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terça-feira, 21 de maio de 2019

UMA TRAGÉDIA ANUNCIADA POR PROFESSOR DA UFCG.


 Relato de um professor de um campus de expansão da UFCG
                     Ramilton Mariano.
Embora, previamente anunciados os sinais da tragédia só começaram a se concretizar no final do ano de 2010, em meio a uma solenidade pomposa. Era a primeira colação de grau dos alunos do Centro de Educação e Saúde da UFCG na cidade de Cuité, interior da Paraíba.

Os sinais estavam espalhados por todos os lados, nas roupas e calçados simples de pais e mães, agricultores e trabalhadores daquela região pobre que, pela primeira vez na vida, pisavam num ambiente como aquele; os sinais estavam nos sorrisos incontidos dos filhos e filhas, com as suas becas impecáveis e com os olhares que, absurda e teimosamente, enxergavam a promessa do futuro roçar-lhes a pele e confirmar os devaneios, nunca antes ousados, de estarem ali, formados por uma instituição pública de ensino superior, implantado havia cinco anos através do processo de expansão universitária.

Já naquele ano eu havia vislumbrado aquela tragédia em números quando coordenei uma pesquisa para traçar o perfil dos alunos do campus e vi que 80% deles estudaram em escolas públicas e 40% tinham uma renda familiar mensal que não ultrapassava um salário mínimo.

Todavia, o marco inicial daquela tragédia foi um setembro primaveril de 2006, quando o campus foi inaugurado. Naquele ano ingressaram os 119 alunos pioneiros e chegavam pra morar naquela cidade, perdida e esquecida de todos os mapas até então desenhados, 20 professores, a grande maioria composta por jovens doutores e 06 servidores técnico-administrativos que embarcavam naquela experiência única com a incurável vontade de ensinar, aprender e transformar.

Depois de 13 anos, a tragédia espalhou-se e multiplicou-se. Em 2019, já eram 1.700 alunos matriculados e 130 professores contratados ( mais de 80% doutores ) nos cursos de licenciatura em Química, Física, Matemática e Biologia e Bacharelados em Enfermagem, Nutrição e Farmácia, além de um Mestrado em Ciência Natural e Biotecnologia. Nesses 13 anos, o campus de Cuité formou 4.874 jovens alunos, que superaram limites, confrontaram as linhas inimigas do impossível e fizeram-se soldados da ciência e do saber.

Mas a tragédia anunciada não parou por aí, acabou pulando os muros do campus e ganhando o mundo ao seu redor. O ensino fundamental e médio de muitos municípios circunvizinhos obteve suporte, consistência e qualidade com os projetos de extensão e parcerias estabelecidos com a universidade e com o ingresso de professores capacitados nas áreas duras: física, matemática, química e biologia; Cuité e outras cidades vizinhas cresceram horizontal e verticalmente; cresceram o comércio, o setor de serviços e a indústria de construção civil; a arrecadação de impostos saltou vertiginosamente para cima; e elevou drasticamente a circulação monetária no município com mais de 20 milhões anuais aplicados em recursos de capital, salários, bolsas de estudo, promovendo um crescimento sustentável em toda região. Mas, acima de tudo, espalhou-se nas novas perspectivas de vida e de futuro de crianças e de jovens pobres que passaram a contemplar a educação como a condutora e protetora dos seus sonhos e oportunidades.

Desde aquela primeira formatura, muitos alunos já se tornaram doutores, mestres, pesquisadores e professores em universidades, escolas públicas e privadas de ensino fundamental e médio; muitos hoje são enfermeiros, farmacêuticos, nutricionistas dividindo o saber da sua profissão na condução de um mundo melhor, mais justo, mais saudável e espalhando, por lugares longínquos de onde vieram, a saudade e a lembrança daquele campus verde e florido e daquela cidade serrana, fria e hospitaleira que os recebeu, abrigou e os preparou para conduzirem um mundo com mais sabedoria e menos tragédia.
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Ramilton Marinho é doutor em sociologia e professor titular da UFCG

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