Portaria publicada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no Diário Oficial da União (DOU) da última quinta-feira (10) reconhece como território quilombola a Comunidade Engenho Mundo Novo, localizada no município de Areia, a cerca de 122 quilômetros de João Pessoa. O território, onde vivem 37 famílias (cerca de 170 pessoas), tem uma área de aproximadamente 322 hectares e está localizado na Serra da Borborema, a mais de 600 metros de altitude, no Brejo paraibano, uma tradicional região de engenhos de cana-de-açúcar no estado.
Os próximos passos para a regularização do território da comunidade são a publicação do decreto de desapropriação pela Presidência da República e a avaliação da área pelo Incra, para definir o valor da indenização do proprietário.
Após a desapropriação, o Incra será imitido na posse do território delimitado e será concedido um título coletivo e inalienável de propriedade à comunidade em nome de sua associação dos moradores.
A Comunidade Engenho Mundo Novo iniciou seu processo de reconhecimento oficial como comunidade quilombola em março de 2009. No mesmo ano, a comunidade foi incluída no cadastro da Fundação Cultural Palmares e foi aberto processo de regularização fundiária do seu território junto ao Incra.
Estudo minucioso
O resumo do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) da comunidade foi publicado no DOU em 14 de abril de 2015. O documento é produzido por uma equipe multidisciplinar e reúne informações sobre a história, a ancestralidade, a tradição e a organização socioeconômica das famílias.
A antropóloga Maria Ester Fortes, do Serviço de Regularização de Territórios Quilombolas do Incra/PB, explicou que o RTID é uma peça chave no processo de regularização fundiária das comunidades quilombolas.
“O RTID é composto pelo relatório antropológico, que aponta os aspectos históricos e socioculturais da comunidade, bem como a relação deles com o território a ser delimitado, e ainda pelo Laudo Agronômico e Ambiental, pelo levantamento dominial do território, pelo cadastro das famílias pertencentes à comunidade e pelo Mapa e Memorial Descritivo da área”, disse Maria Ester.
O relatório antropológico do RTID da Comunidade Quilombola Engenho Mundo Novo foi produzido pelos antropólogos Rodrigo Domenech e Adrian Ribaric, através de contratação feita pelo Incra Sede.
História da comunidade
De acordo com o relatório antropológico, a Comunidade Quilombola Engenho Mundo Novo está localizada na antiga fazenda Engenho Mundo Novo, formada no século XIX por José Maria da Cunha Lima em parte das terras de seu pai, o Major Manoel Gomes da Cunha Lima. As famílias da comunidade são descendentes dos primeiros trabalhadores do engenho de rapadura e cachaça que, após a morte de Roberto Cunha Lima (herdeiro de Manoel), e a desestruturação da fazenda, permaneceram como moradores e agregados nas terras onde vivem e trabalham há pelo menos sete gerações.
Os relatos feitos pelas famílias da comunidade durante a construção do relatório antropológico, revelaram que as condições de vida e de trabalho no engenho eram difíceis, repletas de cerceamentos e de obrigações, ou condições. Os mais velhos da comunidade contaram aos antropólogos responsáveis pelo estudo que, na época da escravidão, o trabalho no canavial começava às 6h da manhã e se estendia, às vezes, até a meia-noite.
Ainda segundo o relatório antropológico, atualmente, alguns membros do grupo trabalham na cidade de Areia como empregadas e lavadeiras e realizando pequenas empreitadas, mas a principal atividade econômica da comunidade ainda é o cultivo da terra com a utilização de instrumentos manuais e de tração animal.
As famílias cultivam principalmente macaxeira, mandioca, milho, batata-doce, cana-de-açúcar, jerimum, feijão, maxixe, chuchu e quiabo. Duas famílias cultivam pequenas hortas para venda externa e alguns moradores iniciaram recentemente plantios de laranja, pepino e melão.
A produção excedente segue para a cidade de Areia em carroças ou no lombo de animais para ser vendida diretamente aos consumidores ou a atravessadores.
Processo de Regularização
As comunidades quilombolas são grupos étnicos predominantemente constituídos pela população negra rural ou urbana, que se autodefinem a partir das relações com a terra, o parentesco, o território, a ancestralidade, as tradições e práticas culturais próprias. Estima-se que em todo o país existam mais de três mil comunidades quilombolas.
Para terem seus territórios regularizados, as comunidades quilombolas devem encaminhar uma declaração na qual se identificam como comunidade remanescente de quilombo à Fundação Cultural Palmares, que expedirá uma certidão de autorreconhecimento em nome da mesma. Devem ainda encaminhar à Superintendência Regional do Incra uma solicitação formal de abertura dos procedimentos administrativos visando à regularização.
A regularização do território tem início com um estudo da área, a elaboração de relatório técnico que identifica e delimita o território da comunidade. Uma vez aprovado este relatório, os proprietários de imóveis rurais têm prazo para apresentar contestações ao Incra. Após esta fase, o instituto publica portaria de reconhecimento que declara os limites do território quilombola. A fase final do procedimento corresponde à regularização fundiária, com a retirada de ocupantes não quilombolas por meio de desapropriação e/ou pagamento das benfeitorias e a demarcação do território.
Ao final do processo, é concedido título de propriedade coletivo, pró-indiviso e em nome da associação dos moradores da área, registrado no cartório de imóveis, sem qualquer ônus financeiro para a comunidade beneficiada. Os títulos garantem a posse da terra, além do acesso a políticas públicas como educação, saúde e financiamentos por meio de créditos específicos.
Atualmente, outros 29 processos para a regularização de territórios quilombolas encontram-se em andamento na Superintendência Regional do Incra na Paraíba.
De acordo com a presidente da Associação de Apoio aos Assentamentos e Comunidades Afrodescendentes da Paraíba (Aacade-PB), Francimar Fernandes, 38 comunidades remanescentes de quilombos na Paraíba já possuem a Certidão de Autodefinição expedida pela Fundação Cultural Palmares.
Assessoria de Comunicação
Blog rafaelrag
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