Adendo do blgo rafaelrag. Trabalhei muito tempo no campus Cajazeiras da UFCG com a amiga Mariana Moreira. Saudades de Cajazeiras e muitas saudades de meus avós paternos do sítio Paturi de Alagoa Grande, obviamente depois dessa bela recordação do homem do campo pela professora Mariana.
Apenas um simples homem
Por Mariana Moreira
Hoje, dia 18 de maio, meu pai Raimundo Moreira de Moura completa cem anos de nascimento. Mesmo não mais estando entre nós desde o dia 16 de maio de 2005, sua lembrança sempre será uma forte e sólida presença entre todos que gozaram de sua amizade e de sua convivência.
De papai trago férteis recordações. A imagem sempre me retorna a
memória todas as vezes que assisto missas na Capela de Fátima: ele
displicentemente escorado na balaustrada que circundava o altar da
capela enquanto, na função improvisada de sacristão, auxiliava o padre na celebração das missas dominicais mensais. No seu semblante a calma de um homem que sempre teve na fé um dos seus maiores pilares de sustentação da vida e da esperança.
Uma fé que o fez assumir a tarefa de ministro da eucaristia e, numa rotina inalterada, percorrer, todos os domingos, por mais de vinte anos, as tortuosas ladeiras entre Impueiras e Fátima, para anunciar a palavra de Deus a uma reduzida, mas cativa assistência de fiéis, que incluía mamãe,
tia Ritinha e tio Possidônio Moura, Teté de Alvinho, Sianinha e Deuza,
Tia Tete, Cotinha e Raimundo Costa, Bernadina de Neto. Antes da celebração eucarística, tinha as aulas de catecismo ministradas a um também pequeno grupo de crianças da ruinha de Fátima e cercanias.
Também com freqüência vem à memória o som de sua botina rangedeira
que, em minha infância, anunciava a sua chegada da roça, exalando o
odor característico do suor ainda impregnado pelo cheiro do estrume do
gado que entranhava a calça e camisa de mesquita azul pontilhada por
alguns remendos que mamãe, de maneira desalinhada, aplicava para
consertar os estragos causados por arame farpado, galhos e espinhos que
atravessavam a lida diária de agricultor. O som desta botina me
trouxe uma profunda alegria quando, em 1965, com apenas cinco anos de
idade, passei uma temporada em casa de meu avô, Papai Manoel, com minha irmã Bernadete, que ainda não andava, dando mais tranqüilidade a mamãe no resguardo de minha irmã caçula.
Certo dia, experimentando uma enorme saudade de casa, me surpreendo com
o barulho das botinas que antecipavam sua agradável e desejada
presença, numa visita que me trouxe alento para suportar a distância da
casa materna.
São vivas as lembranças de tantas vezes que o acompanhava no plantio
dos roçados, no conserto de cercas, na limpa das baixas de arroz, no
singelo, mas inenarrável prazer de sentar em um banco de madeira e
descascar cana de açúcar que era avidamente degustada entre histórias e
causos narrados com alegria e leveza. Histórias de familiares, de trancoso, de aventuras, pedaços de versos de cordel, anedotas ingênuas lembradas do Mensageiro do Coração de Jesus e do Almanaque do Biotônico Fontoura.
Lembranças de seu cheiro de gado e fumaça de maravalha quando, nas
madrugadas de enxurradas, percorria nossas redes, nos cobrindo, zelando
pelo nosso sono e nos protegendo dos respingos da chuva que vazavam do
telhado de caibros e ripas roliços.
Lembranças de sua incrível resignação em aceitar os reveses que a
vida nos proporciona quando, na velhice, o glaucoma lhe rouba a visão e
um dos seus mais simples deleite: a leitura das sagradas escrituras e
das folhinhas diárias do calendário do Coração de Jesus, e o ato de
percorrer seus roçados e apreciar suas poucas reses, que batizava com
nomes sugestivos e que, por ele, nutriam uma inexplicável simpatia.
Um homem que, na singeleza da vida, tornou-se gigante por sua humildade.
Blog rafaelrag com sete candeeiros caja
Nenhum comentário:
Postar um comentário