De uma geografia
a outra do Brasil, ouviu-se o mesmo bordão: se vivo estivesse, Luiz
Gonzaga estaria completando cem anos de existência; o Velho Lua,
referência insubstituível e inafastável da cultura musical brasileira,
da qual foi e é ícone superlativo. Se “esquecer é uma necessidade”, como
afirma o filosófico e sentencioso narrador machadiano, lembrar é
compromisso intransferível do afeto e imperativo categórico de justiça e
de reconhecimento público. Um antídoto seguro contra o que não pode
jazer nas frias lajes da deslembrança injusta e radical. E o continental
país chamado Brasil não tem cessado de recordar da gigantesca obra
construída pelo ilustre filho da cidade pernambucana de Exu, Luiz
Gonzaga.
A despeito de
ter sido alvo de inúmeras apreciações críticas, mais de quarenta livros
já foram publicados a seu respeito, inclusive abordagens acadêmicas em
nível de mestrado e doutorado, o espólio estético-sociológico-musical de
Luiz Gonzaga ainda pontifica como um desafiador convite para tantos
quantos intentarem se debruçar sobre a multiplicidade temática por ele
potencializada.
Poeta do sertão
em suas vertentes lírica, épica e dramática, Gonzagão foi o Fidelíssimo
intérprete da sofrida e esperançosa alma do homem nordestino,
notadamente o habitante da espacialidade campesina, frequentemente
confundido com uma espécie de ilha cercada de adversidades por todos os
lados, com destaque para as que têm nas intempéries climáticas,
acumpliciadas á falta de políticas estatais estruturantes para o
semiárido, o seu indesviável ponto de confluência. Que o diga a
inaceitável estagnação das obras de transposição do Rio São Francisco,
por um lado, e a orgia financeira na construção de colossos esportivos
para a realização da copa do mundo, por outro.
Contudo, a
poética de Luiz Gonzaga não se constitui apenas num baião de uma nota
só. Se foi testemunha solidária da Triste Partida dos seus patrícios em
busca de uma Pasárgada sempre distante e, invariavelmente, inalcançável,
foi também a cantora perfeita de uma natureza, ora exuberante, com suas
luzes, cores e trinados, ora áspera, com a sua paisagem crestada pelo
calcinante e esterilzador sol das impiedosas secas. Foi a tradutora
comovida de um telurismo acendrado e assumido. Foi a confissão de um
peregrino, cuja odisseia privilegiada era “andar por este país, pra ver
se um dia descanso feliz”.
Seu Lua foi, de
igual modo, o esteta do humor; o trovador das mulheres, do amor; o
contista da malandragem dos heróis e anti-heróis que povoam a cidade e o
campo da desbordante paisagem humana nacional. Foi o admirável contador
de estórias; o romancista, ingênuo e lúdico, da “vida como ela é”; e,
como somente ele soube transfigurar, na Asa Branca da sua terna e eterna
arte musical.
Fonte
JOSÉ MÁRIO DA SILVA (*)
Docente da UFCG / Ensaísta
Blog rafaelrag com Tiago do blog Alagoa Grande
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