Foto: Ascom
Para não passar em brancas nuvens, é preciso falar. Falar não, bradar!
O maior de todos os crimes continua sendo a banalização, prática esta que mistura, acinte, covardia e uma conveniente desinformação. O recente caso do jogador Vinícius Júnior, enquanto jogador do Real Madrid, é a representação mais incontestável do quanto a ‘normalização’ de casos racistas é capaz de trazer, em vários setores, uma sociedade.
A voz solitária de um jogador no embate contra um coro de um povo, reafirmando a posição criminosa a qual ocupa o racismo, já não é mais novidade para a sociedade esportiva espanhola. Esta é a décima primeira vez que a desleal luta ocorre em campo, estatística esta que apenas inclui os casos do Vini Jr. A vista grossa de entidades vinculadas ao setor esportivo do país torna evidente o exponencial crescimento dos casos de racismo nos últimos nove anos na Espanha, ultrapassando os 180%, sendo os jogadores brasileiros os principais alvos.
O fato é que, em um espectro mais amplo, o racismo é um sentimento que foi construído historicamente, sobretudo em regiões onde o tráfico negreiro se intensificou mais, sobretudo entre os séculos de XVI e XVII. Por trás do comércio escravo como uma das ondas da expansão marítima, havia, sim, uma cultura que seguia a reboque. Era muito mais fácil demonizar ou animalizar povos indígenas e africanos, com essa ideologia de hierarquia racial, para não existirem barreiras sociais para uma prática verticalizada, opressora e desumana.
A cultura repassada por nossos tataravós da relação estabelecida entre brancos e negros, que falava sobre troncos, senzalas e favelas, buscou no humor a sua forma mais preciosa de escamoteio. A ‘dita’ piada racista sempre foi a melhor maneira de se praticar o racismo sem assumi-lo como tal. O caso mais recente do humorista Leo Lins que, em parte do seu show, afirma que negro reclama quando não tem emprego, mas quando nascia com emprego, ainda assim, reclamava, referindo-se à escravidão, traz uma questão à baila. O que entendemos sobre o que seja ou não racismo? Que aspectos se perderam no tempo, que não conseguem mais maquiar essa chaga ainda aberta?
Um olhar para recortes históricos mostra que o racismo sempre buscou no entretenimento a sua forma de consolidar-se enquanto ideia implícita. Por exemplo, o uso do blackface como ‘recurso artístico’, em que brancos se pintavam de negros, tinha um caráter sempre depreciativo. Já no cinema, filmes como o Nascimento de Uma Nação (1915), os vilões eram os ‘negros’ e o herói, acreditem, era o fundador da Klu Klux Kan.
Outro exemplo está mo primeiro filme sonoro da história do cinema, o Cantor de Jazz (1927), em que o protagonista Jakie Rabinowitz é um homem negro, apaixonado pelo ritmo jazzístico e que se vê impedido de praticar sua música. O cantor branco Al Jolson era o responsável por interpretar o personagem e precisou pintar a sua pele de marrom para dar vida ao seu papel.
No teatro americano, logo após a Guerra Civil, o Minstrel Show, era o tipo de espetáculo onde os ideais racistas eram celebrados em pleno palco, em quadros ditos cômicos: brancos eram pintados de negros e tinham o contorno dos lábios e dos olhos ressltados pela tinta branca, representando o estereótipo de personagens ignorantes, preguiçosos e falastrões.
No Brasil, em paralelo ao nascimento do Jazz americano, as rodas de samba no início do século 20, eram vistas como encontros de marginais, chegando a ser consideradas crime e perseguidas pela polícia. Dança, gastronomia, música e religião se amalgamaram, e, graças à resistência de figuras como Tia Ciata, a sonoridade de um Pixinguinha, por exemplo, ainda ecoa nestes tempos de cá.
O racismo nunca foi doce para quem o sofre na pele, porém, se analisarmos bem porque uma iguaria teria o nome de NÊGO BOM, poderíamos entender o que existe de contexto histórico diluído nas nossas filigranas cotidianas. Entender como chegamos até aqui pode até exigir tempo, mas não nos impede de reavaliarmos nossas posturas.
Foi assim com Rafael Padilha, o primeiro artista negro a fazer sucesso na França, como o palhaço Chocolat, em pleno século 19. Diante do seu sucesso como mímico, ganhou muito dinheiro, mas não tinha documentos, sequer uma carta de alforria. Por causa disso, era alvo fácil para que racistas o colocassem atrás das grades. E ironicamente, longe dos palcos, em uma das celas, Chocolat, através dos livros, passou a ter consciência de que parte do seus shows só ajudavam a propagar a ideia de animalização dos negros entre os brancos.
A história de Rafael Padilha, em muito, toca a do nosso Mussum (Antônio Carlos Bernardes Gomes), que também viveu o dilema de fazer a plateia rir em cima de estereótipos racistas, mas que além dos palcos, brigava literalmente, para demarcar a sua fronteira. Os dois traziam o álcool em comum, como caminho libertador para suas dores. E, agora me pergunto, que ressaca teriam, se hoje pudessem ver, em uma partida de futebol, um irmão de cor, enfrentar uma plateia furiosa, como se a bradar, racismo há muito tempo, já uma piada sem graça!
Blog rafaelrag/paraibaonline
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