
Gostaria de responder que tive mentores desde cedo, que um físico ou um
biólogo visitou minha escola quando eu estava na 3ª série e fiquei
encantado com o mundo da ciência. Mas não foi isso o que ocorreu comigo e
não é, ainda, o que ocorre com a maioria das crianças.
Cientistas e engenheiros raramente visitam escolas, públicas ou
privadas, para falar às crianças sobre o que fazem e por que o fazem.
Nem mesmo as escolas de seus próprios filhos. Isso não faz o menor
sentido.
A verdade é que meu interesse por ciência foi um acidente, algo que veio
de dentro, uma urgência para entender como o mundo funciona e como
podemos nos relacionar de forma profunda com a natureza.
Tive a sorte de passar meus verões na casa de meus avós em Teresópolis, na Serra dos Órgãos, a cerca de duas horas do Rio.
Lá, colecionei insetos e pedras, cacei morcegos, pesquei, subi e desci
morro, corri de cobras, aprendi quais aranhas eram as mais peçonhentas,
trepei em árvore e explorei matagais. Minha exposição à natureza foi
direta, parte da infância.
Apenas mais tarde, quando comecei a ter aulas de física, química e
biologia na escola, entendi que existia um método para estudar o mundo e
as suas criaturas, um método que poderia se tornar uma carreira, uma
escolha de vida.
Aos 13 anos, sabia que faria algo relacionado a ciências ou engenharia.
Isso sem nunca ter visto ou conversado com um só cientista! Minha fonte
de informação eram os livros, a TV e a minha família. (Que, aliás, até
hoje não tem outro cientista.)
Toda escola deveria ter um programa que traz cientistas, matemáticos e
engenheiros ao menos uma ou duas vezes ao ano para falar sobre suas
pesquisas e suas vidas.
Não precisam ser pesquisadores famosos; alunos de doutorado também
deveriam participar, da astronomia à zoologia. Pense na diferença enorme
que um contato desses pode fazer na vida de um jovem.
Imagine a classe de 30 alunos sentados em suas mesas assistindo a uma
apresentação cheia de imagens incríveis sobre o mundo das partículas,
sobre a importância da química em nossas vidas, sobre os avanços da
medicina, sobre como construir pontes e represas ou microchips e sondas
espaciais, sobre buracos negros e outros planetas, sobre a revolução
genética, sobre como a ciência define o mundo em que vivemos, mesmo que
poucos parem para pensar sobre isso. Se cinco se interessarem, está
ótimo.
Faço isso com frequência no Brasil e nos EUA. E vejo os olhos da
meninada brilhando --até os adolescentes param de mandar torpedos--, a
curiosidade aguçada, a possibilidade de um futuro que, antes, nem sabiam
ser viável.
Falamos muito em transformar o ensino em nosso país, em reformas
curriculares, formação de professores etc. Tudo muito importante.
Mas um primeiro passo simples e eficaz é que cientistas, engenheiros e
matemáticos tomem a iniciativa, contatem escolas em sua vizinhança,
começando com as de seus filhos, e façam uma ou duas apresentações por
ano. São duas horas de seu tempo que podem transformar o futuro de
milhares de jovens.
Marcelo Gleiser é professor de física e astronomia do
Dartmouth College, em Hanover (EUA). É vencedor de dois prêmios Jabuti e
autor, mais recentemente, de "Criação Imperfeita". Escreve aos domingos
na versão impressa de "Ciência".
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