Perdoem-me
meus amigos da revista Carta Capital, mas se há um grande vencedor nas
eleições municipais de 2012 é a presidente Dilma Roussef.
Ela conseguiu se desvencilhar com desenvoltura da armadilha
inerente a uma disputa local na qual os partidos da base quase
inevitavelmente tendem a se confrontar com certa dose de virulência.
Surpreendendo a todos que acreditaram no estereótipo (reforçado pelo seu
marketing pessoal) de que ela seria pouco afeita às articulações
políticas, Dilma movimentou-se com uma perícia equiparável à ação dos
principais políticos brasileiros, um grupo historicamente restrito. Não
só conseguiu evitar o descontentamento e a temida (e muitas vezes
anunciada) desagregação de sua base de apoio, como logrou contentar a quase todos, desferindo golpes fatais sobre a oposição.
A avaliação das eleições municipais não pode deixar de considerar uma
antítese que lhe é constitutiva, de antemão. Os eleitores decidem o
voto em função de fatores e prioridades locais, mas, ao fazê-lo elegem
partidos que são, por definição, nacionais. Grosso modo, podemos agrupar
as forças em disputa em três grandes blocos: o de oposição (DEM, PSDB,
PPS), o da assim chamada base aliada (PMDB, PSB, PDT, PRB, PP etc.), e o
constituído pelo PT e seu aliado mais próximo, o PCdoB.
Os resultados também podem ser vistos como uma aferição das
forças regionais que se organizam para a obtenção, no próximo pleito,
dos governos estaduais, sobretudo os dados referentes às capitais e ao
número total de prefeituras e votos conquistados em cada unidade da
federação. Nas capitais, em geral, a disputa se polariza entre o grupo
que detém o poder no município e o que controla o estado. Quando o mesmo
grupo detém ambos, a polarização se dá com a oposição regional, que se capacitou para tanto pela eleição anterior ou que se fortalece para a próxima.
É a partir das interconexões entre esses dois planos que se torna
possível avaliar em que medida os resultados eleitorais reforçam ou
enfraquecem os projetos dos atores que se posicionam para a eleição
presidencial de 2014.
Para demonstrar minha tese de que as eleições reforçaram o cacife de
Dilma, vou ater-me aqui, ao resultado das dez capitais de maior
população, que concentram uma fatia expressiva do eleitorado brasileiro
e, por conseguinte, as ações dos políticos de expressão nacional.
O objetivo primordial da presidente foi construir
alianças que possibilitassem uma distribuição não muito desigual, entre
os partidos aliados, do comando das prefeituras das principais cidades.
No desenho ensaiado no início do ano, o condomínio principal do poder
seria assim distribuído: a cabeça de chapa no Rio de Janeiro ficaria com
o PMDB, em São Paulo com o PT e em Belo Horizonte com o PSB. A ensaiada
rebelião do PSB, insuflada por Aécio Naves, foi debelada por meio de um
acordo tácito pelo qual Dilma e Lula se comprometeram a não participar
das campanhas em Fortaleza e Recife, cidades nas quais o embate entre o
PT e o PSB decidiria as eleições.
A resposta a Aécio se fez presente sob a forma da bem sucedida
pacificação do PT mineiro, juntando as alas, até então adversárias, do
ministro Fernando Pimentel e do ex-ministro Patrus Ananias. Embora
Lacerda tenha sido vitorioso, o desempenho de Patrus, lançado na última
hora, contra um candidato à reeleição com gestão bem avaliada (em parte
graças a parcerias firmadas com programas do governo federal) e a
vitória do PT em grandes cidades do estado, indicam que Dilma, no
mínimo, tende a dividir o voto dos mineiros, colocando em dúvida o
alegado trunfo de Aécio de que Minas se uniria em torno de sua
candidatura a presidente.
O aviso ao PSB pode ser resumido mais ou menos assim: o partido de
Eduardo Campos e Ciro Gomes pode contar com a neutralidade de Dilma e
Lula nas disputas pelo poder local e estadual com o PT, desde que não
esteja aliado ao PSDB. Além de Belo Horizonte, isso ficou claro em
Curitiba, onde dois candidatos da base aliada, tiraram do segundo turno o
atual prefeito do PSB. As dificuldades das chapas PSB-PSDB em Minas e
no Paraná, foram um alerta ao PSB de que o papel que a mídia lhe imputa
de ser o fiel da balança em 2014 pode resultar numa operação de alto
risco.
O prefeito do Rio, Eduardo Paes, o governador Sergio Cabral e o PMDB
devem parte de seu êxito a Dilma. Ela agraciou com um ministério,
retirando-o da corrida eleitoral, o bispo Marcelo Crivella, do PRB, cuja
candidatura provavelmente levaria a disputa ao segundo turno. Diga-se
de passagem que a aliança PT-PMDB consolida-se ainda mais com o apoio
recíproco nas grandes metrópoles – Rio, Belo Horizonte e São Paulo.
Dilma contentou também aliados de menor força eleitoral, como o PDT. Em Porto Alegre, o PT lançou,
só para constar, um candidato desconhecido e absteve-se de impulsionar a
candidata de seu mais fiel aliado, o PC do B, facilitando a reeleição
em primeiro turno de José Fortunati, amigo pessoal da presidente. No
mesmo movimento, reforçou-se a ala trabalhista comandada por Brizola
Neto, diminuindo o poder de fogo dos dissidentes Cristovão Buarque e
Miro Teixeira, e o do neodissidente Carlos Lupi.
Afora Goiânia, onde a CPMI sobre as atividades criminosas e políticas
de Carlos Cachoeira minaram o poder do governador Marconi Perillo e a
disputa foi resolvidas no primeiro turno com a reeleição do prefeito do
PT, nas outras capitais de grande porte, Manaus, Salvador e São Paulo, a
disputa em segundo turno se dará entre candidatos da base aliada e da
oposição. Com um detalhe que pode ser decisivo: a soma dos votos dos
candidatos alinhados ao Palácio do Planalto no primeiro turno forma uma
maioria nunca menor que 60% dos votos.
Belém é um caso à parte. O candidato do governador, do PSDB,
enfrentará no segundo turno um ex-petista, hoje no Psol. A necessidade
de aglutinar apoio pode gerar um cenário inusitado no qual o candidato
do Psol venha a contar com o apoio da presidente e do PT. Para Dilma
seria uma oportunidade de granjear simpatias com a parcela do eleitorado
que se decepcionou com seu apoio incisivo a Eduardo Paes contra Marcelo
Freixo.
Por fim, Dilma se fortaleceu também com a ofensiva da mídia e do
Poder Judiciário contra o PT, fato aliás recorrente em todas as eleições
desde 1982, para não lembrar do banimento do PCB pelo STF, em 1947,
mantido durante todo o período democrático anterior ao golpe de 1964. Se
a pauta conjunta desses setores – hoje, incontestavelmente, os dois
principais polos de aglutinação e intervenção das forças conservadoras e
de oposição ao programa de mudanças instaurado desde o primeiro governo
Lula – não derrotou o PT, não deixou de minar sua expansão. Na medida
em que o PT não obtém a hegemonia eleitoral que lhe caberia por conta do
êxito e reconhecimento público desse programa, o cenário torna-se ainda
mais favorável para a candidata Dilma. Evitando o risco de ficar refém
do Partido dos Trabalhadores, ela se posiciona como uma política cuja
capacidade de transferir votos só é sobrepujada por Luis Inácio Lula da
Silva, o mais popular dos líderes brasileiros.
Ricardo Musse é professor do departamento de sociologia da USP.
Carta Maior
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