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domingo, 2 de junho de 2013

SONHAR PARA QUÊ? ENTREVISTA COM SIDART RIBEIRO

O público universitário não acredita em sonhos

As experiências subjetivas vividas todas as noites ajudam a resolver
problemas do dia a dia e até a ver o futuro, diz o neurobiólogo Sidarta
Ribeiro

A civilização atual não sabe mais sonhar, lamenta um dos maiores
especialistas brasileiros no assunto, o neurobiólogo Sidarta Ribeiro, 42.

Segundo ele, os sonhos são ensaios que auxiliam a pessoa a enfrentar
desafios, assim como eram uma garantia de sobrevivência para nossos
ancestrais.

No Instituto do Cérebro da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do
Norte RN), dirigido por Ribeiro, essas hipóteses são testadas com
equipamentos, à luz das novas descobertas da biologia, da física e da
neurofisiologia.

Toda essa ciência dura não o impede de usar áreas mais elásticas do
conhecimento. Ele incorpora aos seus estudos conceitos vindos da
psicanálise, de relatos de povos primitivos e de pesquisas sobre efeitos
da ayahuasca (chá do Daime) e da maconha.

No momento, o pesquisador experimenta uma nova tecnologia para modificar
neurônios em cérebros de ratos com o objetivo de induzir ao sono e à
concentração da memória. Ele acaba de finalizar um estudo comprovando a
precisão de diagnósticos de esquizofrenia e bipolaridade feitos a partir
de relatos de sonhos de pacientes.

A reportagem da Folha conversou com Ribeiro no Rio, durante um seminário
sobre sono. Leia trechos.

Folha - Qual é, no fim, a função do sonho?
Sidarta Ribeiro - Hoje em dia, nenhuma, porque a gente não dá
importância para o sonho. Em culturas tradicionais, era central. O
público universitário não acredita em sonhos, mas, se a pessoa se
dispuser a fazer um "sonhário" [diário de sonhos], vai perceber que eles
têm função.
O sonho joga estímulos elétricos em suas memórias e você fica
explorando todas as possibilidades, o que pode ou não acontecer. É mesmo
uma capacidade de ver o futuro.

O que mais o sonho faz?
O sonho é sobretudo a articulação de memórias regida pelo circuito de
recompensa do cérebro. Não é reverberar qualquer memória, mas sim
aquelas que têm a ver com procurar o que nos dá prazer e evitar o que é
desagradável. Sonhar serve como um ensaio, uma simulação de expectativas de
recompensas e punições que prepara a pessoa para enfrentar a vida.
Um estudo sobre sonhos de mulheres que se separaram dos maridos
mostrou um padrão entre eles. Primeiro, elas sonham que está tudo bem no
casamento; depois, há uma fase em que sonham que o marido morreu e, por
último, acontece a simulação: nos sonhos, elas ou os maridos estão se
relacionando com outras pessoas.

A psicanálise ajuda a recuperar essas funções dos sonhos?
Acho a psicanálise muito útil, mas não dá para fazer análise com uma
pessoa que não tem introspecção. Que "não sonha". A nossa civilização
esqueceu como se sonha. As pessoas precisam reaprender a sonhar.

Como é esse aprendizado?


É dar ao sonho um lugar de importância. Se a pessoa vai para a cama e
adormece vendo TV, não está se preparando para a experiência importante,
transcendental mesmo, que é sonhar. E se ela se levanta da cama pulando
e vai fazer outra coisa, não tem como se lembrar do que sonhou. A pessoa
tem que treinar essa lembrança.
É preciso também perceber como o cinema e a TV tomaram o lugar de
nossos sonhos. As pessoas sonham acordadas sonhos que são feitos por
outras pessoas, com conteúdos prontos.

Mas esses conteúdos também têm a sua função...
Nada contra, adoro filmes, seriados... O problema é que a gente vive
em um mundo de excesso. Os estímulos hoje são muito mais complexos. Aí
seu sonho é cheio de filigranas, como uma cama com dossel: não tem
utilidade tão real, não vai salvar a sua vida. Só em situações de
estresse eles se tornam mais práticos.

O que é um sonho prático?
É quando ataca um problema concreto. Um estudo que fizemos no
Instituto de Neurociências mostrou que candidatos que sonham com o
vestibular têm notas 30% mais altas do que os outros. Mais interessante:
os que simplesmente sonharam terem passado na prova não foram os
melhores, e sim os que tinham sonhos com as matérias estudadas.
Sonho tem que ter utilidade, como tinha para os homens das cavernas:
se ele sonhava com um tigre no lugar onde costumava beber água, ficava
ligado. Mesmo se só criasse temores subliminares, o sonho aumentava as
chances de sobrevivência.

Animais também sonham?
Todos os mamíferos e alguns pássaros têm sono REM, que é a fase em que
se sonha de forma vívida. Só que os pássaros têm centenas dessas fases.
Devem ser sonhozinhos que duram segundos. Os nossos duram 40 minutos.

E são só quatro por noite?
Eu tenho uma teoria que, apesar de termos quatro episódios de sono
REM, temos milhares de sonhos, mas testemunhamos só um por vez.
Quando sonhamos, todas as criaturas da mente estão acordadas. É um
zoológico: abre a porta e sai tudinho. O nosso "self" [consciência de
si] é só um dos bichos, para onde ele for será o sonho que estaremos
vendo. E são camadas e camadas interpenetráveis de coisas rolando. Por
isso é tão comum você sonhar que entra em um lugar e, de repente, está
em outro.

Como o sr. define consciente e inconsciente?
Inconsciente é a soma de todas as memórias que a gente tem e todas as
combinações possíveis. Por isso é tão grande. Consciente é a mínima
fração disso que está ativa no momento.

E o que é a consciência?



Ninguém sabe. Não há nem mesmo um acordo sobre o que a palavra quer
dizer. A consciência tem a ver com informações que se espalham no
cérebro todo.

Então não dá para definir o lugar da consciência no cérebro?
Eu odeio isso, dizer que cada área faz uma coisa: "Meu hipocampo
navegou, meu hipotálamo sentiu". Não temos controle. Isso só serve para
livro de autoajuda e para vender remédio. Mas as pessoas adoram, parece
que você explicou tudo ao mostrar áreas cerebrais coloridas.

Raio-X Sidarta Ribeiro

NASCIMENTO
16 de abril de 1971, em Brasília

FORMAÇÃO
Ciências biológicas (Universidade de Brasília), mestrado em biofísica
(UFRJ), doutorado em neurociências e comportamento animal (Universidade
Rockefeller, EUA), pós-doutorado em neurofisiologia (Universidade Duke, EUA)

ATUAÇÃO
Diretor do Instituto do Cérebro e professor de neurociências na Universidade Federal do Rio Grande do Norte

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