Josias de Souza
Num instante em que as manchetes já mudaram de assunto, dedicando-se agora ao petrolão, Lula teve de tratar na semana passada do escândalo anterior, o mensalão. Chamado pela Polícia Federal para depor como testemunha, o ex-presidente petista foi interrogado por cerca de uma hora e meia sobre denúncias feitas por Marcos Valério há dois anos. Denúncias que, se confirmadas, transformariam em pó o lema do “eu não sabia”. Lula, naturalmente, desdisse Valério.
Deve-se ao repórter Jailton Carvalho a apuração de parte do teor do depoimento de Lula. A existência do interrogatório havia sido noticiada na véspera pela repórter Natuza Nery.A encrenca teve origem em depoimentos prestados por Valério à PF e à Procuradoria entre o final de 2012 e o início de 2013. Nessa época, o operador do mensalão ainda sonhava em se tornar um delator para ser premiado com penas menores.
Numa das acusações, Valério dissera ter participado, no início de 2003, no Planalto, de reunião com José Dirceu, então chefe da Casa Civil. Tratou-se no encontro, segundo Valério, de um repasse de R$ 7 milhões da Portugal Telecom para o PT. Coisa feita por baixo da mesa. O ex-operador do mensalão informara que, depois da conversa com Dirceu, fora levado à presença de Lula. Que teria ajudado nas negociações com a Portugal Telecom.
Inquirido a respeito, Lula declarou que, de fato, reuniu-se duas vezes, em 2003, com executivos da Portugal Telecom e do Banco Espírito Santo, no Palácio do Planalto. Negou, porém, que tivesse tratado de repasses monetários para o PT. Nessa versão, teriam partido da empresa e do banco os pedidos de audiência. Haviam participado, sob Fernando Henrique Cardoso, dos leilões de privatização das telefônicas. E queriam saber se Lula modificaria as regras do setor.
Lula disse ter tranquilizado os empresários. Assegurou-lhes, segundo disse, que respeitaria os contratos celebrados na Era tucana. Não ficou claro por que foram necessárias duas reuniões para que Lula se fizesse entender pelos interlocutores.
Para dar consistência às suas declarações, Lula disse que as conversas com dirigentes da empresa de telefonia e do banco foram testemunhadas pelos seus ministros das Comunicações da época. No primeiro encontro, chefiava a pasta o deputado federal Miro Teixeira (Pros-RJ). Na segunda reunião, comandava o setor o senador Eunício Oliveira (PMDB-CE).
A tentativas de Marcos Valério de obter o status de delator premiado frustraram-se. Ele decidiu abrir o bico numa fase em que a Procuradoria e a PF já haviam passado a régua nas investigações. Pior: já corria no STF o próprio julgamento. Que rendeu a Valério a pena mais draconiana: 37 anos e cinco meses de prisão. Em regime fechado.
A bancada petista da Papuda já migrou do regime carcerário semiaberto para a prisão domiciliar. Valério não verá o meio-fio tão cedo. Seu martírio inspirou os delatores do petrolão, que acionaram o dedo num estágio da investigação em que suas revelações fizeram toda a diferença para mapear a corrupção na Petrobras.
Embora a tentativa de delação de Valério não tenha sido homologada, seus depoimentos resultaram na abertura de oito inquéritos pela Polícia Federal. A suposta mordida na Portugal Telecom não foi a única acusação dirigida a Lula.
Valério chegou a dizer que verbas do mensalão pagaram despesas pessoais de Lula. Verificou-se à época que havia matéria-prima para uma boa investigação. É preciso conhecer a íntegra do interrogatório de Lula para saber se a PF puxou todos os fios da meada.
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