A violência é um fenômeno social inerente à realidade das sociedades em todos os tempos históricos. Esteve sempre filiada ao conceito de poder, ou seja, onde tem poder há violência. Com a ascensão da democracia moderna e seu forte componente liberal, a violência passou a ser controlada pelas instituições estatais com o fito de mitigar os anseios tirânicos do príncipe. Seja este um rei, uma assembleia de notáveis ou uma assembleia popular. O principio do estado democrático de direito seria(é) a garantia da inviolabilidade da propriedade privada que, como conceito advindo do liberalismo clássico, constituiria a garantia da vida, dos bens e da liberdade. Dessa forma, a violência seria controlada ao nível estatal, onde o poder coercitivo estaria regulado por leis e regras de conduta que, no limite, puniriam aqueles que não a obedecessem. Tais leis garantiriam (ou deveriam garantir), sobretudo, a vida dos cidadãos em regime político democrático.
Dito isto, como então avaliar os altos níveis de violência pelos quais passam a sociedade nordestina não obstante a melhoria das condições de vida de sua população? Teorias que tem como base a expansão do estado social como resolução para as desigualdades e conflitos gerados pela propriedade “caem por terra” quando passamos a avaliar os indicadores sociais de pobreza e desigualdade em relação à violência no Nordeste. A extrema pobreza e o nível de concentração de renda melhoraram em todos os níveis sociais no Nordeste contemporâneo. Por exemplo, analisando os dados secundários no IPEADATA (banco de dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) da Paraíba, entre 2001 e 2009, o percentual de pessoas que viviam em extrema pobreza diminuiu de 31,31% em 2001, para 14,57% em 2009. Uma redução de 54% no percentual de pessoas em estado de miserabilidade em um dos estados mais pobres do país. Programas sociais, como o Bolsa Família, ajudaram veementemente na redução das desigualdades e no robustecimento das matrículas na escola básica. Segundo estudo liderado por Marcelo Néri, Presidente do IPEA, o impacto do Bolsa Família no PIB (Produto Interno Bruto) foi o mais relevante entre os benefícios sociais. Quando compararam os efeitos multiplicadores de algumas transferências sociais – Previdência Social, Benefício de Prestação Continuada, Seguro Desemprego, Abono Salarial PIS/PASEP e FGTS – sobre agregados econômicos no curto prazo, constatou-se neste estudo que o Bolsa Família foi, por larga margem, a transferência com maiores efeitos sobre o PIB. Um gasto adicional de 1% do PIB no Bolsa Família gera aumento de 1,78% na atividade econômica.
Dessa forma, e voltando ao questionamento do parágrafo anterior. Por que o crescimento da violência nesta região que foi a maior obtentora dos recursos transferidos do Bolsa Família?
A resposta está na ineficácia, na ineficiência e, o pior delas, na inefetividade do estado de direito em garantir o básico: a propriedade privada, numa linguagem contemporânea, os direitos civis mais básicos do conceito de cidadania moderna. O primeiro deles, o direito à vida, só é garantido quando o estado se mostra efetivo para a maioria da população. Ou seja, quando este estado é capaz de garantir um acesso irrestrito a qualquer pessoa as suas instâncias, as suas instituições responsáveis pela administração dos conflitos. Amplos direitos sociais podem ser garantidos em estado de exceção, mas direitos civis apenas em estados democráticos de direito.
Quando avaliamos a criminalidade na Paraíba, por exemplo, todos os tipos penais incrementaram-se. Roubos, assaltos, estupros, homicídios, latrocínios e tráfico de drogas saltaram exponencialmente nos últimos anos. Só para exemplificar, o roubo cresceu ao nível de 160% entre 2009 e 2011 na Paraíba.
O estado de direito está sendo violado constantemente no Brasil, com destaque para a região Nordeste. Os níveis de violência e criminalidade já ultrapassaram, e muito, a margem do suportável. Somente um pacto social por uma segurança pública avançada e tecnologicamente constituída a nível regional, com a participação dos prefeitos e governadores, será capaz de retroceder os números de violência na região Nordeste.
* José Maria Nóbrega é coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade Federal de Campina Grande, PB (NEVU)
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