Como se já não bastasse a confusão causada quando chamam o bóson de
Higgs de "partícula de Deus", eis que, recentemente, a mesmíssima
partícula voltou à berlinda, agora como profeta do fim.
Isso mesmo, leitores, o destino do Universo está nas mãos dessa partícula ou, mais precisamente, no valor de sua massa.
Tudo começa na cozinha, que é um excelente laboratório. Como sabemos, as
propriedades de uma substância, como a água, dependem de sua
temperatura: muito frio, a água congela; muito quente, evapora. Essas
mudanças são conhecidas como transições de fase.
Surpreendentemente, o próprio Universo --ou a matéria nele--passou por
ao menos uma ou duas transições de fase. E talvez possa passar por mais
uma.
A história cósmica começa no Big Bang, que marca o início do tempo. Logo
após o "bang", o espaço começou a crescer feito um balão, e a matéria
nele se resfriou.
Voltando à cozinha, vemos que a expansão do Universo funciona como uma
geladeira, fazendo a temperatura baixar. Será que a matéria cósmica
também pode passar por uma transição de fase?
Sabemos que sim. Logo no início, a temperatura era tal que as partículas
não tinham massa. A única que tinha era o Higgs, mas ele não interagia
com as outras partículas.
Quando a temperatura foi baixando, o Higgs passou a interagir com as
partículas com maior intensidade, dando-lhes massa. Esse processo é uma
transição de fase que ocorreu quando o Cosmo tinha um trilionésimo de
segundo.
Em julho do ano passado, cientistas do laboratório europeu de partículas
Cern (onde estarei durante toda a semana --podem esperar algo para
domingo que vem) descobriram uma partícula com toda a cara do Higgs.
Ainda não temos certeza se é o mesmo Higgs que dá massa para todo mundo,
mas tudo indica que sim. O problema é a massa dele, que é entre 124 e
126 vezes maior do que a do próton.
Dependendo da massa do Higgs, o Universo pode passar por outra transição
de fase, como a água, que pode ir do estado gasoso ao líquido e do
líquido ao sólido.
Se isso for verdade, estaríamos na fase líquida e poderíamos cair na
fase sólida. Quando muda a fase --por meio do surgimento de bolhas da
fase nova na fase antiga--, muda toda a física e não sobra ninguém para
contar essa história. Seria o fim do Universo, ao menos como o
conhecemos hoje.
Antes de causar pânico total, algumas boas novas. Os cálculos indicando
que a massa do Higgs é próxima da que causa a instabilidade baseiam-se
na suposição de que nenhuma nova física (outras partículas ou forças)
aparece até as energias vigentes perto do Big Bang. Possível, mas pouco
provável. Também dependem de valores muito precisos das massas de certas
partículas, que ainda contêm erros. Os mesmos cálculos indicam que o
tempo para que o Universo mude para a nova fase é de bilhões de anos.
Resumindo, a possibilidade de transição existe, mas nada é conclusivo e, se ocorrer, deve demorar.
Na semana que vem, falarei com os físicos responsáveis pelo cálculo para
ver se têm algo novo. Talvez eu mesmo adicione algo à conta, quem sabe
ajudando a salvar o Universo.
Texto Escrito por Marcelo Gleiser. Ele é professor de física e astronomia do
Dartmouth College, em Hanover (EUA). É vencedor de dois prêmios Jabuti e
autor, mais recentemente, de "Criação Imperfeita". Escreve aos domingos
na versão impressa de "Ciência".
- Blog rafaelrag
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