Piso salarial de R$ 1,4 mil está longe da remuneração de outras profissões, que muitas vezes exigem menos qualificação e dedicação
Fonte: iG
Rita de
Cássia Hipólito desistiu da carreira de projetista para fazer um
mestrado e, por acaso, se tornar uma professora. Ensinar era a atividade
mais compatível com a jornada de estudos. Apaixonou-se pela profissão e
há sete anos trabalha na rede municipal de São Paulo dando aulas de
história. A carreira, já tão desvalorizada, está prestes a perder mais
uma profissional.
A
paulistana de 37 anos, assim como tantos outros colegas, não vê
valorização em seu esforço de se capacitar e dar boas aulas. Os alunos –
e o carinho que demonstram por ela – são a única razão que a mantém na
ativa até agora. Mas o salário, de aproximadamente R$ 2,8 mil por 40
horas de trabalho semanais, a obriga a reavaliar a profissão neste
momento. “Eu não tenho reconhecimento de ninguém. Continuo pelo meu
aluno, não por mim”, admite.
Meses
atrás, Rita adoeceu. O terapeuta recomendava abandonar a profissão. “Eu
chorava, porque não conseguia me imaginar longe da escola. Mas, aí, me
vejo sendo tão maltratada como profissional, penso em largar”, admite. A
professora, que fez bacharelado e licenciatura em Ciências Sociais e
mestrado em sociologia na Universidade de São Paulo, diz que sempre teve
dois empregos para conseguir se manter. “Mas quando vi meu primeiro
holerite me assustei. Eu ganhava mais dando aula particular”, conta.
A história
de Rita, infelizmente, não é isolada. No Dia do Professor, comemorado
nesta segunda-feira, muitos profissionais em todo o País lamentam – em
vez de celebrar – a escolha de carreira que fizeram . O iG ouviu alguns
professores de formação que, mesmo apaixonados pelo trabalho que
desenvolviam, desistiram de tentar sobreviver com o salário da função,
baixo diante de outras profissões, e mudaram de atividade.
Salários desproporcionais
Manoel, Rosângela e Joelma sentem
saudades da sala de aula e dizem que, se as condições de trabalho
fossem melhores e a remuneração mais alta, teriam continuado na
profissão. É fácil compreender as razões deles. Para ser um professor,
por lei, é preciso ser formado em Pedagogia ou em alguma licenciatura,
cujo curso dura pelo menos três anos. Há muitos outros cargos que, com a
mesma titulação, oferecem salários mais atraentes.
Manoel é
servidor público no Senado Federal. Lá, um analista (cargo que exige
apenas a graduação) inicia a carreira ganhando R$ 18 mil. Mais de 10
vezes o piso salarial do professor , que hoje é de R$ 1,4 mil e não é
pago por muitos redes estaduais e municipais. No Judiciário, onde
trabalham Rosângela e Joelma, um técnico (nível médio) e um analista
(graduado) ganham, em média, 3,5 mil e R$ 6 mil, respectivamente, no
início da carreira.
As
diferenças salariais estão também em carreiras mais próximas à realidade
do professor. O salário básico de um biólogo ou de um químico, por
exemplo, é de seis salários mínimos, um total de R$ 3,7 mil. Há muitos
professores dessas áreas que cursaram não só a licenciatura, que
habilita a dar aulas, mas também o bacharelado e poderiam atuar como
biólogos e químicos.
Para tentar
mudar esse cenário, o Plano Nacional de Educação (PNE), que define as
metas educacionais para o País nesta década, previu a valorização dos
profissionais da área, equiparando os salários . A redação da meta 17,
que trata desse tema, diz que o “rendimento médio” dos docentes será
equiparado aos “dos demais profissionais com escolaridade equivalente,
até o final do sexto ano da vigência deste PNE (2016)”. Mas o projeto
não define quais profissões seriam comparadas à do professor. E ainda
não foi implementado.
Em busca de ascensão social
Ensinar foi a primeira atividade que
chamou a atenção, e despertou o interesse, de Manoel Morais, 36 anos. O
cearense, aos 10 anos, dava aulas de reforço para os colegas em
dificuldade. Estudioso, achava fácil explicar o que sabia aos colegas.
Estudante de química industrial na escola técnica de Fortaleza, Manoel
não pensava em se tornar um professor até ser convidado, aos 17 anos, a
dar aulas em cursinhos pré-vestibulares.
A vocação
lhe parecia natural, mas Manoel queria fugir da profissão tão criticada
pelos seus professores da rede pública, onde estudou a vida toda. Apesar
das aulas no cursinho, fez vestibular para Engenharia Química. No meio
do caminho, decidiu fazer licenciatura em Química e se tornar mesmo
professor. “Comecei a estudar neurociências para entender como o cérebro
aprende e poder ajudar meus alunos melhor”, conta.
Em 2004, no
entanto, as ilusões de Manoel com a carreira acabaram. Ele começou a
fazer concursos públicos para mudar de área de atuação. Em 2005, chegou a
Brasília, após ter sido aprovado no concurso do Ministério Público da
União. “Mudei em busca de ascensão social mesmo. O cargo de juiz exige
apenas o bacharelado em Direito. Para dar aula em uma faculdade é
preciso, no mínimo, um mestrado. E quem ganha mais? Não quis seguir na
carreira que eu amo por conta da condição financeira mesmo”, admite.
Hoje,
Manoel está prestes a concluir o curso de Direito e pensa em novos
concursos. “Por causa da questão financeira, há uma fuga de cérebros do
magistério. Teria ficado na escola se tivesse a oportunidade de ganhar a
mesma coisa”, desabafa. Para diminuir as saudades da sala de aula, hoje
Manoel ensina outras pessoas a estudar. Dá treinamentos aos sábados
sobre técnicas de estudo e oratória.
Longe do sacerdócio
Como muitas mulheres de sua idade,
Joelma de Sousa, 46 anos, fez o curso normal durante o antigo 2º grau.
Antes mesmo de terminar o preparatório para o magistério, Joelma passou
em um concurso da Fundação Educacional de Brasília. “Era o caminho mais
rápido para o trabalho. Passei cinco anos dando aulas de alfabetização
para crianças e adultos. Adorava meu trabalho. Eu via o começo e o fim
dele. Um dos mais gratificantes”, analisa.
Como
precisava ajudar a família a se manter, Joelma desistiu do curso de
pedagogia. Estudou para um concurso e se tornou técnica judiciária. “A
questão salarial foi a única razão para ter mudado de profissão. Fiquei
muito triste quando sai”, relembra. Ela diz que, na época, o salário de
técnica já era três ou quatro vezes maior que o de professora. Já
trabalhando no tribunal, Joelma fez Letras-Tradução em Francês, depois
cursou Direito.
“Se minha
filha quiser ser professora, vou achar sensacional. A minha família não
tinha condições de me apoiar nessa decisão à época, mas espero que eu
possa. Ser professor não é um sacerdócio, todos precisam de dinheiro
para viver. Se quisermos bons profissionais, teremos de pagar bem”,
pondera.
Sonho interrompido
Rosângela Pinto Ramos, 51 anos,
escolheu ser uma professora ainda criança. Filha de professora, ela
admirava a mãe. Percebeu que tinha escolhido a carreira certa logo que
terminou o curso de magistério. Começou a dar aulas e se apaixonou pelo
ambiente escolar, o trabalho com os alunos. Fez o curso de pedagogia e
sonhava em abrir seu próprio colégio.
Mas as
diferenças salariais – e a oportunidade de atuar na própria área
ganhando mais – a fizeram desistir. Rosângela começou a trabalhar no
Judiciário quando os pedagogos ainda eram requisitados para atuar nas
Varas de Infância e para trabalhar com jovens infratores.
“Mesmo
assim eu continuei dando aulas, por prazer mesmo. Até que a correria me
fez desistir das aulas”, conta. A servidora, que já não atua mais com
sua área no tribunal em que trabalha, conta que sente saudades da sala
de aula até hoje.
BLOG RAFELRAG COM O PROFESSOR DAMÁSIO DE GUARABIRA
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