segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Prêmio Nobel de Física 2025

 Brasileiro colaborou com as pesquisa do  Prêmio Nobel de Física 2025.






Assim como na vida, na ciência nada se faz sozinho ou de forma isolada. Por isso, o anúncio do Prêmio do Nobel de Física é reflexo de um esforço imenso de pesquisa que envolve gerações de cientistas em todo o mundo. E no anúncio dos laureados de 2025 na terça-feira, dia 7 de outubro, o físico brasileiro Amir Caldeira, professor titular do Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), recebeu uma justa homenagem.

Em parceria com o físico britânico Anthony J. Leggett, Caldeira foi citado para contextualizar e fundamentar as descobertas dos laureados Michel H. Devoret (Yale University e UC Santa Barbara), John M. Martinis (UC Santa Barbara) e John Clarke (UC Berkeley), premiados por “descobrirem o tunelamento quântico macroscópico e a quantização de energia em um circuito elétrico”.

Veja o vídeo.


O reconhecimento de Caldeira, que foi vencedor em 2022 do Prêmio Joaquim da Costa Ribeiro, da Sociedade Brasileira de Física (SBF), é um grande incentivo à ciência brasileira: o trabalho desenvolvido por ele e o cientista britânico foi pioneiro ao prever teoricamente que efeitos quânticos podem se manifestar em sistemas de dimensões macroscópicas, como um circuito elétrico supercondutor. Essa constatação abriu caminho para o desenvolvimento dos qubits supercondutores, elementos essenciais para a construção de computadores quânticos.

“A nossa contribuição foi realmente fundamental para o trabalho que foi agraciado com o Nobel desse ano. Então, realmente, é um motivo de muito orgulho e muita alegria, claro”, explica o físico, em entrevista ao Boletim SBF. “Se eu disser que nós fizemos tudo isso com o intuito de desenvolver a computação quântica, eu vou estar mentindo. Não foi. Eu estava fazendo um doutorado e nós acabamos nos deparando com problema original e extremamente interessante”, explica o professor, que em entrevista, defendeu a ciência básica.

O Nobel e o destaque brasileiro repercutiram no meio científico. O físico João Paulo Sinnecker, vice-diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), também comemorou o resultado do Nobel de Física, explicando que o Laboratório de Tecnologias Quânticas, o QuantumTec, recém inaugurado no térreo da instituição e que fabrica os chips quânticos, existe por conta desses pesquisadores. “CBPF, MCTI e FINEP na fronteira do conhecimento!”, diz Sinnecker, em mensagem de whatsapp ao Boletim SBF.

O editor-chefe do Brazilian Journal of Physics (BJP), Alberto Saa, informou ainda que o periódico científico da SBF publicará uma edição especial “com contribuições sobre os profundos desdobramentos do trabalho de Amir Caldeira, inclusive o Prêmio Nobel”. A publicação deverá ser lançada no primeiro semestre do ano que vem.

Para comemorar os 45 anos do modelo Caldeira-Leggett e a longa carreira científica de Caldeira, será organizada uma conferência na Casa do Professor Visitante (CPV), um hotel localizado na Universidade de Campinas (Unicamp), e no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), ambos em Campinas, entre os dias 13 a 15 de outubro. Além de Leggett e Caldeira, estarão presentes mais 24 pesquisadores do Brasil e do exterior que atuam em diversas áreas fortemente influenciadas pelo modelo Caldeira-Leggett, como fundamentos da mecânica quântica, sistemas quânticos abertos, informação quântica, materiais quânticos, ótica quântica e biologia quântica. Mais informações, clique AQUI.

Reconhecimento Internacional

No relatório publicado pela Academia Sueca na terça-feira (07/10), intitulado “For the discovery of macroscopic quantum mechanical tunnelling and energy quantisation in an electric circuit”, no parágrafo “Towards MQT in superconducting circuits”, o nome de Amir Caldeira aparece diretamente associado às investigações teóricas conduzidas com Leggett no final da década de 1970, que ajudaram a explicar como sistemas macroscópicos podem manter propriedades quânticas mesmo quando interagem com o ambiente.

“Junto com seu aluno de doutorado Amir Caldeira, Leggett investigou como as taxas de tunelamento seriam afetadas por um acoplamento residual fraco a um ambiente dissipativo”, descreve o trecho do documento. Essa contribuição foi decisiva para compreender como a dissipação (o processo de perda de energia para o meio externo) interfere no comportamento quântico de sistemas reais, um desafio central para a engenharia de dispositivos quânticos estáveis.

No universo microscópico, energia e informação se comportam de formas que desafiam a lógica cotidiana. Um dos fenômenos mais intrigantes é a dissipação quântica, processo pelo qual a energia de um sistema quântico se espalha para o ambiente. Assim como o som de um sino se enfraquece ao vibrar no ar, elétrons, átomos e circuitos supercondutores perdem energia ao interagir com o que os cerca, como luz, calor ou vibrações. Essa perda altera o comportamento quântico, tornando o sistema mais próximo do mundo clássico.

Foi justamente essa transição que o físico brasileiro Amir Caldeira, ao lado do britânico Anthony Leggett, buscou compreender no início dos anos 1980. Juntos, criaram um modelo matemático pioneiro, hoje conhecido como modelo Caldeira–Leggett, que descreve a relação entre um sistema quântico e seu “banho” de osciladores, uma espécie de oceano de vibrações que representa o ambiente. Essa teoria revelou como a dissipação influencia o chamado tunelamento quântico, processo em que partículas atravessam barreiras aparentemente intransponíveis.

A partir dessa base teórica surge o conceito de decoerência quântica, fenômeno em que um sistema deixa de exibir as superposições típicas da mecânica quântica e passa a se comportar como algo clássico. Compreender e controlar a dissipação e a decoerência tornou-se um dos grandes desafios da computação quântica moderna. Cada qubit precisa manter sua coerência por tempo suficiente para realizar cálculos complexos, e qualquer ruído pode inviabilizar o processo. As ideias desenvolvidas por Caldeira e Leggett há mais de quarenta anos permitem prever e minimizar a perda de coerência em dispositivos quânticos, formando a base teórica sobre a qual se ergue a tecnologia que hoje redefine os limites da informação.

Amir Caldeira formou-se em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), onde também concluiu o mestrado, e obteve o doutorado na University of Sussex, no Reino Unido, sob orientação de Anthony Leggett, que receberia o Prêmio Nobel de Física em 2003. Atualmente, é professor titular da Unicamp, membro da Academia Brasileira de Ciências desde 2000 e Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico. Sua trajetória é marcada por pesquisas em física teórica da matéria condensada, com foco em dissipação quântica, efeitos quânticos macroscópicos e sistemas eletrônicos de baixa dimensionalidade. O físico é ainda autor do livro “An introduction to macroscopic quantum phenomena and quantum dissipation” (1. ed. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2014. v. 1. 283p).

Durante o doutorado, Caldeira e Leggett publicaram uma série de artigos que se tornaram referência mundial. Em 1981, apresentaram o artigo científico na Physical Review Letters Número 46 chamado “Influence of Dissipation on Quantum Tunneling in Macroscopic Systems, (Phys. Rev. Lett. 46, 211 – 1981) no qual apresentaram o modelo hoje conhecido como “Caldeira–Leggett Model”, um dos pilares teóricos da mecânica quântica aberta, ramo que estuda como sistemas quânticos interagem com o ambiente. O modelo descreve matematicamente a perda de coerência quântica e seus efeitos sobre o tunelamento macroscópico, estabelecendo uma base conceitual essencial para os experimentos que décadas depois levariam ao Nobel de 2025.

Mais de quarenta anos depois, Devoret, Martinis e Clarke transformaram o chip quântico em realidade experimental. Em seus laboratórios, criaram circuitos supercondutores compostos por junções Josephson (elementos capazes de conduzir corrente elétrica sem resistência) e demonstraram que essas estruturas exibem níveis de energia quantizados e tunelamento quântico em escala macroscópica. Esses experimentos provaram que o mundo quântico e o clássico podem coexistir no mesmo dispositivo, o que abriu caminho para a atual revolução da computação quântica. “Eu volto a dizer, olha, não se esqueçam de aprender as coisas conceitualmente, o que elas querem dizer de fato, porque em tudo isso que a gente está vendo tem muita ciência fundamental”, alertou Caldeira, ao fim da entrevista, explicando que o cientista nem sempre precisa atuar de forma a colocar um produto na prateleira, em defesa da ciência básica. “Os cientistas gostam muito de usar a curiosidade. Olha, sinto muito dizer que é chavão, mas é verdade. É curiosidade, é entender como a natureza funciona para você utilizá-la.”

Assista à entrevista com Amir Caldeira no Canal do YouTube da SBF

Colaborou Roger Marzochi






Blog rafaelrag 







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