sexta-feira, 8 de março de 2013

“A Lei do Piso está mostrando para o Brasil a realidade do financiamento da educação”


No dia 27 de fevereiro do corrente ano, o STF (Supremo Tribunal Federal) negou o pedido de governadores para postergar a aplicação da Lei do Piso dos professores. A lei determina um piso para a carreira, que não pode ser pago com gratificações, e sim na forma de salário para o professor que inicia a carreira na rede pública.
Um dos embargos negados pelo STF, impetrado pelo governo do Rio Grande do Sul, pedia prazo de mais um ano e meio para que o pagamento do piso salarial pudesse ser feito a partir de gratificações. Os ministros do STF entenderam que a Lei do Piso vale desde 2008, e que o prazo definido pela própria lei, para o uso de gratificações no pagamento do piso, expirou em 2011. Portanto, desde esta data, estados e municípios são obrigados a cumprir integralmente a Lei do Piso, sem recorrer a gratificações para tal fim.
Entretanto, atualmente apenas cinco Estados da federação cumprem integralmente a lei: Acre, Amazonas, Distrito Federal, Mato Grosso e Rondônia.
A reportagem de Fórum entrevistou Roberto Franklin de Leão, presidente da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação), para conhecer a luta da categoria para a aplicação integral da Lei do Piso em todo o país. Leão falou também sobre a greve nacional dos professores, marcada para os dias 23, 24 e 25 de abril, e sobre os desafios do financiamento da educação pública no Brasil.
Roberto Franklin de Leão, presidente da CNTE (Foto: www.cut.org.br)
Fórum – Qual a posição da CNTE sobre o julgamento dos embargos impetrados contra a Lei do Piso dos professores?
Roberto Franklin de Leão – É engraçado pelo seguinte: na verdade, o que o STF fez ontem, e na votação da semana passada, foi julgar alguns embargos que os governadores tinha apresentado em relação à Lei, para a aplicação do piso salarial em forma de vencimento inicial. E um outro embargo, do governo do Rio Grande do Sul, que queria um ano e meio a mais para a aplicação da Lei do Piso.
O que fez o STF? Ele pacificou o entendimento, vamos dizer assim. E determinou que, do período de 2008 até 27 de abril de 2011, quando eles fizeram o julgamento de mérito da primeira Ação Direta de Inconstitucionalidade, interposta pelos governos, os municípios e estados não tinham a obrigação de pagarem o piso sem gratificação. Ou seja, dava o direito, neste período, dos estados e municípios comporem o piso com gratificações.
A lei que criou o piso estabelecia que o piso não é para ser composto por gratificações, porém, ela dá um prazo, na própria lei, 11.738, que ia até o dia 31 de dezembro de 2010, para que os municípios e estados pudessem ainda compor o salário com gratificações, para adequarem suas finanças à nova realidade.

O que aconteceu é isso, entre 2008 e 2011, puderam compor o piso com gratificações. Como o STF confirmou a Lei do Piso, dizendo que ele não pode ser composto por gratificações, alguns tinham dúvidas se esse período, entre 2008 e 2011, criaria algum tipo de passivo para os estados e municípios. Como, por exemplo, se os professores resolvessem entrar com ação na Justiça cobrando os efeitos retroativos nesse período.
Não há passivo, é preciso esclarecer.
Qual a vantagem para os governos, e desvantagem para os trabalhadores, de compor o piso com gratificações? É que, sobre as gratificações, não incidem as vantagens pessoais do trabalhador. Por exemplo, se o professor for promovido, o percentual de aumento desta promoção só incide sobre a parte fixa, e não sobre as gratificações. Além disso, se o funcionário se aposentar neste período, a parte dos seus rendimentos derivada de gratificações não é incorporada aos vencimentos da aposentadoria. Por isso que para o estados e municípios é bom fazer folha de pagamento cheia de penduricalhos, porque sobre o penduricalho não tem nada incidindo além do próprio penduricalho.
A Lei do Piso proíbe isso, mas, ao mesmo tempo, deu um prazo para que municípios e estados se adequassem, até 31 de dezembro de 2010, e os estados questionaram a lei no STF, querendo que sempre pudessem compor o piso com gratificações.  Como isso foi negado, eles ficaram achando que daria passivo trabalhista. Não dá, a própria lei estabeleceu o prazo. Se algum município ou estado não pagou o piso nem mesmo com gratificações neste período de 2008 a 2011, os professores já tinham e continuam tem direito a exigir seus direitos na justiça.
De 2011 para frente, passa a vigorar plenamente a Lei do Piso. A partir de 2011 não se aceita que o pagamento seja feito por gratificação.
Fórum – O senhor acredita que após terem sido elucidados os prazos para a validade da Lei do Piso, e para o uso de gratificações no intuito de compor o mesmo, os estados e municípios vão cumprir integralmente a Lei do Piso?
Leão – No embargo que eles pediram, o questionamento do Rio Grande do Sul, por exemplo, na verdade não foi um embargo, o embargo é um pedido de esclarecimento. O governo do Rio Grande do Sul propôs que o STF legislasse. Ou seja, ele pedia um prazo de um ano e meio para postergar a aplicação do piso na forma de vencimento inicial das carreiras. E foi negado. Tenho para mim que os governos se valem deste artifícios jurídicos para postergarem a efetivação dos direitos dos trabalhadores.
No caso do Rio Grande do Sul, é claríssimo. É um estado que descumpre a lei. Eles pagam o piso lá com um negócio chamado “complementariedade”, que nada mais é que uma gratificação, e eles sabem que não pode. No Rio Grande do Sul cabem ações para exigir o cumprimento correto da Lei do Piso.
Espero que os governadores definitivamente encerrem as demandas na justiça com respeito a Lei do Piso. É vergonhoso para eles. Um deles, que não vou dizer o nome porque fizemos um bom acordo com o sindicato local, disse que estava disposto a negociar, porque se não estivesse disposto a negociar colocaria o assunto na Justiça, demoraria três ou quatro anos para julgar, e ele não seria mais governador. Ou seja, esse abdicou deste tipo de lógica para negociar. Mas, infelizmente, esse raciocínio pauta muitas das decisões das autoridades brasileiras. Joga-se para a Justiça, cria lá uma situação, depois o que é devido ao trabalhador entra em precatório, e esse precatório só vai ser recebido de fato pelo neto ou bisneto do trabalhador. Espero que os governadores encerrem as demandas no judiciário sobre a Lei do Piso.
Fórum – E quanto à aplicação da jornada de trabalho, estabelecida também pela Lei do Piso?
Leão – Outra norma da Lei do Piso que os governadores insistem em não cumprir é a que trata da jornada de trabalho. É bom esclarecer que a Lei do Piso não trata somente sobre a maneira de se fazer o pagamento do vencimento.
A jornada de trabalho do piso estabelece que um terço da jornada deve ser destinada para o trabalho extraclasse. E isso está sendo uma demanda que governadores e prefeitos não cumprem e não se sentam para negociar. Os sindicatos possuem a disposição de negociar a aplicação disto dentro de um prazo, claro que não é um prazo de dez anos, mas um prazo acordado entre as partes, os sindicatos não são radicais ou intransigentes.
Boa parte dos gestores dizem que não são contra, mas acham que têm dificuldades e não tem como implementar. Oras, sentem-se à mesa, vamos negociar, e façam a implementação. Não dá pra simplesmente dizer que não podem. Por que não podem? Muitos não gastam o mínimo estabelecido para a educação. Isso todas as auditorias mostram.
Fórum – Quais Estados cumprem a Lei do Piso integralmente?
Leão – Espero que esta lista mude, mas hoje são: Acre, Amazonas, Distrito Federal, Mato Grosso e Rondônia. Nós temos um grupo de estados que não cumprem na íntegra, mas estão em processo de negociação para cumprir.
Fórum – Estes estados não são os mais ricos do país. Para o senhor, qual o motivo deles conseguirem cumprir a Lei do Piso, enquanto outros, com arrecadação muito superior, não cumprem?  
Leão – É a vontade de enfrentar o problema, de não questionar a lei, e considerar que ela é importante para a educação. Os sindicatos têm tido um comportamento de negociar. Agora, os governos precisam ter a disposição de negociar de verdade, e não ficar chamando os sindicatos à mesa para ficar criando um fato político e empurrar com a barriga.
Vou te dar um exemplo. No estado de Alagoas, um dos mais pobres do país, maioria das redes municipais cumpriu a Lei do Piso integralmente no ano passado. Pagou, fez plano de carreira, construiu o processo de implementação da jornada de trabalho. Nos locais onde existe a disposição de negociar, os sindicatos estão dispostos. Não pode simplesmente dizer que não vai implementar porque não tem condições. Isto não aceitamos.
Tem muita coisa a ser resolvida quanto ao financiamento da educação, inclusive o fato de muitos órgãos municipais, estaduais, e mesmo da Justiça, funcionarem com mão de obra do professor. Ou seja, é desvio do dinheiro da educação. Se andarmos pelo Brasil, vamos ver secretarias de Cultura, Esportes, Turismo, delegacias de trânsito, Justiça Eleitoral, tudo com professor trabalhando. É um desvio, você tira o professor da sala de aula.
A Lei do Piso, mesmo que não seja pelas linhas mais convencionais, está mostrando para o Brasil a realidade do financiamento da educação. Nós não podemos conviver com locais onde quase toda a assessoria legislativa, de deputados e vereadores, seja formada por professores que recebem da secretaria da Educação, e não do Poder Legislativo.
Fórum – Para a CNTE, qual o valor do piso salarial dos professores em 2013? Existe uma diferença de valores entre a entidade e o Ministério da Educação?
Leão – Para nós, o valor do piso seria de R$ 2.391,74. Para o MEC é R$ 1.566,64. Essa diferença se dá porque nós temos uma avaliação diferente de como a lei deve ser aplicada no processo de reajuste do piso.
Nós entendemos que a lei é clara ao determinar que você deve aplicar imediatamente o percentual de reajuste do custo aluno do Fundeb no futuro. O MEC possui o entendimento que isso é para trás, para o passado, ai dá uma diferença muito grande.
Além do que, nós temos o entendimento que de 2008 para 2009 coube reajuste. Uma leitura que o governo faz do acordão que o Judiciário publicou quando do julgamento da primeira Ação Direta da Inconstitucionalidade, em 2008, é que o piso não vigorou de 2008 para 2009, e que portanto não teria reajuste. Estas divergências é que levam a esta diferença de valor.
Fórum – Como você avalia a cobertura da imprensa sobre as últimas decisões do STF relacionadas a aplicação da Lei do Piso?
Leão – Na nossa opinião foi uma desinformação geral. Inclusive, fui questionado sobre o que eu acho sobre a decisão do STF “de que o piso vale a partir de 2011”. Não é essa a decisão. Não buscaram conhecer o que estava sendo julgado. O piso vale desde 2008. De 2011 para frente ele não pode ser composto com gratificação, que foi o resultado do julgamento. Isso fica claro.
Nesse julgamento dos embargos houve uma questão importante. Negou-se ao Rio Grande do Sul o pedido que tivesse um ano e meio a mais para poder trabalhar com gratificação. Isto está negado, é proibido. Esclarece a todos os estados sobre esta matéria julgada.
Fórum – Qual o próximo passo da categoria em busca da aplicação integral da Lei do Piso?
Leão – Nós vamos para as ruas cobrar, de 23 a 25 de abril, a exata aplicação desta lei. Temos uma greve nacional marcada.
Queremos que a jornada de trabalho seja implementada. O foco termina ficando muito em cima do vencimento, e a jornada fica em segundo plano. Para nós, a jornada é tão importante quanto os vencimentos. Cobramos também os planos de carreira, que estados e municípios tem de fazer, evidentemente onde houver necessidade. Onde as carreiras estão resolvidas tudo bem. Mas não é a realidade da maioria.
Além disso, reivindicamos a profissionalização dos funcionários de escola. Estes trabalhadores têm de ser reconhecidos profissionalmente, que não mais sejam conhecidos como aqueles que fazem tudo. Nós queremos que eles tenham acesso à profissionalização, oferecida pelos estados, para assim termos profissionais trabalhando melhor e  mais satisfeitos. São companheiros trabalhadores da educação, assim como nós, professores.
Outra questão importante é a regulamentação a Resolução 151 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que trata do direito de negociação do serviço público. Continuamos não tendo direito de negociação. As negociações que temos são fruto de muita luta, na maioria dos locais temos que ameaçar greve, fazer greve para conseguir ter um processo de negociação. Para nós, é muito importante que o Congresso Nacional regulamente esta questão do ponto de vista dos trabalhadores. O Congresso é louco para regulamentar direito de greve, mas o direito de negociação coletiva eles deixam meio de lado.
Fórum – Qual a expectativa, da CNTE, de adesão à greve nacional?
Leão – Nós temos uma realidade este ano que é fruto das greves do ano passado, que ocorreram pelos estados não negociarem. Temos algumas redes que estão encerrando o ano letivo passado somente agora. Apesar disso, estamos esperando uma boa participação, com muitas assembleias marcadas e com muitos indicativos de greve.
Para você ter uma ideia de como eles pensam, o governador de Pernambuco, por exemplo, disse que vai aplicar o percentual de reajuste do piso, mas que não sabe como. Esse “não sabe como” quer dizer que pode vir uma maneira muito diferente de aplicação para os professores de nível médio, das primeiras sérias, e para os professores de nível superior. É o que vem sendo feito, achatando as carreiras e diminuindo a distancia entre quem tem formação de nível médio e quem tem formação superior, desvalorizando o esforço do professor que busca aperfeiçoamento.
Na nossa lógica, o reajuste do piso tem de ser aplicado linearmente, na base da carreira, como diz a própria decisão do STF.  E para nós, a carreira começa nos professores de nível médio. Não existem duas ou mais carreiras. É uma carreira e, à medida que o professor se aperfeiçoa, ele ascende na carreira.
O que estão fazendo não é isso. Fazem uma carreira com o professor de nível médio, que começa de fato com o piso, e fazem outra para o professor de nível superior, que começa com um valor com uma diferença muito pequena em relação ao piso inicial, o que é muito ruim.
Revista Fórum
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