sexta-feira, 1 de junho de 2018

99 anos do eclipse que escureceu a Terra e iluminou a humanidade

Eclipse registrado em uma das placas fotográficas de um dos telescópios usados em Sobral. Crédito: Observatório Nacional.
​Momentos que antecederam o início do eclipse com a participação da população de Sobral. Crédito: Observatório Nacional
“O mundo moderno começou em 29 de maio de 1919, quando fotografias de um eclipse solar, tiradas na Ilha do Príncipe, na África Ocidental, e em Sobral, no Brasil, confirmaram a verdade da nova teoria do Universo”. Essas palavras do historiador inglês Paul Johnson representam bem o que significa para a Ciência o que foi aquele eclipse de 1919.
No Brasil, pouca gente sabe, mas as observações realizadas por uma equipe de 4 países no Sertão Nordestino em 1919 foram essenciais para a comprovação da Teoria da Relatividade de Einstein, uma das mais importantes da Física e que inaugurou o que chamamos hoje de Física Moderna.
Era uma manhã de quinta feira, seria um dia de trabalho como outro qualquer, mas naquela manhã, os cidadãos de Sobral se reuniram em locais públicos para observar aquele fenômeno raro. Muito provavelmente a maioria dos habitantes daquela cidade cearense não compreendiam exatamente o que faziam aqueles estrangeiros cheio de parafernálias e nem imaginavam a importância histórica dos seus feitos. Foi sem dúvida um trabalho grandioso realizado aqui no Brasil por americanos, ingleses e brasileiros. A partir dos registros daquele eclipse, a humanidade passou a ter uma nova compreensão do Universo.

Ilustração do efeito da deflexão da luz previsto pela Teoria da Relatividade Geral. . Crédito: Observatório Nacional
É importante lembrar um pouco do momento histórico. Naquela época, o mundo acabara de sair de sua primeira grande guerra e estavam, aqui no Brasil, uma equipe liderada pelo britânico Andrew Crommelin buscando evidências para confirmar a teoria do alemão Albert Einstein, e mais do que isso, ao comprovar as teorias de Einstein, estariam ao mesmo tempo provando que o alemão teria tido uma melhor compreensão do Universo que o gênio britânico Isaac Newton, cujas leis permaneciam inquestionáveis há mais de 200 anos.
Newton explicava a gravitação como uma força de atração entre corpos massivos e a Teoria da Relatividade de Einstein explica a gravitação como uma distorção no espaço-tempo provocado por objetos massivos. Tudo isso é um pouco complexo de compreender, mas uma analogia muito simples é imaginar o espaço como o tecido de uma cama elástica. Se rolarmos uma bola de gude sobre esse tecido, ele vai de um lado a outro da cama elástica em linha reta. Mas se colocarmos algo mais massivo como uma bola de boliche no centro da cama elástica, ela irá destorcer o tecido, e agora, ao rolar uma bola de gude sobre esse tecido, ela será desviada em direção à bola de boliche, e dependendo da velocidade, irá dar algumas voltas em torno dela até parar de vez junto à bola mais pesada. O que Einstein propôs, no início do século passado, é que o Universo é como o tecido de uma cama elástica que se distorce na presença de corpos massivos e com isso, desvia outros corpos que passam por ele.
Esse vídeo mostra essa analogia de forma bem didática:

Jornal Correio da Semana 5 dias antes do eclipse. Crédito: Museu do Eclipse
Mas a principal diferença entre as duas formas de enxergar a gravitação era que para Newton a força gravitacional só existiria entre dois corpos se estes possuíssem massa, e Einstein propunha que o Universo seria distorcido por objetos massivos e dessa forma, alterava a trajetória não só os objetos com massa, mas também da luz. Como se um feixe de luz, tivesse o mesmo efeito da nossa bolinha de gude sobre o tecido da cama elástica, e ao passar próximo à bola de boliche, teria sua trajetória alterada.
Se os leitores tiveram certa dificuldade para entender, não se sintam mal, o tema é de difícil compreensão mesmo, e imagine há 100 anos atrás. A seu favor, Einstein conquistou um grande feito em 1915, quando apresentou mostrou que suas fórmulas conseguiam calcular a órbita de Mercúrio com precisão, algo que os modelos newtonianos não eram capazes. Ainda assim, para ser considerado um fato científico, era preciso de mais evidências.

Telescópios utilizados em Sobral. Crédito: Museu de Ciências de Londres
Naquela época, mesmo seus países estando em guerra, Einstein se correspondia com um cientista Inglês chamado Arthur Eddington. Eddington estudou os artigos de Einstein durante vários anos e conseguiu enxergar uma forma de comprovar suas teorias através da observação de um eclipse solar. Durante o eclipse total do Sol, a Lua encobre totalmente o disco solar, transformando o dia em noite por alguns instantes e, sem a luz do Sol, é possível enxergar as estrelas até mesmo próximas ao Sol. Era justamente aí que estaria a chave dessa comprovação. Como o Sol é um astro bastante massivo, o feixe de luz dessas estrelas, ao passar próximo ao Sol seria desviado e elas apareceriam para nós em uma posição diferente, se comparado com uma foto feita a noite da mesma área do céu.
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Em tempo de Copa do Mundo, vai aí a escalação da equipe que encantou o mundo em 1919: da esquerda para a direita, Luiz Rodrigues (Brasil), Theophilo Lee (Brasil), Daniel Wise (EUA), Henrique Morize (Brasil), Charles Davidson (Inglaterra), Andrew Crommelin (França/Inglaterra), Allyrio de Mattos (Brasil), Andrew Thomson (EUA), Domingos Costa (Brasil), Lélio Gama (Brasil), Antônio C. Lima (Brasil) e Primo Flores (Brasil)
O problema então era que eclipses totais do Sol não ocorrem tão frequentemente e quando ocorrem, são visíveis apenas em uma pequena faixa do planeta. Já em 1914, uma primeira tentativa foi frustrada pela gerra que começara naquele ano. Em 1918, com o mundo ainda em guerra, houve uma segunda tentativa durante um eclipse que cruzou os Estados Unidos, mas as nuvens não colaboraram. Entretanto, desde 1917, os ingleses já planejavam a campanha para o eclipse de 1919 que apresentaria as condições ideias para a comprovação das teorias de Einstein.
Para evitar o mesmo fracasso da expedição americana de 1918, os ingleses montaram duas expedições. A primeira liderada por Eddington foi até a Ilha de Príncipe na Costa Africana. A segunda, veio para o Brasil, para Sobral, no Sertão Nordestino. Eddington enfrentou chuvas torrenciais, perdeu quase todos os seu material fotográfico em meio às nuvens que cobriram a região, conseguiu apenas uma foto.
Já no Brasil, o tempo ajudou. Algumas horas antes do eclipse choveu no Sertão. A chuva limpou a atmosfera e durante os mais de 5 minutos de totalidade do eclipse, o céu estava límpido e as estrelas puderam ser observadas e fotografadas. A emoção de ver um eclipse deixavam as pessoas admiradas. Aplausos eram ouvidos entre os cantos dos galos que não entendiam o que estava acontecendo. Estava acontecendo a história. A história que ficaria gravada para sempre na memória daquele povo e nos artigos e livros científicos em todo o mundo.
As estrelas? Elas estavam lá, deslocadas, quanto mais próxima ao Sol, mais deslocadas. Exatamente como Einstein havia previsto. Nascia então a Física Moderna, nascia uma nova forma de enxergarmos o Universo, com suas lentes gravitacionais e buracos negros. Ganhamos novos motivos para amarmos a astronomia e as maravilhas do Universo.
Marcelo Zurita – (83) 99926-1152
APA – Associação Paraibana de Astronomia
BRAMON – Rede Brasileira de Observação de Meteoros
Asteroid Day Brasil – Coordenação Regional Nordeste
Blog rafaelrag com a Folha

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