Especialistas comentam os resultados da ANA e apontam os obstáculos que impedem que os alunos da rede pública dominem a leitura e a escrita
Alfabetizar as crianças na idade adequada, meta 5 do Plano Nacional de Educação, tem sido um desafio histórico para a Educação Básica. Os resultados – mais uma vez insatisfatórios – da Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), divulgados na semana passada pelo Ministério da Educação (MEC), reforçam o quadro de estagnação. De acordo com um levantamento do Todos Pela Educação, se o Brasil não romper a trajetória atual, serão necessários 76 anos para equiparar o nível de leitura de todos os alunos.
O desafio é especialmente grande quando se olha para as crianças (12,5 milhões) que frequentam os Anos Iniciais em escolas públicas, cerca de 80% do total dos estudantes que frequentam a etapa. O blog conversou com alguns especialistas em alfabetização para entender o que se esconde por trás dos resultados preocupantes e da persistente dificuldade de alfabetizar as crianças da rede pública.
Para Silvia Carvalho, coordenadora-executiva no Instituto Avisa Lá, os obstáculos se dão por uma combinação perversa de fatores:
– formação inicial de professores que não aborda a temática da alfabetização ou a abordam de maneira insuficiente;
– desconhecimento dos educadores sobre as etapas da aprendizagem da leitura e escrita; – adoção de propostas pedagógicas que dificultam a alfabetização de crianças advindas de um ambiente familiar não favorável à leitura e escrita;
– recursos subutilizados ou inacessíveis, como livros em quantidade e qualidade inadequados devido a questões de infraestrutura, burocracia e falta de formação dos agentes da Educação: não basta ter livros, é preciso saber como utilizá-los;
– ausência total e/ou trabalho equivocado em relação à leitura e à escrita na Educação Infantil.
Segundo a especialista, é preciso articular ações a fim de reparar o déficit no ensino das crianças, por exemplo tornar a alfabetização uma disciplina obrigatória em todos os anos da formação docente, estabelecendo estágios em escolas. Atividades de formação continuada desenvolvidas pelas próprias redes públicas, com apoio de centros formadores, também são fundamentais. Além disso, é essencial cristalizar o compromisso de secretários de Educação, técnicos, diretores, coordenadores pedagógicos e professores com a aprendizagem de todas as crianças.
Isabel Frade, pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale) da Universidade Federal de Minas Gerais, afirma que as dificuldades em alfabetizar os alunos da rede pública até o 3º ano Ensino Fundamental estão associadas à desigualdade social, uma dívida histórica do País, e ao conceito de alfabetização trabalhado hoje nas escolas, que envolve não só decodificar, ler e escrever palavras, mas também a leitura e a escrita de textos de uso social. Para ela, houve uma ampliação da concepção da alfabetização. Além disso, aponta Isabel, é preciso observar que há muitas crianças fora da escola (430 mil entre 6 e 14 anos de idade) e muita dificuldade no acesso às práticas de escrita e leitura na sociedade, inclusive para jovens e adultos. “É preciso estimular o interesse pela leitura e escrita, uma questão cultural que vem das oportunidades oferecidas pela sociedade”, explica a especialista.
O programa Mais Alfabetização, iniciativa lançada no mês passado pelo MEC, visa aprimorar o processo de alfabetização nas escolas, colocando nas salas de aula assistentes para ajudar os professores regentes. Na análise de Isabel, a proposta do MEC é interessante, mas é preciso saber, por exemplo, qual será a forma de escolha desse profissional e se a experiência que ele acumulará, auxiliando na alfabetização, poderá ser utilizada posteriormente.
Blog rafaelrag com o Estado de S. Paulo
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