Em entrevista à CH, geógrafa e especialista em questões
urbanas analisa impacto de obras em andamento para abrigar Copa e Jogos
Olímpicos no Brasil. E torce para que o cenário de endividamento que
visualiza não se materialize.
Por: Henrique Kugler, Ciência Hoje/ RJ Publicado em 20/02/2014
A realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas no Brasil
gerou investimentos em obras de infraestrutura ou estética nas cidades
que receberão esses eventos. Na foto, o novo Maracanã (RJ). (foto: Érica
Ramalho/ Governo do Rio de Janeiro – CC BY 3.0)
Adoradores do futebol devem estar exaltados. Pois uma Copa do Mundo
em nossas terras é, para muitos, uma notícia excitante. Enquanto alguns
comemoram, governos parecem se mobilizar em obras de infraestrutura ou
estética – seja para agradar aos turistas, seja para amenizar as graves
mazelas que acometem nossas cidades. Mas dúvidas ainda perduram.
Licitações suspeitas, desvios de recursos públicos em grandes obras,
parcerias espúrias entre o público e o privado...
Bem, brasileiros estão habituados a discussões que se embrenham por
essas veredas. Mas, na verdade, ainda não temos clareza para vislumbrar o
legado que os megaeventos esportivos – a Copa de 2014 e as Olimpíadas
de 2016 – deixarão em nosso país.
Para refletir sobre o assunto, a CH conversou com a geógrafa
Olga Firkowski, da Universidade Federal do Paraná, respeitada estudiosa
das questões urbanas no Brasil. Firkowski integra os quadros do
Observatório das Metrópoles, um Instituto Nacional de Ciência e
Tecnologia (INCT) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq). Ela participou em setembro do 37º encontro anual da
Associação Nacional de Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), em Águas
de Lindoia (SP), onde expôs suas críticas e preocupações acerca do
legado dos megaeventos que estão por vir. “É constrangedor pensar que
precisamos de uma desculpa do tamanho da copa para que obras importantes
e necessárias tenham a mínima possibilidade de sair do papel”, disse.
Ciência Hoje:
As obras se destinam mais ao conforto dos eventos esportivos ou mais ao
bem-estar da população que habita as cidades em questão?
Firkowski: Depende. Os projetos que já existiam não têm só a Copa como horizonte. O problema é que boa parte desses projetos foram deixados em segundo plano em detrimento daqueles específicos para atender as demandas dos megaeventos.
Firkowski: Depende. Os projetos que já existiam não têm só a Copa como horizonte. O problema é que boa parte desses projetos foram deixados em segundo plano em detrimento daqueles específicos para atender as demandas dos megaeventos.
Vejamos o caso de Curitiba: as obras de infraestrutura de que a
cidade precisa foram retiradas da perspectiva do médio prazo.
Priorizaram-se as reformas que contemplam o caminho entre o aeroporto, a
rodoviária e o estádio. Dinâmicas semelhantes são observadas em
diversas outras cidades brasileiras que receberão a Copa do Mundo.
Que benefícios podemos esperar para as cidades brasileiras a partir do legado dos megaeventos? Dá para ser otimista?
Sim e não. Tudo depende do preço que a sociedade está disposta a pagar e como ela entende esse legado. Obras de mobilidade são importantes e necessárias. Mas é constrangedor pensar que precisamos de um álibi – como a Copa do Mundo – para que essas intervenções tenham a mínima possibilidade de sair do papel. Reforma de aeroportos, estruturas viárias, metrôs... Isso tudo não é somente para a Copa. É para o bom funcionamento das cidades. E que sociedade é essa que precisa de uma desculpa do tamanho da Copa para tirar isso do plano das ideias e fazer o que deve ser feito?
Como a senhora entende o caso de Recife, por exemplo? A cidade está dedicando generosos recursos à chamada ‘cidade da Copa’, construída especialmente em função da Copa do Mundo.
Que benefícios podemos esperar para as cidades brasileiras a partir do legado dos megaeventos? Dá para ser otimista?
Sim e não. Tudo depende do preço que a sociedade está disposta a pagar e como ela entende esse legado. Obras de mobilidade são importantes e necessárias. Mas é constrangedor pensar que precisamos de um álibi – como a Copa do Mundo – para que essas intervenções tenham a mínima possibilidade de sair do papel. Reforma de aeroportos, estruturas viárias, metrôs... Isso tudo não é somente para a Copa. É para o bom funcionamento das cidades. E que sociedade é essa que precisa de uma desculpa do tamanho da Copa para tirar isso do plano das ideias e fazer o que deve ser feito?
Como a senhora entende o caso de Recife, por exemplo? A cidade está dedicando generosos recursos à chamada ‘cidade da Copa’, construída especialmente em função da Copa do Mundo.
Os megaeventos todos irão passar, mas o modelo dessa relação público-privada que eles têm potencializado permanecerá
A dúvida: será um legado positivo ou negativo? Será mais reprodução
de um estilo urbano baseado em condomínios fechados ao lado de um grande
centro de lazer? Um modelo de autossegregação de camadas sociais
distintas? Como será a integração dessa ‘cidade da Copa’ com o
município?
Só saberemos no futuro. A princípio, não me parece um projeto
dedicado à melhora da qualidade de vida das pessoas que vivem na região.
Importante lembrar: a Copa é só um exemplo. Os megaeventos todos irão
passar, mas o modelo dessa relação público-privada que eles têm
potencializado permanecerá.
Curitiba priorizou as obras de conexão com o público externo, também atentando mais para os megaeventos do que para o bom desempenho do cotidiano urbano. Isso tem acontecido em outras cidades também?
Sim, mas Curitiba foi o caso mais emblemático. As obras gerais de infraestrutura saíram da pauta e entraram as intervenções no corredor que liga o aeroporto ao estádio, passando pela rodoferroviária. Pensa-se, sobretudo, no turista.
Que conflitos ou contradições sociais podemos esperar a partir das obras para os megaeventos?
A resposta pode ser encontrada em um exemplo local, que reflete uma dinâmica talvez generalizada, que é a reforma na rodoferroviária de Curitiba. Cerca de 40 permissionários – pequenos comerciantes, como donos de bancas, lanchonetes, vendas em geral – perderão seus ofícios. Pois o novo projeto prevê a ocupação desse comércio a partir de licitações. Logo, o pequeno perderá seu espaço. Marcas como Subway, McDonalds, Casa do Pão de Queijo, O Boticário..., empreendimentos de maior expressão econômica são os que tomarão conta desses espaços, antes ocupados por gente simples.
Curitiba priorizou as obras de conexão com o público externo, também atentando mais para os megaeventos do que para o bom desempenho do cotidiano urbano. Isso tem acontecido em outras cidades também?
Sim, mas Curitiba foi o caso mais emblemático. As obras gerais de infraestrutura saíram da pauta e entraram as intervenções no corredor que liga o aeroporto ao estádio, passando pela rodoferroviária. Pensa-se, sobretudo, no turista.
Que conflitos ou contradições sociais podemos esperar a partir das obras para os megaeventos?
A resposta pode ser encontrada em um exemplo local, que reflete uma dinâmica talvez generalizada, que é a reforma na rodoferroviária de Curitiba. Cerca de 40 permissionários – pequenos comerciantes, como donos de bancas, lanchonetes, vendas em geral – perderão seus ofícios. Pois o novo projeto prevê a ocupação desse comércio a partir de licitações. Logo, o pequeno perderá seu espaço. Marcas como Subway, McDonalds, Casa do Pão de Queijo, O Boticário..., empreendimentos de maior expressão econômica são os que tomarão conta desses espaços, antes ocupados por gente simples.
O geógrafo inglês David Harvey chama esse processo de ‘acumulação por
despossessão’. Retiram-se uns; colocam-se outros. É claro que, quando
utilizarmos a nova rodoferroviária, ficaremos contentes e diremos algo
como: “Que legal, agora temos aqui um ‘serviço padrão’”. Mas nos
esqueceremos de que esse ‘serviço padrão’ custou a expulsão daqueles que
ali estavam há muito tempo e foi a gênese de um problema social.
Você leu apenas o início da entrevista publicada na CH 311. Clique no ícone a seguir para baixar a versão integral.
Blog rafaelrag com portal ciência hoje
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