Adolescentes abrem mão do voto um ano depois dos protestos de rua
RIO - Um ano após as manifestações de rua que sacudiram o país, apenas
25% dos brasileiros com 16 e 17 anos exerceram seu direito e tiraram o
título de eleitor para votar em outubro. Desde 2006, esse índice
registra quedas sucessivas. Naquele ano, o grupo de eleitores
facultativos (com menos de 18 anos) representava 39% da população nessa
faixa etária. Nas eleições de 2010, ele encolheu para 32%. Agora,
segundo cruzamento de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com
informações do IBGE, o total de jovens adolescentes com título
representa apenas um quarto da população nessa faixa etária.
Para
demógrafos e cientistas políticos, a queda na quantidade desses
registros facultativos indica a indiferença da juventude brasileira em
relação às urnas. Ao que parece, aqueles que agora teriam o direito de
eleger seus representantes demonstram não acreditar no sufrágio como
meio de transformação de seu país.
Além disso, acompanhando o
envelhecimento da população brasileira, nas eleições de outubro, o
Brasil viverá um cenário totalmente novo. Pela primeira vez em sua
História, o país terá mais eleitores idosos, com mais de 60 anos, do que
com idades entre 16 e 24 anos. E isso pode influenciar os rumos das
políticas públicas.
— Se houver uma disputa de recursos entre a
Previdência Social e a Educação infantil, por exemplo, o peso dos idosos
pode acabar conduzindo os recursos para a Previdência. E isso pode
gerar um conflito entre as gerações — alerta o demógrafo José Eustáquio
Diniz, autor do artigo “O envelhecimento do eleitorado brasileiro”.
Ao
analisar a queda no número de títulos eleitorais tirados pelos
adolescentes de 16 e 17 anos, ele aponta ainda o que acredita ser a
principal causa disso:
— Essa queda reflete um certo desinteresse
deles pela política. A política nacional não está conseguindo atingir os
jovens adolescentes.
A juventude confirma essa teoria. Diz que
não quer ir às urnas em outubro por conta da descrença nos candidatos,
que se soma à desilusão com os partidos.
— Não vejo nenhum nome ou
legenda que me represente na política. Não tenho em quem confiar meu
voto — argumenta a estudante Victoria Soares Carneiro Silva, de 16 anos.
— Por isso, optei por não tirar meu título agora. Resolvi ganhar tempo
para estudar cada um dos que se apresentam como a solução.
‘PROTESTO É A FORMA DE SERMOS OUVIDOS’
A
adolescente que mora com os pais em Vila Isabel, na Zona Norte do Rio,
foi às ruas nas manifestações de junho do ano passado e, agora, acredita
mais na ocupação do espaço público do que no voto como forma de mudar o
cenário político.
— O protesto é a forma que temos de sermos
ouvidos. Além disso, tenho a esperança de que essas pessoas que pediram
por mais Saúde e Educação ingressem na política para que comece a haver
renovação — acrescenta a menina que pretende cursar Direito.
Victor
Antônio Pena tem 17 anos mora no Humaitá, na Zona Sul do Rio, e
pretende ser militar. Em junho de 2013, optou por protestar nas redes.
Foi um ciberativista. Ele também não tirou título de eleitor.
— No
ano passado, discuti com amigos, espalhei ideias e as reivindicações
pela internet. Fui atuante. Ainda assim, não quis votar agora porque não
acredito em candidatos que não venham do povo, que não passem pelo
suplício de depender do sistema de saúde e do transporte públicos.
Seu
colega Gabriel Felix, que também protestou nas redes em 2013, tem
posição contrária. Aos 17 anos se orgulha de ter tirado o título e diz
estar pronto para votar.
— Não há outra forma de mudar o país sem
ser através do voto. Qual seria a outra alternativa? A anarquia não é a
resposta — dispara ele.
Outros especialistas enxergam outras
motivações para a retração. Segundo o professor de Ética e Política da
Unicamp Roberto Romano, “nada mais próximo dos partidos brasileiros do
que a cartolagem no futebol”.
— Os cartolas têm o dinheiro. Eles
decidem. O torcedor não tem espaço nenhum. É conduzido a uma posição
passiva. Os partidos fazem o mesmo. Acabaram com a prática da
militância, assim como o fizeram as organizações estudantis. Desde que a
UNE se transformou em um organismo semioficial, os jovens sumiram dela.
Romano
argumenta também que a despolitização vem passando de geração em
geração e chega agora aos jovens com voto facultativo. Ele lembra que um
dos métodos de aprendizado do ser humano é a imitação e que, se não há
inserção na política tradicional a ser imitada, ela não se perpetua.
—
Se seu pai é desiludido e fala ‘eu tentei participar, não consegui’, se
seu irmão mais velho ou seu primo não participou dos movimentos
estudantis, é claro que você não vai ter um modelo. Assim, não terá
nenhum desejo de participar da vida política.
DESCRENÇA NA POLÍTICA TRADICIONAL
Marcus
Figueiredo, doutor em Ciência Política pela USP, aponta mais uma causa
para o afastamento dos jovens das urnas. Para ele, a descrença na
política tradicional é fruto da “campanha de oposição” feita pelos
movimentos sociais aos partidos nos últimos meses.
— Todas as
lideranças sociais passaram o ano inteiro dizendo que a política não
vale nada. Houve um ano de campanha contra os partidos e contra as
instituições representativas. O que se pode esperar? Só podemos lamentar
que (esses movimentos) passem esse tipo de mensagem aos jovens.
Num
cenário oposto ao dos jovens, estão os idosos, com mais de 60 anos.
Pela primeira vez na História, a fatia desses eleitores ultrapassou a
dos que têm entre 16 a 24 anos. Em 2006, os idosos detinham 14% dos
títulos e somavam 17 milhões de eleitores. Agora, representam 17%, com
um grupo de 24 milhões de pessoas.
Rozália Neves Barboza é um
desses eleitores de cabelos brancos que não se abstêm do direito de
votar. Com 72 anos, moradora de Campo Grande, na Zona Oeste do Rio, ela
não é obrigada a ir às urnas, mas o fará em outubro.
— Nunca
deixei de votar. Não vejo porquê deixar de fazê-lo. E, mesmo que não
concorde com nenhum candidato, votar nulo ou em branco está fora de
cogitação.
A expectativa é de que o grupo de Rozália cresça mais.
Estudos demográficos e eleitorais indicam que, até 2030, os eleitores
com mais de 60 anos representarão o dobro do total de jovens com título.
Se a tendência se confirmar, o Brasil poderá vir a ser um país de
jovens nas ruas e de idosos nas urnas.
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