1951-2017
Luíz Melodia nasceu em 1951, no morro do Estácio, no Rio de Janeiro e desde criança gostava de música, inspirado em seu Pai que era violeiro. Ele internado em fevereiro deste ano e vinha lutando contra o câncer de médula óssea, faleceu na madrugada do dia 4 de agosto.
Luiz Melodia- Mais uma pérola da MPB que se vai |
Breve mensagem no celular. “Sem Melodia". Entendi. Os sons, pedaços de música, ocuparam a mente. “O sol não adivinha...". E a vontade de chorar ficou presa no peito. “Tente esquecer em que ano estamos". Era 1972 quando ouvi pela primeira vez “Pérola Negra".
As músicas foram marcando as pessoas da minha geração, que era a dele. Ontem, dia de sua morte prematura, eu e uma amiga, que amamos Melodia desde o primeiro acorde ouvido naqueles anos iniciais, nos trocamos condolências o dia inteiro. Ela o conheceu de vida vivida e virou amiga. Eu apenas fã. Pedi que ela me falasse dele, de coisas que eu não sei. E foi ela, Sandra, quem me lembrou que fomos todos marcados por Luiz Melodia, em algum momento da vida, por alguma música.
“No coração do Brasil". Eu estava na semana passada no coração do Brasil. Ou no seu extremo. Andei domingo inteiro na área rural de uma cidade pequena, que fica naquela pontinha do Rio Grande do Norte onde o mar faz a curva. Ando atrás de histórias que possam me fazer entender que caminhos podemos ter daqui para a frente.
“Tente esquecer esse seu novo engano". Reouço uma música aqui e outra ali que vou me lembrando nesse dia de trabalho sobre fatos destoantes. Num show, décadas atrás, ele pediu que todos ali apenas aproveitassem a noite “porque música é tão saudável, tão nutritivo. Por isso música nos seus ouvidos". Foi o que ele nos deu a vida inteira. Melodia começara aquele show com um presente para os ouvidos presentes. “Fadas”. Nela, os versos vão se sucedendo em beleza pura. Tudo perfeito nessa música. “Devo de ir, fadas, inseto voa em cego sem direção”. E voa mais: “Eu bem te vi. Nada. Ou fada barboleta ou fada canção. As ilusões fartas”. Ele quebra a frase, como se houvesse um ponto entre “as ilusões" e “fartas". Depois, em outro tom, voa mais alto: “Um toque de sonhar sozinho te leva em qualquer direção. De flauta, remo e moinho". E fecha com o verso mais lindo, perfeita aliteração. “De passo a passo passo".
Passa não Luiz do Morro de São Carlos. Fica. Tão novo, Melodia. Tão cedo. O sol nem adivinha a falta que você faz.
A sensação que tenho é que “Fa-Tal” de Gal é o começo do mundo. Eu ouvia Pérola Negra de furar disco que não me pertencia. Um prazer roubado. No ano seguinte, ouvi a música na voz do próprio autor, Luiz Melodia, e constatei o mistério do talento duplo: sua voz era tão linda quanto as composições que fazia. Eram anos de se esquecer, aqueles 1972 e 1973. A gente cantou com eles e isso nos fez tanto bem. “Tente passar pelo que estou passando". Nós desentendidos de tudo, especialmente da vida, precisávamos apenas de que alguém se colocasse ao nosso lado. E a tristeza ficava macia no peito, não machucava não, porque eles cantavam. “Tente usar a roupa que eu estou usando”. Era, baby, um tempo louco, aquele inicial da vida. “Arranje algum sangue, escreva num pano". O que eram aqueles versos belos e estranhos? Sabíamos pouco. Mas música tínhamos. “Rasgue a camisa, enxugue meu pranto". Confusos no amor. “Baby te amo, nem sei se te amo".
“Meu nome é Ébano" veio depois de Pérola Negra. Sempre com a mesma cor forte. “O couro que me cobre a carne". “Codinome Beija Flor é bem depois de novos enganos. “Para que mentir, fingir que perdoou. Ficar amigos sem rancor. A emoção acabou. Que coincidência é o amor. A nossa música nunca mais tocou.” Ele era assim. Sonoridade e poesia, adivinhando sentimentos coletivos. “Você sonha acordada, um jeito de não sentir dor". Com letras de puro lirismo, um som único, e uma voz doce, doce, doce. Marcante. O que tocava virava ouro. “Diz que fui por aí" é de Zé Keti. Mas parecia mais um samba que ele fazia.
Angela Leal, atriz, mãe de Leandra, me ligou um dia, anos atrás.
– Soube que você gosta do Luiz Melodia.
– Amo.
– Então venha ouvi-lo no Teatro Rival.
Fui. Horas ali pertinho. Só ouvindo. Música nos meus ouvidos, adoçando, tornando tudo mais fácil. Não era a primeira vez que o ouvia. Mas aquele dia fiquei devendo a ela, Ângela. Ontem fiquei lembrando disso, e dele, e das músicas. E tudo o que disse no balanço da semana no rádio, sobre o que de fato ocupava a minha mente, foi que o país fica agora com seus muitos problemas e sem Melodia.
VEJA E ESCUTE LUIZ MELODIA - Estácio Hollyday Estácio
Baby, eu não sei. Não tenho por ofício a crítica musical. Nem sei porque escrevo isso aqui nesse espaço generoso dos sábados. Talvez devesse falar de coisas que sei. Por que alguém assim vai embora aos 66? Eu não sei. Não entendo música, sequer entendo a vida que nos tirou Melodia. Agora estamos aqui sozinhos: “O Estácio, eu e você".
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* Miriam Leitão é jornalista e escritora. Escreve crônicas aos sábado.
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