Entre 2003 e 2014, número de estudantes de graduação negros nas instituições federais subiu 178%, mostra estudo divulgado nesta quinta pela Andifes
Marinlene Rodrigues da banda Forró Regaça é concluinte do curso de matemática do polo MRS-UFPB de Alagoa Grande.
Dados divulgados pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) mostram que, após a entrada em vigor da Lei de Cotas para os vestibulares das universidades e institutos federais, o perfil socioeconômico e cultural dos estudantes se diversificou. Entre as estatísticas do estudo estão números que mostram um aumento no número de estudantes negros (pretos e pardos), de famílias de baixa renda e um leve aumento na idade média dos graduandos.
Essa é a quarta edição da pesquisa “Perfil Socioeconômico e Cultural dos Estudantes de Graduação das Instituições Federais de Ensino Superior Brasileiras”, idealizada pelo Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (Fonaprace), da Andifes, e realizada desde 1996.
Entre as duas edições anteriores da pesquisa e a atual, alguns dados mostram indícios que, segundo Leonardo Barbosa, coordenador nacional do Fonaprace, indica que a universidade federal “caminha na direção de espelhar a composição social do país”.
Durante a apresentação dos dados, Ângela Maria Paiva Cruz, reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e presidente da Andifes, defendeu a manutenção da gratuidade no ensino público e a ampliação do orçamento. Segundo ela, os resultados positivos são frágeis e facilmente reversíveis. “A defesa é de uma universidade pública, gratuita e de qualidade. Acreditamos e trabalhamos para que isso não mude, tendo em vista que o Plano Nacional de Educação (PNE) é uma escolha da sociedade brasileira. Temos temores em relação às mudanças de governo, mas não ficamos resguardados nessa temeridade”, disse Ângela.
De acordo com o estudo, três fatores podem ter influenciado a “mudança significativa” do perfil dos estudantes: a mudança no perfil do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), em 2009, quando ganhou caráter de vestibular, a adesão de cada vez mais instituições ao Sistema de Seleção Unificado (Sisu), e a Lei de Cotas, que saiu do papel em 2013.
Diversidade racial
Um dos exemplos dessa mudança está na diversidade racial dos estudantes de graduação das federais, em comparação com a população brasileira. Em 2003, primeiro ano da pesquisa onde há dados suficientes para fazer a comparação, 51,96% da população do Brasil se autodeclarava branca. Mas, nas instituições, a porcentagem de estudantes autodeclarados brancos era de 59,4%.
Por outro lado, os brasileiros pardos representavam 41,47% da população do país, mas só 28,3% dos estudantes das instituições federais. Em 2014, ano dos dados mais recentes divulgados pela pesquisa, 45,05% do total de brasileiros eram pardos, e, dentro das universidades, a população parda representava 37,75% do total.
No mesmo período, o número de estudantes de graduação praticamente dobrou, de 469.848 para 939.604. Já considerando a população negra (preta e parda), esse crescimento foi ainda maior, de 160.527 para 446.928, o que representa um aumento de 178%.
O estudo explica, porém, que não é só a reserva de vagas para estudantes pretos, pardos e indígenas que deve responder pela mudança no perfil. Um dos fatores que deve ser levado em conta, de acordo com a Andifes, é o “amplo movimento de reinterpretação do processo de autodeclaração, com os estudantes mudando sua visão sobre sua cor ou raça de branca para preta ou parda”. De acordo com a associação, no entanto, “seja uma revisão de autodeclaração nas mesmas magnitudes do visto no restante da sociedade ou uma em menor proporção por conta da elevada formação educacional, a adoção generalizada de política de cotas se destaca como evento mais marcante em capacidade de produzir essa nova dinâmica”.
Renda familiar e assistência estudantil
A concentração de estudantes das classes mais ricas do Brasil também caiu nas instituições federais de ensino superior, segundo mostra o estudo. Em 2010, 34,71% deles tinham renda familiar bruta maior que seis salários mínimos, 24,61% tinham renda de mais de três e menos de seis salários mínimos, e 40,66% tinham renda de até três salários mínimos.
Em 2014, a porcentagem de cada uma dessas faixas salariais no total de estudantes de graduação foi de 23,86% para os mais ricos, 24,72% para os da faixa intermediária, e 51,43% para os estudantes mais pobres.
De acordo com estimativas feitas pela Andifes, em 2014, mais de dois terços dos graduandos tinham renda per capita de até um salário mínimo e meio, ou seja, são alvo das políticas de assistência estudantil das universidades e institutos.
“Com a forte expansão do total de alunos e as significativas mudanças em seu perfil (…), esse número é a expressão do desafio que as Políticas de Assistência Estudantil das IFES têm a sua frente”, afirmou a associação, no estudo. Para garantir recursos que promovam a permanência dos estudantes que ingressaram nas instituições, o Fonaprace defende a transformação em lei federal de um decreto de 2010, que institui o Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes). “Entendemos que para que a educação seja um direito de todos e todas, a assistência estudantil também deve sê-lo”, afirmou Barbosa, coordenador do fórum.
Hoje, o Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes) é regulado por um decreto editado em 2010. A associação luta para transformar o tema em uma lei federal. “Aquilo que é feito por decreto, por portaria gera certa insegurança porque em momentos desfavoráveis é a primeira coisa a ser cortada”, diz Ângela.
Segundo a gestora, a democratização do acesso à universidade ampliou o número de alunos pobres que precisam dos auxílios. Além das bolsas-permanência, as instituições podem usar as verbas do Pnaes para custear o investimento dos estudantes em instrumentos caros, de cursos como medicina, odontologia e música.
“Cada vez mais, a gente quer chegar perto desse percentual de 80% dos alunos de ensino médio, que estão em escola pública, dentro do universo de alunos do ensino superior. Para isso, precisamos ampliar o orçamento da assistência estudantil”, diz. O levantamento da Andifes mostra que 66,19% dos alunos matriculados têm renda familiar de até 1,5 salários e, por isso, poderiam se beneficiar da assistência.
Defesa do ensino público
Questionada sobre o cenário positivo mostrado pela pesquisa, a presidente da Andifes diz que “o trabalho apenas começou” e que o Brasil ainda está longe de atender a metas definidas pelo PNE e pelas próprias instituições de ensino. “Cerca de 80% dos alunos de ensino médio estão nas escolas públicas, e isso não se reflete de maneira igual no ensino superior”, declarou. A pesquisa divulgada nesta quinta mostra que, em média, 60% dos alunos das universidades federais fizeram os três anos de ensino médio em escolas públicas.
“Há necessidade de ampliação e de manutenção da educação básica, para que cresçam os percentuais de participação. O caminho da privatização é um contrassenso, contrário a tudo que essa pesquisa acaba de mostrar. O aluno da escola pública não está lá porque escolheu, mas por uma condição social. Ele deve ter o direito a um ensino superior que também seja público”, disse.
Ensino ‘elitista’
Ao comentar os avanços na diversidade e na inclusão social, o segundo vice-presidente da Andifes e reitor da Universidade Federal de Goiânia, Orlando Amaral, afirmou que o ensino superior público no Brasil está “só um pouquinho acima” dos critérios internacionais que caracterizam uma educação elitista.
“Hoje, temos 17% dos jovens [de 18 a 24 anos] na educação superior. É muito baixo na comparação com qualquer país da América Latina, a meta do PNE é de 33%. É preciso dobrar o número de estudantes nas universidades brasileiras e qualquer medida restritiva, seja por cobrança de mensalidade ou outra coisa, não ajuda o país a sair dessa posição vexatória”.
No fim de julho, a Andifes divulgou um manifesto contrário aos cortes de verbas e às propostas de privatização do ensino público. No texto, a associação cita medidas como a PEC 241/16, que fixa um teto para as despesas públicas pelos próximos 20 anos e flexibiliza o cumprimento dos “investimentos mínimos constitucionais”. Segundo a carta, a proposta “representa séria ameaça ao Plano Nacional de Educação”.
“A partir do momento em que não há mais os pisos [constitucionais], não há mais responsabilização. Se tivermos a descontinuidade desse financiamento público, todas as metas do PNE podem ser colocadas em questionamento”, disse o primeiro vice-presidente da Andifes e reitor da Universidade Federal de Alfenas, Paulo Márcio de Faria.
Blog rafaelrag com G1
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