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quarta-feira, 7 de março de 2018

Educação infantil avança, mas ainda está longe das metas


País atrasa universalisação em dois anos e mantém índices abaixo dos sugeridos pela OCDE

Apontada como determinante para garantir que o desenvolvimento humano alcance todo o seu potencial, a educação infantil brasileira está atrasada em suas metas de acesso e qualidade. Embora tenham crescido nos últimos anos as matrículas em creches e pré-escolas, o país ainda não alcançou a universalização, prevista no Plano Nacional de Educação, que devia ter acontecido em 2016. Pesquisadores ouvidos pelo Valor também destacam que falta garantir acesso e qualidade justamente às crianças mais pobres, que dependem da educação infantil como oportunidade de sair da pobreza ao longo da vida.

Em 2017, segundo dados do Censo Escolar, 90,2% da população brasileira de 4 e 5 anos de idade estava matriculada na pré-escola. Desde 2016, a matrícula nessa faixa etária é obrigatória, pois passou a integrar o ciclo da educação básica. Já na idade em que as crianças frequentam as creches, até 3 anos de idade, só 30, 4% da população era atendida no ano passado. O Plano Nacional de Educação previa que todas as crianças de 4 e 5 anos de idade estivessem matriculadas na pré-escola em 2016. E que, no mínimo, 50% das crianças de até 3 anos até 2024, quando termina a vigência deste PNE.

"Quem são as crianças que estão fora das creches? A maioria são as crianças que pertencem ao 25% mais pobre da população, não brancas, que residem nas periferias", diz afirma Beatriz Abuchaim, coordenadora de educação infantil da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal. A falta de cuidado adequado durante os primeiros três anos de vida pode limitar o desenvolvimento da criança, como alerta o relatório "Oportunidades educacionais para todos", elaborado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). "Ambientes inadequados de aprendizado, tanto dentro quanto fora da casa de uma criança, podem impedir vários estágios que são necessários à criança".

Além disso, de acordo com o relatório da OCDE, crianças que não recebem atenção adequada quando pequenas têm mais chances, no futuro, de tornarem-se alunos repetentes, desistentes, desempregados ou em trabalhos com baixos salários. Para a elaboração de políticas públicas, como indica a produção acadêmica sobre o tema, investir na educação infantil é a maneira mais barata de evitar dificuldades de aprendizado e evasão escolar ao longo da vida. Estudos como os do economista americano James Heckman, prêmio Nobel em 2000, apontam que o investimento em educação tem mais retorno na primeira infância do que quando se investe nas etapas de ensino posteriores. Denise Cesario gerente executiva da Fundação Abrinq , diz que o tema precisa ser tratado como prioridade. "Ainda existem aproximadamente 300 mil crianças fora da pré-escola, quando a universalização já deveria ter ocorrido", afirma.

Maria Malta Campos, pesquisadora sênior do departamento de pesquisas educacionais da Fundação Carlos Chagas, diz que a partir de agora o poder público precisa ser mais proativo para buscar as crianças que ainda não foram matriculadas. "As crianças que ainda estão fora da pré-escola devem ser aquelas mais difíceis de atingir, devido à região em que residem ou por determinadas situações familiares de exclusão social", afirma.

Outro ponto crítico, na visão dos especialistas, é a participação do setor privado na oferta de creches. De acordo com dados da OCDE de 2015, 36% das crianças matriculadas em creches e 25% das da pré-escola brasileiras frequentam instituições privadas, abaixo das médias da OCDE de 55% e 33%, respectivamente. São dois tipos de instituições: as conveniadas com o governo, que recebem parte de seu financiamento do poder público, e as privadas independentes.

Um problema do modelo de parceria com creches p
rivadas, na visão de alguns acadêmicos, é a disparidade na qualidade do serviço prestado.
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No Brasil, o atendimento da educação infantil é de responsabilidade dos municípios, que compartilham os recursos com Estados e União. "Muitas cidades, pela falta de recursos, optam por atender a demanda por creches por meio dos convênios, em que os recursos recebidos do Fundeb são repassados para empresas privadas ou organizações da sociedade civil", explica a pesquisadora Denise. Ela defende que seria necessário que cada prefeitura fiscalizasse e orientasse a atuação dessas instituições conveniadas. "A ideia não é dar acesso a qualquer educação infantil. Por outro lado entendemos o lado das prefeituras, que muitas vezes têm uma lista de espera muito grande e instituições na cidade que já fazem esse trabalho", diz.

Em carta divulgada no ano passado, a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) previa que, para atingir algumas das metas do PNE em 2024, seria necessária a criação de 3,4 milhões de matrículas na creche e 700 mil na pré-escola. Para cumprir tais objetivos, a entidade cobrava uma atuação mais forte da União. Maria Malta, da Fundação Carlos Chagas, diz que um estudo realizado por sua equipe sobre a gestão da educação infantil em seis capitais brasileiras indicou que as professoras das unidades conveniadas "ganham menos e trabalham mais horas diárias do que as professoras das unidades diretas, e sua formação inicial foi realizada em cursos de menor qualidade. Os diretores também apresentam defasagens semelhantes", afirma, ponderando que há heterogeneidade de condições de funcionamento tanto na rede conveniada como na rede direta de educação infantil.

"Dado o longo benefício que a educação infantil tem para o desenvolvimento das crianças, bem como para os pais e para a sociedade, é importante que todas as crianças tenham acesso a educação infantil de qualidade e que eles possam pagar", diz a OCDE no relatório "Education at a Glance 2017".

Denise afirma que, antes mesmo do PNE atual, a meta de atender metade da população de zero a três anos com creches já deveria ter sido cumprida em 2011, no primeiro plano nacional de educação, segundo a pesquisadora. "Levamos três anos para aprovar um novo plano de educação, em 2014, e essa meta de inserção de 50% das crianças foi repactuada para 2024", explica. "A população mais vulnerável é justamente quem mais precisa das creches", destaca. A disponibilidade das creches também é fundamental para a empregabilidade das mães de baixa renda, que em geral perdem oportunidades de trabalho por não terem com quem deixar os filhos.

Os dados indicam também a precariedade na infraestrutura da educação infantil, retratada no Censo Escolar: só 61,1% das creches têm banheiro adequado à educação infantil e apenas 33,9% possuem berçário; só 29,6% das creches e 27,3% das pré-escolas dispõem de área verde. "Isso em instituições onde as crianças passam muitas vezes até 8 ou 10 horas por dia", critica.

Ainda de acordo com o Censo Escolar, o percentual de professores da educação infantil com nível superior completo subiu de 64,1% em 2016 para 65,9% em 2017. Em 2013, era de 58,5%. Maria Carmen Silveira Barbosa, pós doutora em educação e professora titular da UFRGS, destaca a importância de se valorizar e qualificar o profissional que atua na educação infantil. "As professoras estão ficando mais velhas e não vai haver reposição com qualidade se a carreira não se tornar atrativa", diz a pesquisadora. O número de matrículas na pré-escola (4 e 5 anos de idade) foi de 5, 1 milhões em 2017, alta de 1,2% ante o ano anterior. Ainda de acordo com o MEC, há 105 mil escolas que oferecem pré-escola no Brasil e atendem a 5,1 milhões de alunos. Já as matrículas em creches foram em 2017 de 3, 4 milhões, alta de 5,2%.

De acordo com os números da OCDE, o governo brasileiro gasta 0,6% do PIB em educação infantil, menos que a média de 0,8% do bloco; o gasto das instituições públicas brasileiras nesta etapa é de US$ 3,8 mil por aluno a cada ano, menos que a metade do gasto médio da OCDE (US$ 8,9 mil). Menos, também, que o gasto médio de Chile e Costa Rica. "O gasto baixo se explica pelos salários baixos dos professores e pelo fato de que há menos professores por criança", diz a OCDE. O salário para um professor pré-primário no Brasil com qualificação mínima é de US$ 13 mil por ano; a média da OCDE é US$ 28 mil.

(Valor Econômico)

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