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segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Maryam Mirzakhani, a primeira mulher a ganhar a Medalha Fields

"A beleza da matemática só se revela a quem a persegue mais pacientemente” M. Mirzakhani
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Henri Poincaré famosamente apontou que “um homem não se faz matemático, nasce matemático”. Sem considerar o que se pensava um século atrás sobre os dons femininos, pode estranhar o fato de que ele não ter falado “uma pessoa”, e sim “um homem”. Mas até o final do século XIX, mulheres muito raramente eram sequer aceitas como estudantes em universidades, pois seus dons eram questionados antes de pelo menos se ter a ideia de submetê-los a um teste. No campo das ciências, a primeira mulher a desafiar o preconceito foi a polonesa Marie Curie (1867 – 1934). Educada precocemente em ciências por seu pai, professor de matemática e de física, Curie cursou uma universidade clandestina que desafiava as leis da Rússia, a cujo império a Polônia estava subjugada, e aceitava mulheres. Mais tarde mudou-se para a França e conquistou dois prêmios Nobel, primeiro o de física (1903) e depois o de química (1911).

A alemã Emmy Noether (1882 – 1935), quase contemporânea de Curie, ingressou na matemática também pelo fato de seu pai ser professor dessa disciplina na Universidade de Erlanger, onde ela estudou até obter o doutorado em 1907. Mas viu-se obrigada a ensinar sem salário no Instituto de Matemática de Erlanger até que em 1915 David Hilbert, o mais famoso matemático da época, a convidou para a Universidade de Göttinger, onde ele era professor. Mas o departamento de filosofia negou-lhe ingresso à docência em Göttinger e por quatro anos ela viu-se obrigada a ministrar cursos sob o nome de Hilbert. É comumente apontada como a maior matemática da história. Deu também uma contribuição seminal para a física, o teorema de Noether, segundo o qual há uma lei de conservação associada a qualquer simetria contínua de um sistema físico, e que é hoje um dos pilares da física teórica.
A partir de meados do século XX, o número de mulheres de destaque nos campos de ciência e matemática tem crescido com velocidade crescente, em decorrência tanto da redução do custo da maternidade na vida das mulheres quanto do menor efeito dos estereótipos feminino-masculino na cultura moderna. Mas se tomarmos o prêmio Nobel como um indicador de desempenho nessas áreas, veremos que o espaço ocupado pelas mulheres ainda é muito pequeno. Até o presente, os números de ganhadoras do Nobel são 2 para a física, 4 para a química e 10 para a medicina. Das 10 premiações a mulheres em medicina, 4 ocorreram no século XXI.

Não existe o prêmio Nobel de matemática. Por isso, foi criada a Medalha Fields, outorgada desde 1936 pela União Internacional de Matemática e considerada equivalente ao Nobel. Em 12 de agosto de 2014, no Congresso Internacional de Matemática, realizado em Seul, a Medalha Fileds foi outorgada pela primeira vez a uma mulher, a iraniana Maryam Mirzakhani, nascida em Teerã em 1977.
Desde menina, Mirzakhani lia avidamente tudo que lhe caía às mãos. Tinha um gosto distinto pelas obras de ficção e por biografias de mulheres famosas, como Marie Curie e Helen Keller, e também uma imaginação inquieta. Já aos oito anos, ao deitar-se inventava para si mesma histórias de uma menina extraordinária que a cada noite vivia um papel distinto, mas sempre admirável, fato sugestivo de que sua mente já urdia grandes sonhos para a própria vida. Pensava talvez em tornar-se romancista. Seu interesse pelas ciências foi despertado pelo irmão mais velho, que lhe narrava o que tinha aprendido na escola. Fascinou-a especialmente a explicação de como Gauss inventou em um lampejo como poderia obter a soma dos números inteiros de 1 a 100. No segundo ano do ginásio, por volta dos 12 anos, um professor estimulante e perceptivo despertou seu interesse definitivo pela matemática. Já cursava a Escola Farzanegan para meninas, em Teerã, administrada pela Organização Nacional para o Desenvolvimento de Talentos Excepcionais. Desde então se tornou a estrela da escola, segundo sua grande amiga e colega de turma Roya Beheshti, hoje professora de matemática na Universidade de Washington em St. Louis. Em 1994, já no ensino médio, participou pela primeira vez de uma Olimpíada Internacional de Matemática, na qual ganhou uma medalha de ouro. Era a primeira que uma mulher iraniana participava das OIM. No ano seguinte, foi a outra OIM. Novamente, medalha de ouro, dessa vez com um escore perfeito, feito inédito para qualquer iraniano.
Fez o bacharelado em matemática na Universidade Sharif de Tecnologia (Teerã) e o doutorado em Harvard. Logo ao ingressar em Harvard, passou a comparecer aos seminários informais de Curtis McMullen, medalhista Fields em 1998. Segundo uma sua narrativa posterior dessa experiência, pouco entendia do que o professor estava dizendo. Mas no final fazia perguntas e admirava-se com a clareza (sic) e a elegância da sua explicação. Suas perguntas também deveriam revelar uma mente arguta, dados o esforço de McMullen em dar-lhe uma explicação mais clara e o fato de tê-la aceitado como orientada de tese. Terminou o doutorado em 2004 e após estágio de um ano no Instituto Clay de Matemática e uma posição de professor assistente em Princeton, ingressou em 2008 em Stanford como professora titular. Tem realizado pesquisa em topologia e geometria de superfícies abstratas. Seu trabalho é de matemática pura, mas tem aplicações diversas, desde sistemas dinâmicos à estrutura do especulado multiverso.
Sua personalidade combina grande autoconfiança com uma postura modesta. Certa vez, indagada sobre o que tinha feito de mais importante em um dado campo da sua pesquisa, ela gargalhou, hesitou um pouco e respondeu: “Para ser honesta, não creio ter feito nada realmente muito notável”. Quando recebeu um email comunicando que receberia a Medalha Fields em Seul, imaginou que o site de onde partira o email tinha sido hackeado. Ao receber a Medalha, disse que aquilo era uma grande honra e esperava que muitas outras mulheres iriam alcançar a mesma distinção.
No romance Terra dos Homens, Saint-Exupéry descreve uma cena de um trem, vazando o breu da noite, em que operários exaustos dormem empilhados nas poltronas e até nos corredores, em vagões de terceira classe. A contemplação da cena provocou-lhe a reflexão sobre quantos talentos para as artes, a literatura, a ciência ou a invenção, um ou outro talvez genial, não estariam diante dos seus olhos, mas que não tinham realizado os seus dons pelas contingências das suas vidas. Essa narração é citada de memória e de forma imprecisa, mas creio que não ao ponto de roubar-lhe o realismo e a profundidade. Os ventres maternos são generosos em gerar pessoas com os mais variados dons. Mas na maioria das vezes esses dons, alguns notáveis e preciosos, nunca florescem por falta de cultivo. Um aspecto dessa perda merece menção especial: ao longo da história, a humanidade deixou de lado quase inteiramente, até tempos bem recentes, o diversificado dom das mulheres. Embora esse tremendo desperdício esteja sendo corrigido, há ainda um longo caminho a percorrer.
Blog rafaelrg com com o professor  Alaor Chaves via o  portal da SBF

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