasil.
O modelo
está sendo exportado para Ceará, Goiás e São Paulo. A proposta tem outro
aspecto que começa a ganhar corpo no Brasil: incluir de forma
transversal na grade curricular conceitos que serão úteis aos Alunos
pelo resto da vida, como foco em objetivos, otimização do uso do tempo e
empreendedorismo. Recentemente, a Abril Educação, empresa do mesmo
grupo que publica EXAME, trouxe dos Estados Unidos o programa O Líder em
Mim, que procura incutir esse tipo de questionamento nos Alunos desde a
infância. O programa está sendo testado em Escolas públicas cariocas e
particulares em São Paulo.
O resultado
da política educacional de Pernambuco é uma oferta de jovens mais
preparados. "A qualidade do capital humano é um dos maiores entraves à
competitividade das empresas brasileiras. E aqui falo de Educação básica
mesmo", diz a consultora de gestão Betania Tanure.
A Contax,
empresa de centrais de atendimento, estava de olho na melhora da
competitividade quando instalou em Recife sua maior unidade da América
Latina. "Levamos em conta a melhora do nível educacional dos jovens da
região para investir", diz Otávio Azevedo, presidente do grupo Andrade
Gutierrez, dono de 35% da Contax. A central recifense, com 14 000
empregados, foi inaugurada em 2011.
O potencial
de ganho com a Educação para a economia é enorme num país que mal
começou a melhorar o nível de suas Escolas. "Duas coisas basicamente
explicam o crescimento sustentado no longo prazo na maioria dos países: o
nível de renda e o desempenho em matemática e ciências", diz Erik
Hanushek, economista da Universidade Stanford. "Nesse segundo aspecto, o
Brasil tem ficado muito atrás de países como México e Polônia."
Historicamente,
o Brasil não priorizou a Educação. Até o fim dos anos 70, investia
menos de 2% do PIB no Ensino. "A crença entre nós era que a Educação era
consequência do desenvolvimento econômico, e não a mola propulsora",
diz Samuel Pessoa. Há sinais de que a visão mudou, como a promessa que a
presidente Dilma fez, em agosto, quando a lei que destina 75% dos
royalties do pré-sal para a Educação foi aprovada no Congresso:
"Queremos dar Educação de Primeiro Mundo para os jovens". As propostas
apresentadas na reportagem a seguir são atalhos para alcançar esse
objetivo. E nos livrar da vergonhosa colocação entre os piores países no
ranking do Pisa.
A velha e boa competição
Um programa do governo Obama levou estados americanos a fazer reformas educacionais que já estão dando resultado o ano que
vem. O programa é uma espécie de competição — os melhores projetos são
financiados pelo governo federal. "O objetivo é espalhar pelo país as
melhores práticas e incentivar os estados a renovar o Ensino", diz
Joanne Weiss, Educadora que tocou o programa no Departamento de Educação
desde seu início até setembro de 2013.
O
federalismo americano é famoso pela autonomia que dá aos estados. Mas
isso torna mais desafiadora a tarefa de desenvolver políticas públicas
nacionais. Na área de Educação, o presidente Barack Obama conseguiu
superar essa barreira. Em 2009, lançou o Race to the Top (Corrida para o
topo), programa que incentiva reformas educacionais nos estados em
troca de repasses que totalizarão 4,5 bilhões de dólares até
Todos os
projetos tiveram de cumprir exigências como adotar padrões curriculares e
um conjunto de avaliações para medir o progresso dos estudantes,
elaborar um plano de atração de bons Professores — incluindo formação
continuada e recompensas por resultados — e resgatar as piores Escolas.
São pontos que estão em linha com os desafios do sistema educacional
brasileiro apresentados na segunda parte desta reportagem.
Dos 12
estados vencedores, os que mais avançaram até agora foram Kentucky,
Delaware e Tennessee. Este último elevou de 35% para 47% a parcela de
Alunos com proficiência em matemática, em apenas dois anos.
Uma
estratégia do Tennessee foi criar um grupo que visita as Escolas e
assiste às aulas para sugerir planos de desenvolvimento profissional
específicos para cada Professor — há algo semelhante em Minas Gerais,
estado com o melhor desempenho no primeiro ciclo do fundamental. "Um
programa desse tipo seria uma aplicação bem adequada dos royalties do
petróleo", diz Naercio Menezes Aquino, coordenador do Centro de
Políticas Públicas da Escola de negócios Insper.
Fonte: Revista Exame, 28 de outubro de 2013
Blog rafaelrag com o professor Damásio de Alagoinha, leciona em Guarabira
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