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quinta-feira, 27 de abril de 2023

Pesquisadores brasileiros avançam no desenvolvimento da orbitrônica




Em um artigo publicado recentemente no periódico Physical Review Letters, uma equipe composta por pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF), da Universidade Federal do ABC (UFABC), do Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais (CNPEM) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) conectaram dois conceitos relevantes: o de isolantes topológicos de mais alta ordem e o de efeito orbital. Esses pesquisadores possuem grande experiência e tradição no estudo de materiais quânticos e este trabalho dá um passo a mais no desenvolvimento da emergente área da orbitrônica, que se dedica a manipular o momento angular dos elétrons que se movimentam em sólidos. Essa área pode contribuir para impulsionar o avanço de tecnologias e dispositivos mais eficientes, como transistores magnéticos e sensores, bem como facilitar a miniaturização de chips e alavancar computação quântica.

Segundo o pesquisador Marcio Costa, da UFF, isolantes topológicos proporcionam a propagação de elétrons sem dissipação de energia em sua superfície, desde que não se altere a simetria cristalina que protege o estado topológico, que é um estado quântico da matéria o qual não se encaixa no paradigma que liga transições de fase com quebras espontâneas da simetria. O cristal de Na3Bi (bismuto trissódico) bidimensional, por exemplo, que tem uma estrutura hexagonal e estrutura de bandas que contém um gap que faz com que ele seja isolante, é protegido por uma simetria de rotação. Quando esse material é transformado em uma estrutura unidimensional, na forma de uma fita, surgem estados metálicos nas bordas do material que permitem a propagação de elétrons, em princípio, sem dissipação de energia, desde que permaneça inalterada a simetria de reversão temporal. Essa simetria é uma propriedade teórica das leis da física que descreve como elas se comportam sob a transformação da reversão do tempo e é prevista para acontecer em medições quânticas. Assim, para que a topologia de mais alta ordem se manifeste, é preciso transformar uma estrutura bidimensional (2D) em um fio, uma estrutura 0D, que é chamada de flake e deve preservar a simetria que protege o estado topológico. No caso da simetria de rotação, o flake deve ser hexagonal.

                                   Marcio Costa, pesquisador da UFF
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De acordo com a revista Pesquisa Fapesp, na superfície de um isolante topológico, os elétrons de uma corrente elétrica que deslizam sobre ela têm seus spins alinhados sem a aplicação de um campo magnético externo e sob uma temperatura ambiente, um comportamento que só tinha sido observado em materiais submetidos a campos magnéticos muito intensos e temperaturas próximas do zero absoluto. Com isso, os elétrons conseguem passar rapidamente por impurezas ou imperfeições na superfície de um cristal sem que ocorra perda de energia ou desvio, conforme acontece na maior parte dos materiais. Outra vantagem é que se trata de materiais que podem ser obtidos de forma relativamente barata.

Já se sabe que os isolantes topológicos têm uma conexão com o efeito Hall de spin. Assim, quando se aplica uma corrente de carga longitudinal a esses materiais, surge uma corrente de spin transversa a ela. Então, é possível calcular a condutividade Hall de spin do isolante topológico. Mas, sabendo da conexão entre o isolante topológico e o efeito Hall de spin, os pesquisadores se perguntaram se alguma outra fase topológica exibe conexão desse tipo. E a resposta é sim: os isolantes topológicos de mais alta ordem (HOTIs, do inglês Higher Order Topological Insulators) também se conectam com o efeito Hall de spin. Então uma equipe composta por Marcio Costa e Adalberto Fazzio, entre outros pesquisadores, fez um estudo em que se calculou a condutividade Hall de spin para quase 700 isolantes. Como resultado, foram encontrados sete materiais que apresentam condutividade de spin não nula no gap. Depois dessa publicação, surgiram artigos mostrando que o dissulfeto de molibdênio (MoS2) e outros materiais do tipo também são HOTIs. Os pesquisadores brasileiros mostraram em seu trabalho mais recente que o efeito Hall orbital, que consiste na criação de um fluxo transversal de momento angular orbital induzido por um campo elétrico longitudinal, está diretamente conectado com esses HOTIs.

De acordo com a pesquisadora Tatiana Rappoport, da UFRJ, os elétrons que se movem nos sólidos vêm de orbitais atômicos que têm momento angular. Então, em alguns tipos de materiais, quando se aplica uma corrente elétrica, uma parte dos elétrons vai fazer uma rotação para um lado e outros fazem rotação para o lado oposto, gerando uma corrente de momento angular transversa, como acontece no efeito Hall de spin. Esse efeito tem sido estudado em dicalcogenetos de metais de transição (TMDs – Transition Metal Dichalcogenides), que são semicondutores compostos por um átomo de metal de transição e dois calcogênios.

                                  Tatiana Rappoport, física da UFRJ

A pesquisa com essa propriedade de tais materiais começou quando os pesquisadores mostraram que, na fase 2H ou trigonal prismática, mesmo sem serem isolantes topológicos, eles não só tinham efeito Hall orbital, como também tinham um plateau bem parecido com o efeito Hall de spin. No entanto, muitos pesquisadores acharam que o que estava sendo observado era, na verdade, um efeito Hall de vale, no qual uma corrente transversal de vale se produz devido à curvatura de Berry, que é uma análoga do campo magnético e atua no espaço dos momentos. E eles também se perguntaram onde estariam os estados de borda capazes de conduzir o momento angular orbital em uma fase isolante para que o plateau observado pudesse aparecer.

Respondendo a esses questionamentos, juntamente com Marcio Costa, Tatiana Rappoport conseguiu mostrar que esses materiais, que não podem ter efeito Hall de vale, têm efeito orbital. Isso significa que eles mostraram que tais materiais têm estados de borda e podem conduzir momento angular orbital. E, depois disso, dois estudos mostraram que os dicalcogenetos também são HOTIs. Tanto dicalcogenetos monocamadas centrossimétricos (em fase paraelétrica, na qual a aplicação de um campo elétrico provoca polarização ou alinhamento de dipolos paralelos a esse campo elétrico) quanto não centrossimétricos (em fase ferroelétrica, na qual se observa polarização elétrica espontânea no material), se cortados em uma direção arbitrária, sem preservar a simetria que protege seu estado topológico, podem ter estados de borda metálicos e podem conduzir corrente de momento angular orbital. Isso pode ser usado para injetar corrente orbital de forma eficiente em novos dispositivos da spin-orbitrônica. Essa corrente orbital consiste em uma corrente de elétrons que têm seus momentos angulares alinhados, compondo um circuito.

No estudo que acabaram de fazer, os pesquisadores brasileiros utilizaram a teoria de densidade funcional e cálculos da resposta linear para estudar a interação do efeito Hall orbital e as fases HOTI em monocamadas de dicalcogenetos de metais de transição respeitando a simetria de rotação C3, na qual a molécula pode girar para três orientações equivalentes, com 120o de distância. Eles descobriram que dicalcogenetos 1T (com simetria tetragonal, uma camada na cela unitária e coordenação octaédrica) centrossimétricos também podem ser isolantes topológicos de ordem superior. E conseguiram correlacionar o aparecimento de uma fase HOTI em duas estruturas diferentes com uma fase Hall orbital isolante.

Os pesquisadores constataram que, em analogia com o efeito Hall spin quântico fotônico, eigenstates do momento orbital angular desempenham o papel de pseudo-spins (graus quânticos adicionais de liberdade), sendo eigenstates do operador de rotação C3, que protege o HOTI. Eigenstates são estados de sistemas dinâmicos quantizados, como átomos, moléculas ou cristais, nos quais a energia ou o momento angular tem um valor fixo determinado. Devido à natureza orbital dos pseudo-spins, a fase topológica de ordem superior pode ser verificada pelo efeito Hall orbital. Para mostrar explicitamente essa conexão, os pesquisadores utilizaram um modelo de baixa energia bem conhecido para HOTIs e o modelo de três orbitais d para TMDs 2H (com simetria hexagonal, duas camadas na cela unitária e coordenação trigonal prismática).

O artigo “Connecting Higher-Order Topology with the Orbital Hall Effect in Monolayers of Transition Metal Dichalcogenides”, na íntegra, pode ser encontrado na PHYSICAL REVIEW LETTERS 130, 116204 (2023).

Por Flávia Natércia

Blog rafaelrag

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