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sábado, 19 de setembro de 2015

Viagem fantástica ao mundo dos bits quânticos


COMO EM 2003 NÃO EXISTIA O BLOG CIÊNCIAS E EDUCAÇÃO, REGISTRAMOS AGORA UMA IMPORTANTE MATÉRIA SOBRE COMPUTAÇÃO QUÂNTICA

Está matéria foi publicada pelo portal da Globo em 6 de Janeiro de 2003 


Descobertas agitaram o mundo da física de partículas no fim do ano passado e podem abrir novas portas para a computação quântica. Primeiro, o professor Francesco De Martini e sua equipe da Universidade de Roma La Sapienza praticamente conseguiram fazer uma operação lógica especialíssima dentro de um bit quântico (qubit) — que não havia sido alcançada antes — e, depois, os físicos Markus Drescher (Universidade de Bielefeld, Alemanha) e Ferenc Krausz (da Universidade de Tecnologia de Viena, na Áustria) conseguiram “fotografar” os elétrons em movimento perto do núcleo de um átomo. Coisas de dar nó no cérebro. 

Quem comenta os detalhes de ambos os experimentos é o físico Ivan Oliveira, pesquisador do Grupo de Ressonância Magnética Nuclear do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), na Urca.

— O que se fez em Roma foi um NOT, operação lógica de negação que é básica em qualquer computador. Num computador comum, ela funciona assim: se você tiver o bit no estado 1, você aplica NOT e ele vai para zero e vice-versa — explica. — Em computação quântica, você substitui os bits pelos qubits. Lembre-se, enquanto o bit usual só pode existir no estado 0 ou 1, que são estados excludentes, um qubit pode existir numa superposição de 0 e 1. É como se você pudesse ter cara e coroa ao mesmo tempo numa moeda. 

Segundo Ivan, se se trabalha com 0 ou 1 num qubit, é possível realizar o NOT sem problemas. Isso já foi demonstrado em vários sistemas, via ressonância magnético-nuclear, óptica, etc. Mas, no caso da superposição do 0 e 1 do qubit, não existe como fazer um NOT. Ou não existia. 

— A mecânica quântica proíbe que se faça a operação NOT nesse caso, simplesmente porque você nunca tem acesso a toda a informação quando há superposição num qubit, por não conseguir observar tudo. Existe uma parte da informação que fica escondida ali dentro, daí a impossibilidade do NOT. Como você vai realizar a negativa de uma coisa que você não conhece, certo? — pondera Ivan. — No entanto, é essencial saber fazer isso. Por quê? Porque nas futuras aplicações da computação quântica (se algum dia aparecer um computador quântico) será mais do que necessário efetuar operações lógicas com os qubits, como o NOT. Também seria fundamental obter em nível quântico a clonagem de bits, em que você entra numa chave lógica com um bit 1 e saem dois bits 1 do outro lado. Ai há outro problema: a mecânica quântica diz ser impossível clonar um estado quântico sobreposto. 

O que De Martini fez foi quebrar esses tabus. O experimento dos físicos o mais próximo possível de uma operação NOT e de uma clonagem num bit quântico num estado sobreposto, usando fótons. O sucesso do experimento foi bem próximo da situação ideal teórica. Ou seja, eles chegaram quase lá. 

— Só que “lá” é impossível — diz Ivan. — Mas o controle sobre tais coisas é importante para implementar daqui a alguns anos a manipulação de fótons em redes ópticas quânticas. 

E isso teria aplicações em quê?, perguntará o leitor. Bem, só para citar um exemplo, na criptografia quântica, poderosa o suficiente para criar redes de dados virtualmente invioláveis no futuro. 

“Fotografias” de elétrons em pleno movimento

O experimento na Áustria e na Alemanha, em que se “fotografaram” elétrons moventes, foi tão cabeludo quanto o anterior. Ele criou novos paradigmas para medir o movimento no mundo subatômico.

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— Os físicos estão sempre interessados no movimento porque, se você o compreende, explica várias coisas — a alternância do dia e da noite (o movimento da Terra), a alternância das marés (os movimentos da Lua), a radiação Singleton (fruto do movimento de elétrons), etc — diz Ivan. — Acontece que, se você quer fotografar o movimento, as coisas podem ser complexas. Peguemos um exemplo esportivo: na foto de uma falta batida pelo Marcelinho Carioca, que costuma chutar milimetricamente, com sutileza, é provável que você veja os detalhes da bola, porque as velocidades da câmera e do fenômeno observado são compatíveis. Ganha-se resolução. Já a bola de uma bomba do Roberto Carlos pode aparecer como um borrão na foto, devido à velocidade muito maior do que o tempo característico de observação. 

Na física atômica, acontece o mesmo problema, guardadas as devidas proporções. Os elétrons num átomo estão estão dispostos em níveis discretos de energia, em orbitais quânticos. E os elétrons mais perto do núcleo estão mais “presos” a ele do que os que estão mais longe. Estes, é mais fácil arrancar de suas órbitas. Mas, se você arranca um elétron perto do núcleo (usa-se raios X para tal), cria momentaneamente um buraco ali. E essa “vaga” é quase instantaneamente ocupada por outros elétrons, em bilionésimos de bilionésimos de segundo (attossegundos). 

— Até o experimento, esse tempo do reagrupamento de elétrons era inferido de maneira indireta. Em Viena, eles mandaram um raio-X para dentro de um átomo de kriptônio (um gás nobre). Com o raio-X, arrancou-se um número grande de elétrons e, a partir da distribuição de energia desses elétrons que saem do átomo, calculou-se o tempo do reagrupamento lá dentro. — diz Ivan. — É fotografia nesse sentido, não diretamente: acompanha-se a evolução do processo, via comparação dos níveis de energia, tudo em tempo real. É como se a Nikkon inventasse uma câmera para pegar todos os detalhes do chute do Roberto Carlos. 

Acompanhar esses processos em tempo real é de extremo interesse científico. Isso terá aplicações indiretas na tecnologia de laser, na eletrônica ultra-rápida, e no uso de processos ópticos na computação quântica. 

Fonte: O GLOBO ONLINE 

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