Possível evolução do número de casos confirmados de COVID-19. O primeiro gráfico mostra Brasil, EUA, Itália e Argentina, a partir dos casos confirmados. O segundo gráfico mostra os casos confirmados em 4 estados brasileiros: RJ, ES, SP e DF. O terceiro gráfico compara 4 cidades fluminenses: Rio de Janeiro, Niterói, Duque de Caxias e São Gonçalo.
As informações da esquerda são do número total de casos e as da direita são do número de novos casos por dia.
O pesquisador Fernando Roig, da Coordenação de Astronomia e Astrofísica do Observatório Nacional, apresentou um estudo no qual analisa os dados disponíveis sobre a covid-19, visando estimar a possível evolução da pandemia e comparando os resultados entre diferentes países – Brasil, Estados Unidos, Itália e Argentina –, estados do Brasil e municípios do Rio de Janeiro. Os resultados mostram uma tendência pior que outros países que eram considerados os mais críticos.
Utilizando dados públicos sobre o número de casos confirmados de covid-19 disponibilizados pela Universidade John Hopkins, dos Estados Unidos, pelo Ministério da Saúde do Brasil, e pelo Especial COVID-19, que compila dados de estados e municípios brasileiros, o pesquisador aplica um modelo matemático simples, conhecido como distribuição de Gompertz, para aproximar o comportamento dos dados disponíveis e estimar o número de casos futuros.
"A função de Gompertz é um modelo bem estabelecido no estudo de populações em biologia", comenta Roig. "Ela foi introduzida em 1825 pelo matemático britânico Benjamin Gompertz como uma lei para descrever a taxa de mortalidade de uma população e se adapta muito bem para descrever de forma aproximada a evolução de uma pandemia."
Roig explica que a ideia é que, num processo epidêmico ou pandêmico, o número de casos da doença começa a crescer do zero em forma exponencial, isto é, seguindo uma progressão geométrica. A partir de um certo momento, quando ocorre o pico da pandemia, o número de total de casos registrados continua crescendo, porém cada vez mais devagar, seguindo uma progressão aritmética, até atingir um patamar final quando a pandemia acaba. Esses modelos matemáticos simples, que usam poucos parâmetros, não são adequados para prever a evolução a longo prazo, somente para um futuro próximo. Com estes dados, os gráficos mostram que o Brasil encontra-se ainda numa etapa de evolução acelerada da doença.
A função de Gompertz, que descreve precisamente esse tipo comportamento, pertence a uma família de funções matemáticas conhecidas como sigmoides, devido a sua forma característica de letra S - Sigma é o nome da letra S no alfabeto grego. Outra função sigmoide que é bastante utilizada para representar este tipo de comportamento é a denominada função logística, introduzida em 1838 pelo matemático belga Pierre Verhulst com o intuito de descrever o crescimento populacional observado nos censos.
"A aplicação do modelo de Gompertz não fornece resultados tão acurados quanto a utilização de outros modelos matemáticos mais sofisticados, como os modelos tipo SIRD – sigla de Suscetíveis, Infetados, Recuperados e Mortos –, que consideram as taxas de interação entre diferentes grupos dentro de uma população e que são os modelos utilizados pelo governo para balizar as suas decisões", esclarece Roig. "Entretanto, o número acumulado de indivíduos dentro de cada um desses grupos epidêmicos se comporta basicamente como uma função sigmoide, e por isto é possível utilizar uma função logística ou de Gompertz como primeira aproximação para descrever a evolução da pandemia".
No estudo, Roig utilizou uma técnica de determinação de parâmetros conhecida como algoritmo Trust Region Reflective, que é um método de otimização matemática bastante robusto e aplicado em diversas áreas de pesquisa, inclusive na astronomia. Com este método é possível estimar os valores das funções de Gompertz que melhor representam os dados observados. "O que podemos verificar numa comparação entre Brasil, EUA, Itália e Argentina é que a situação do Brasil não é nada alentadora", afirma Roig.
Entretanto, o pesquisador também adverte que as previsões devem ser tomadas com cuidado. O modelo utilizado é muito sensível a pequenas mudanças no comportamento dos dados. Por exemplo, se por algum motivo a subnotificação de casos diminui, então o número de casos confirmados aumenta “artificialmente” e isso força um crescimento da função de Gompertz que não é totalmente realístico. "Em qualquer caso, fica claro, a partir da análise, que o Brasil ainda está longe de atingir o pico da pandemia e o relaxamento das medidas de distanciamento social neste momento pode fazer com que o comportamento mostrado nas curvas deste estudo acabe se tornando uma realidade", conclui Roig.
Roig também aponta que será muito interessante verificar como a curva da cidade de Niterói/RJ vai responder nas próximas duas semanas ao lockdown decretado pelo prefeito Rodrigo Neves. "O comportamento da curva deve mudar sua tendência drasticamente. Também é interessante comparar com o caso da Argentina, onde as medidas de distanciamento social adotadas pelos governos nacionais e provinciais são extremamente mais rígidas do que no Brasil", acrescenta o pesquisador.
Os programas utilizados para a elaboração do estudo foram escritos na linguagem Python e podem ser descarregados neste link. O assunto será apresentado pelo pesquisador no canal do YouTube do ON, no dia 14 de maio, às 19h, no evento "Matemática, Astronomia e Pandemia", num bate-papo entre Roig e o matemático Marcelo Viana, do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA).
Blog rafaelrag/Observatório Nacional
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