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sábado, 4 de janeiro de 2014

Artigo - Seis filhos

  
Sentada ao meu lado, uma radiante vontade de vislumbrar o mundo.
A somítica distribuição de renda, os degraus que levam aos céus do consumo e o milagre das passagens aéreas descortinaram um futuro fugaz. Ilusório, é claro. Mas já se plasmara como um futuro, tangível para quem nunca teve oportunidade de ter futuro.
Ciosa da idade avançada, apesar do pouco convivio, confidenciou-me apressada. A vida não lhe permitira, teve que cuidar dos pais, dos filhos e, agora, do marido doente. Desde os 17 anos havia se prometido conhecer o Rio de Janeiro. No ocaso da existência, seu sonho realizar-se-ia.
Em vida, a vida consumira a vida. O pouco que restara da vida, ainda eram sonhos,  que não foram consumidos em vida.
Os filhos criaram asas. Por recomendaçào do destino e pelas circunstancias da vida, espalharam-se pelo mundo. Onde andam alguns, não sabe. Desconhece seus paradeiros.
Depois de longo tempo, o filho mais velho a chamara para conhecer os netos.
Ansiosa e apreensiva, adverte:
- O terceiro também é homem. Vai nascer amanhã.
Acrescentou:
- O destino não importa. O que vale é a felicidade.
Mas o que seria esta felicidade?
Convidei-a para sentar à janela do avião. O azul do céu, às alturas, não descortina o futuro, mas fascina à primeira vista.
E assim a viagem foi transcorrendo. O medo da altura se dissipara e o relato se tornara minucioso.
Aqui e acolá, uma pausa. Um acréscimo. Uma correção. Ora para retificar sua origem, para refazer o endereço, para se perguntar pelo destino que não importa e derivar uma possível réstia, uma passagem para a felicidade .


O desfiar dos fios da vida pouco tem a ver com os fios da vida e dos fatos. Sugerem magia e encantamento que são próprios da imaginação de quem desfia os fatos.
A bem da verdade, não iria para o Rio de Janeiro, onde moram um país encantado e um paraíso filtrado pelos portais de turismo. Ali habitam rumores de que a vida reproduz cenários de novelas e castelos de revistas de futilidades.  Ali as fantasias reinam  e se oferecem com toda exuberância aos visitantes no final do ano e no carnaval.
Porém, ela iria viistar outro mundo, um outro Rio. O Rio da corrupção que aflora nas favelas, na indigência política, na barbárie do narcotráfico, nos transportes coletivos degradados, na rede se saúde pública sucateada e nas escolas públicas abandonadas.
Iria visitar a inquidade das populações excluídas e da criminalidade na baixada fluminense. Poderia  almoçar com políticas compensatórias, dormir com o assistencialismo de estatísticas falsificadas e se distrair com índices socioecomomicos, fantasiados para o carnaval da Copa.
Iria conhecer aquela cidade subtraída dos sonhos e das realidades ambiguas. Dos horizontes disjuntivos, que separam  cordilheiras azuis da zona sul da aridez que devora o restante da  cidade.
Iria presenciar pleiteantes ao governo do estado disputando a farsa grotesca. Competindo palmo a palmo, com unhas e dentes a anuencia,  o apoio de forças ocultas que dominam quarteirões, bairros e municipios do Estado.  Iria conhecer o terror, a intimidação, a tortura e o assassinato se impondo como regras de domínio político e territorial.
Iria conviver com a indústria da revitalização urbana que proporciona licitações  fraudulentas e   consórcios públicos privados responsáveis pelo desmonte da sociabilidade. Com  caudais de corrupção brotando de tubulações de esgotos que inundam a cidade. Com a alucinação que transforma  sonhos em devastadoras calamidades justificadas pelos temporais.  Com o castelo de cartas montado para legitimar o desperdício de recursos em obras públicas que desmoronam.  
Mas a cidade, assim como própria vida, renasce a cada dia como possibilidades que são próprias da vida e da sociabilidade.
Por uma ventura, o auspicioso Rio, apesar da indigencia política e da iniquidade, não trairia os sonhos desta velha senhora,  que desde os 17 anos...
Soube depois. Seu neto nascera como prometido. De fato é homem. De fato é mais uma esperança, uma réstia de felicidade, trazidas pela cidade que traz o nome de um rio.
Wagner Braga Batista  para o Blog rafaelRAG

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