Mais uma vez os países da Ásia ocupam os primeiros lugares no ranking do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês) – e Cingapura, uma cidade –estado pouco maior que o Vaticano e Mônaco onde a maioria da população é de origem chinesa, é líder indiscutível.
A prova coordenada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) foi aplicada no ano passado em mais de 500 mil jovens de 15 a 16 anos em 70 países e territórios, incluindo o Brasil.
O Pisa mediu o desempenho em Ciências, Leitura e Matemática. Os dez lugares com os melhores resultados foram Cingapura, Japão, Estônia, Taiwan, Finlândia, Macau, Canadá, Vietnã, Hong Kong e China.
A avaliação acontece a cada três anos e oferece um perfil básico de conhecimentos e habilidades dos estudantes, reúne informações sobre variáveis demográficas e sociais de cada país e oferece indicadores de monitoramento dos sistemas de ensino ao longo dos anos.
Apesar de alguma melhora em Ciências e Matemática em lugares como o Peru e a Colômbia, os países da América Latina seguem apresentando um desempenho muito distante das nações que lideram a avaliação.
A melhor posição entre os latino-americanos foi para a cidade de Buenos Aires – um 38º lugar em ciências. A pior foi a da República Dominicana, 70º – e último – lugar em Ciências e Matemática.
A OCDE explicou que o Pisa não trouxe um resultado geral para a Argentina porque o pequeno número de colégios participantes da avaliação no país não permitiu que fossem obtidos resultados estatísticos consistentes.
Andreas Schleicher, diretor de educação da OCDE e coordenador das provas do Pisa, destacou à BBC Mundo, serviço em espanhol da BBC, cinco mudanças que o Brasil e a América Latina em geral devem fazer para melhorar sua educação.
1) Encarar a desigualdade
Muito pode ser melhorado na educação brasileira e latino-americana. Mas Schleicher aponta um `elefante na sala`, um problema grave e dominante falado por poucos. `Este problema é a desigualdade. E para dizer a verdade, a desigualdade na América Latina é, em sua maior parte, planejada`, disse Schleicher.
`Basicamente, se você vem de uma família com recursos, vai frequentar um colégio talvez privado, se formar e depois o governo lhe dará muito dinheiro quando você conseguir uma das poucas vagas nas universidades públicas. Você se sairá bem`, afirmou.
`Mas se você vem de uma família pobre, acabará em uma escola com menos professores preparados, dificilmente terá a oportunidade de alcançar a educação superior ou acabará em uma instituição privada de pouco prestígio, pagando do próprio bolso para ter um diploma medíocre.`
Schleicher observa que `muito poucos países da América Latina têm a coragem de encarar essas desigualdades`.
`O Chile vem tentando com muita dificuldade. E me impressiona o que o Peru está fazendo: colocando os colégios públicos e privados em um mesmo plano, de maneira que as escolas privadas não possam receber dinheiro público, devem escolher. Acho que é um enfoque corajoso.`
O dirigente da OCDE destacou o caso de países que adotam políticas rigorosas – como aqueles que mandam bons professores para colégios que estão em desvantagem. `Vou dar um exemplo. Na China, se você é vice-diretor de um colégio muito bom e quer virar diretor, primeiro terá que provar a sua capacidade em um colégio com problemas.`
No Vietnã, que ficou em 8º no Pisa, também se quer assegurar que as crianças que precisam de mais oportunidades tenham acesso ao ensino de qualidade. `Isso não existe na América Latina`, disse Schleicher.
Mas ele cita um exemplo positivo que vem do estado brasileiro do Ceará. `Me impressionou muito o que estão fazendo lá. Se uma escola está no topo do ranking estadual, recebe mais dinheiro, mas o valor não pode ser gasto nessa escola: ela deve usá-lo para ajudar outra escola que tenha maus resultados.`
`Dessa forma, a escola boa recebe mais verbas, prestígio, mais pessoal e programas, mas esse conhecimento vai para as escolas que realmente necessitam dele. Creio que é uma forma muito inteligente de encarar a desigualdade.`
2) Tornar a carreira de professor mais atraente
E não se trata apenas de pagar melhores salários, segundo Schleicher. `Alguns países da América Latina pagam muito bem os professores. Estou me referindo a fazer com que a profissão de professor seja muito mais atraente intelectualmente`, explicou.
`Isso significa oferecer mais oportunidades para que os professores colaborem, investir mais na profissionalização.`
Para Shleicher, faltam esses elementos na região. `Na América Latina, cada professor é tratado da mesma forma, e os governos acham que sabem o que os professores deveriam fazer.`
Para coordenador do Pisa, uma das principais funções das escolas é dar uma vida melhor aos alunos.
`Na maioria dos países latino-americanos, a profissão é muito estática. É uma espécie de trabalho industrial, como numa fábrica.`
Nesse sentido, avalia, Brasil e vizinhos poderiam aprender muito com países como Cingapura, Vietnã ou China. `Em Cingapura, por exemplo, se faz algo muito simples. Algumas aulas são gravadas em vídeo, e semanalmente os professores se reúnem, assistem aos vídeos, conversam, analisam e vão, eles mesmos, estabelecendo a melhor prática.`
`Isso não gasta muito tempo nem dinheiro, mas tem um impacto profundo. Os professores são os donos da sua profissão. E quase toda escola tem uma comunidade profissional que colabora e aprende.`
`Na minha opinião, o melhor treinamento para eles acontece nos próprios colégios, observando boas práticas, aprendendo com os melhores professores. Creio que isso é o que falta na América Latina.`
3) Ensinar a pensar como um cientista
`Creio que um grande desafio para a América Latina é afastar-se de um sistema centrado no ensino de conteúdos, quer dizer, priorizar que os estudantes aprendam a pensar como um cientista, um matemático, um filósofo ou um historiador`, disse Schleicher.
`É importante que os estudantes compreendam realmente a essência da sua disciplina e se apaixonem por ela.`
`Se eles são bombardeados com conteúdo, terão aprendido conhecimento. Mas na América Latina vejo grandes deficiências na capacidade de participação dos estudantes, de entusiasmar-se com o que aprendem.`
Um ensino de conteúdos significa apenas aprender quantas patas tem uma aranha ou a fórmula química da água.
4) Ensinar poucas coisas, mas em profundidade
Os sistemas de ensino com melhor desempenho focam em três coisas, afirma Schleicher. Em primeiro lugar, demandam rigor – ou seja, o nível de exigência dos alunos é muito alto. Em segundo, se concentram em aprender poucas coisas, mas `muito, muito bem`. E em terceiro está um elemento que Schleicher chama de coerência ou progressão na aprendizagem.
Professores precisam ter mais oportunidades de desenvolvimento profissional, avalia coordenador do Pisa.
`Na América Latina, os livros de texto são maiores do que no Japão, onde o importante é ensinar pouco e em profundidade`, afirmou.
`Geralmente, o que vemos na América Latina é que os estudantes não aprendem algo no quarto ano do ensino fundamental e aquilo voltará a aparecer, de maneira distinta, no quinto e no sexto ano.`
`Coerência significa que primeiro se aprende algo muito bem, compreende-se e depois se avança para o passo seguinte.`
5) Melhorar o ensino pré-escolar
De acordo com o especialista, existe um vínculo direto entre o ensino pré-escolar e o desempenho posterior dos alunos. `Vi muito progresso na América Latina na educação para crianças maiores de três anos`, disse Schleicher.
`Mas creio que novamente o desafio é a qualidade do ambiente de aprendizagem. O acesso à educação pré-escolar na América Latina avançou, mas a qualidade deve melhorar.`
Schleicher também falou sobre outro problema grave na educação secundária no Brasil e vizinhança: a evasão ou abandono escolar. `A primeira coisa que deve ser perguntada aos países da região é por que os estudantes não estão completando sua educação. E o grande problema é: a relevância, opinou.
`Muitos jovens não vêem que o aprendizado vai ajudá-los na vida. Esse problema deve ser encarado, não se pode manter os alunos na escola como se ela fosse uma prisão.`
`Se você fosse dono de um supermercado e visse que, de 100 clientes que entram, uns 30 vão embora diariamente sem comprar nada, você passaria a se perguntar: por que as pessoas não querem ficar no meu supermercado?`
`Não costumamos fazer essa pergunta quando se trata de ensino. Acreditamos que a resposta é fazer uma escola obrigatória, afirmou Schleicher.
`A resposta está em garantir que as escolas realmente ajudem os alunos a ter um trabalho melhor, uma vida melhor.`
Blog rafaelrag com a SBPC-PE via BBC - IG EDUCAÇÃO - 06/12/2016
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