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sábado, 22 de setembro de 2012

Panorama da situação legal das rádios comunitárias na América do Sul


Seja qual for o enfoque a ser levado em conta – pioneirismo histórico, proporção numérica, incidência política, representatividade social – as rádios comunitárias latino-americanas [temos ciência de que o objeto desse estudo seria melhor explorado se seu recorte fosse a América Latina. A exclusão do México e da América Central deveu-se à limitação de fôlego e espaço do presente estudo], quando comparadas aos seus pares no mundo, destacam-se. Tendo como precursoras as primeiras experiências de utilização cidadã, pedagógica e, quase sempre, também evangelizadora do veículo rádio dos anos 1940, essas emissoras, ao longo do processo histórico, foram desenvolvendo um perfil político e se organizando coletivamente – local, nacional ou regionalmente – para dar conta dos desafios resultantes tanto da realidade social de seu entorno local quanto das ameaças à sua própria sobrevivência. Dentre tais, o vazio legal foi, por muito tempo, o desafio que imprimiu a tônica de sua luta, o leitmotiv de seu movimento político organizado. Se, num primeiro momento, as reivindicações eram em torno da ausência de reconhecimento legal, atualmente elas têm como alvo as próprias limitações das leis que, enfim, conquistadas, agora impedem o pleno desenvolvimento de tais emissoras e o livre exercício do deu seu direito de livre expressão e comunicação.
Metodologia e aspectos legais considerados
Para obtenção dos dados apresentados no quadro comparativo e na análise que seguem, foi realizada uma revisão bibliográfica de livros, cartilhas e catálogos que avaliam os aspectos legais da comunicação, a situação da liberdade de expressão e o grau de efetivação do direito humano à comunicação na América do Sul e no restante do mundo. Empreendemos, é claro, além disso, um estudo dos marcos legais específicos para radiodifusão comunitária de cada um dos países da região. Também foram pesquisadas notícias sobre legislação em comunicação, relatórios e estudos de caso sobre a situação legal das rádios comunitárias nos países sul-americanos [aqui cabe ressaltar a importância para o presente estudo da página da internet do Programa de Legislaciones da Associação Mundial de Rádios Comunitárias - Amarc América Latina e Caribe, que organiza notícias, marcos legais e estudos avaliativos da maior parte dos países da América Latina].
Vale apontar aqui uma das dificuldades encontradas para a ratificação dos referidos dados e realização do diagnóstico, justamente a atual dinâmica de alteração legal no que tange à comunicação. Tendo em vista que a América do Sul se encontra num momento singular em que diversos países têm revisado seus marcos regulatório de comunicação foi necessária uma atenção especial às mudanças legais recentes em telecomunicação e radiodifusão e que acabam por afetar a situação específica da radiodifusão comunitária. Apenas como título de exemplo, cabe apontar o caso boliviano. Em 8 de agosto de 2011, foi sancionada a Ley General de Telecomunicaciones, Tecnologías de Información y Comunicación, que, entre diversas medidas, em seu artigo 10º, estabelece uma reserva de espectro para os diferentes setores sociais prestadores do serviço de comunicação, a saber: até trinta e três por cento para o Estado; outros trinta e três por cento para o setor comercial; dividindo o restante para o social comunitário – até dezessete por cento – e os povos indígenas originários campesinos, comunidades interculturais e afrobolivianas – até o dezessete por cento. O ineditismo de tal peculiaridade na divisão da reserva de espectro aparece como resposta à própria plurietnicidade e pluriculturalidade da população boliviana. Ora, isso afeta sobremaneira, por exemplo, o até então estado de ocupação da radiodifusão sonora no país: a partir de dados de 2008, num universo de 1.027 emissoras AM e FM, 81% do espectro se encontrava sob competência do setor “privado comercial”, 4% para as “comunitárias” e outros 15% para aquelas abrangidas pelo “Artigo 41”, ou seja, meios oficiais – segurança e defesa nacional – e de caráter social relacionadas com educação e saúde ALVIS, VILLANUEVA e ULO, 2009) [para uma breve apresentação sobre a gênese das rádios comunitárias brasileiras ver “Rádios comunitárias: ampliando o poder de ação” (MALERBA, 2006)].
Dentre uma miríade de aspectos normativos passíveis de serem considerados nas legislações em radiodifusão comunitária, fez-se necessário um recorte tendo em vista tanto a limitação do presente texto quanto o foco de análise pretendido. Nosso objetivo principal aqui é contribuir para a avaliação da adequação da legislação em radiodifusão comunitária de cada um dos países da região quando comparada aos padrões internacionais e interamericanos de boas práticas legais para garantia da pluralidade, democracia e diversidade na comunicação. Com isso elencamos cinco itens que consideramos essenciais para o alcance de tal objetivo, a saber:
Definição legal: apresentaremos a definição de radiodifusão comunitária para cada um dos marcos legais dos países analisados;
Acesso ao espectro: investigaremos, nesse item, como se dá o acesso ao espectro eletromagnético, principalmente se há algum regime de reserva de canais para os meios comunitários e em qual(is) banda(s) de transmissão (AM, FM, Ondas Curtas etc.) está(ão) franqueada(s) sua utilização;
Potência e /ou alcance de transmissão: serão considerados aqui se há algum – e qual – limite de potência para as rádios comunitárias, além de restrições referentes ao alcance e/ou área de atuação;
Prazo de outorga: apresentaremos o período estipulado de validade da licença da emissora comunitária para utilização do espectro eletromagnético;
Sustentabilidade econômica: analisaremos quais mecanismos de sustentabilidade econômica as rádios comunitárias estão autorizadas a explorar, com atenção às nuances de definição (“apoio cultural”, “menções comerciais” etc.) e em comparação com a radiodifusão sonora comercial e/ou privada.
A escolha dos itens acima também se deve ao fato de serem esses os principais alvos de controvérsia e disputa entre os setores sociais quando da aprovação, alteração ou reivindicação de mudanças nos marcos legais de radiodifusão comunitária. Acreditamos que tais itens são essenciais para o início de qualquer avaliação de marcos regulatórios no que se refere ao acesso equitativo, plural e democrático das comunidades às ondas eletromagnéticas.
Quanto à apresentação dos dados na tabela, meramente por questões de espaço, decidiu-se por reduzir ao mínimo necessário de informação, mas mantendo a literalidade do texto legal, com tradução nossa [as leis dos países de língua hispânica foram livremente traduzidas, somente para facilitar o leitor de língua portuguesa], de modo a servir como referência para o entendimento do diagnóstico que segue à tabela. De qualquer forma, as referências bibliográficas oferecem links para os endereços na internet, em que as leis podem ser acessadas na íntegra.
Limitações da pesquisa
Para explicitarmos com veracidade o alcance da pesquisa, faz-se necessário assinalar alguns de seus limites – o que pode acabar por apontar possibilidades de investigação posteriores. Uma das limitações vislumbradas se refere a outros elementos relevantes que poderiam ser analisados acerca da normativa para a radiodifusão comunitária nos países, aqui ausentes por questão de espaço e fôlego. Um importante elemento aqui ausente se refere aos procedimentos de outorga adotados pela legislação. O próprio caso brasileiro é paradigmático nesse sentido por oferecer uma série de exigências burocráticas para obtenção da outorga de radiodifusão comunitária, que acaba por excluir boa parte das comunidades requerentes do acesso ao espectro. Um estudo realizado com todos os processos de outorga de radiodifusão comunitária que estiveram em tramitação no Ministério das Comunicações entre 1998 (ano da promulgação da lei brasileira de radiodifusão comunitária) e maio de 2004, concluiu que a aplicação da legislação de radiodifusão comunitária deixou explícito que uma estratégia de exclusão estava sendo posta em prática e não uma política de inclusão. O processo de outorga criado pela legislação é demasiadamente burocrático, com uma infinidade de exigências que tornam sua tramitação lenta, complicada e, por consequência, gera um alto índice de arquivamento. Para cada processo autorizado, 2,23 são arquivados. (LIMA e LOPES, 2007, p. 17)
Outro elemento destacável seria a avaliação de tratamentos discriminatórios às rádios comunitárias quando comparadas as suas pares comerciais. Mais uma vez o caso brasileiro é um exemplar negativo. O artigo 25 do Decreto nº 2.615 que regulamenta a radiodifusão comunitária no país estabelece que “a emissora do RadCom operará sem direito a proteção contra virtuais preferências causadas por Estações de Serviços de Telecomunicações e de Radiodifusão regularmente instalados”, evidenciando um claro tratamento desigual.
Uma outra limitação do presente estudo se refere aos entraves extratextuais de procedimentos legais que podem inviabilizar a outorga para rádios comunitárias: em muitos casos, mesmo com a vigência da lei, sua aplicação não acontece. No texto Regulación de las concesiones de radiodifusión en América Latina, Gustavo Gómez e Carolina Aguerre apresentam dois exemplos: Peru e Colômbia. No caso peruano, mesmo com a aprovação em julho de 2004 da Ley de Radio y TV, que reconhecia a existência de emissoras comunitárias, as primeiras concessões só foram acontecer em 2009 [de acordo com PATIÑO, 2009. Ver http://legislaciones.item.org.uy/index?q=node/918 (acesso em 3/8/2012)]. De acordo com os autores, “não se trata de um problema do texto legal, mas de uma prática administrativa abusiva, neste caso por razões de ‘falta de planificação do espectro’ (tradução nossa)” (GÓMEZ e AGUERRE, 2009, p. 30). Algo parecido ocorreu na Colômbia que, apesar de um marco avançado para o setor, ficou doze anos sem abertura de chamadas de concessões de rádios comunitárias nas principais cidades do país, por conta de uma aplicação arbitrária de sua normativa (idem). Tais exemplos evidenciam a insuficiência de nos mantermos nos textos legais para avaliar a real efetivação do direito das comunidades em exercer seu direito à comunicação.
Quadro comparativo
País
Definição legal
Acesso ao espectro
Potência e/ou alcance de transmissão
Prazo de outorga
Sustentabilidade
Argentina
“Emissoras comunitárias: atores privados que tem uma finalidade social e se caracterizam por serem geridas por organizações sociais de diversos tipos sem fins de lucro. Sua característica fundamental é a participação da comunidade tanto na propriedade do meio, como na programação, administração, operação, financiamento e avaliação. Tratam-se de meios independentes e não governamentais.” (LSCA 26522/2009, art. 4)
Reserva de “trinta e três por cento (33%) das localidades radioelétricas planificadas, em todas as bandas de radiodifusão sonora e de televisão terrestres, em todas as áreas de cobertura para entidades sem fim de lucro” (LSCA 26522/2009, art. 89, inciso f)
“Em nenhum caso se entenderá como um serviço de cobertura geográfica restrita.” (LSCA 26522/2009, art. 4)
“Duração da licença. As licenças serão concedidas por um período de dez (10) anos a contar desde a data da resolução da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual que autoriza o início das emissões regulares.” (LSCA 26522/2009, art. 39)
“Emissão de publicidade. Os licenciatários ou autorizados dos serviços de comunicação audiovisual poderão emitir publicidade conforme às seguintes previsões…” “O tempo de emissão de publicidade fica sujeito às seguintes condições: a) Radiodifusão sonora: até um máximo de quatorze (14) minutos por hora de emissão” (LSCA 26522/2009, arts. 81 e 82)
Bolívia
“I. A radiodifusão comunitária opera sem fins de lucro e tem como objetivos o serviço social, a educação, a saúde, o bem-estar integral e o desenvolvimento produtivo, atendendo as necessidades fundamentais da comunidade. II. Sua finalidade é contribuir a melhoria das condições de vida das pessoas dentro de seu âmbito de cobertura, promovendo a construção da cidadania a partir do fortalecimento dos valores e seu caráter democrático, participativo e plural.” (Decreto Supremo Nº 29174/2007, artigo 30)
“A distribuição do total de canais da banda de frequências para o serviço de radiodifusão em frequência modulada e televisão analógica em nível nacional onde exista disponibilidade, será sujeita ao seguinte: 1. Estado, até trinta e três por cento. 2. Comercial, até trinta e três por cento. 3. Social comunitário, até o dezessete por cento. 4. Povos indígenas originários campesinos, e comunidades interculturais e afro bolivianas até o dezessete por cento.” (Lei 164/2011, artigo 10)
“I. A zona de cobertura para a radiodifusão comunitária não poderá ser menor que a área geográfica da localidade rural na que se preste o serviço, nem poderá ser maior a área geográfica da seção municipal respectiva.” (Decreto Supremo Nº 29174/2007, artigo 35)
“II. A vigência das licenças de radiodifusão será de quinze anos, podendo ser renovadas somente uma vez por igual período, sempre que seu titular tenha cumprido com as disposições previstas nesta Lei, em seus regulamentos e na licença respectiva.” (Lei 164/2011, artigo 29)
“Aqueles que obtenham licenças para radiodifusão comunitária, serão responsáveis de suas sustentabilidade técnica, econômica e social, levando em conta seu caráter não lucrativo. Os recursos obtidos pela prestação do serviço de radiodifusão comunitária deverão ser destinados a garantir o funcionamento e manutenção das instalações e da continuidade do serviço oferecido” (Decreto Supremo Nº 29174/2007, artigo 33)
Brasil
“Denomina-se Serviço de Radiodifusão Comunitária a radiodifusão sonora, em frequência modulada, operada em baixa potência e cobertura restrita, outorgada a fundações e associações comunitárias, sem fins lucrativos, com sede na localidade de prestação do serviço. § 2º Entende-se por cobertura restrita aquela destinada ao atendimento de determinada comunidade de um bairro e/ou vila.” (Lei 9612/1998, art. 1)
“O Poder Concedente designará, em nível nacional, para utilização do Serviço de Radiodifusão Comunitária, um único e específico canal na faixa de frequência do serviço de radiodifusão sonora em frequência modulada.” (Lei 9.612/1998, art. 5)
“§ 1º Entende-se por baixa potência o serviço de radiodifusão prestado a comunidade, com potência limitada a um máximo de 25 watts ERP e altura do sistema irradiante não superior a trinta metros. (Lei 9.612/1998, art. 1) “ A cobertura restrita de uma emissora de RadCom é a área limitada por um raio igual ou inferior a mil metros, a partir da antena transmissora, destinada ao atendimento de determinada comunidade de um bairro, uma vila ou localidade de pequeno porte.” (Decreto 2.615/1998, art. 6)
“Parágrafo único. A outorga terá validade de dez anos, permitida a renovação por igual período, se cumpridas as exigências desta Lei e demais disposições legais vigentes.” “ (Lei 10597/2002)
“As prestadoras do RadCom poderão admitir patrocínio sob a forma de apoio cultural, para os programas a serem transmitidos, desde que restrito aos estabelecimentos situados na área da comunidade atendida.” (Decreto 2.615/1998, art. 32)
País
Definição legal
Acesso ao espectro
Potência e/ou alcance de transmissão
Prazo de outorga
Sustentabilidade
Chile
“Criam-se os Serviços Comunitários e Cidadãos de Radiodifusão de Livre Recepção (…) Estes terão como zona de serviço máxima uma comunidade [comuna] ou uma agrupação de comunidades [comunas], conforme o âmbito de ação comunitária da entidade concessionária.” (Lei 20.433/2010, art.1)
“As concessões dos Serviços serão outorgadas dentro de um segmento especial do espectro radioelétrico na banda de frequência modulada, tanto para a operação analógica como digital, que se estenderá entre as seguintes frequências, todas inclusive: (…) [lista faixa de frequências determinadas para cada região do país, no melhor dos casos de 105.9 a 107.9, cerca de 5% do dial]” (Lei 20.433/2010, art. 3)
“Os Serviços estarão conformados por uma estação de radiodifusão cuja potência radial mínima será de 1 watt e máxima de 25 watts (…) Excepcionalmente, (…) tratando-se de localidades fronteiriças ou remotas, com população dispersa ou com alto índice de ruralidade, a potência radiada poderá ser de até 40 watts. (…) No caso de que se busque potencializar as identidades culturais dos povos indígenas e de suas línguas originárias o limite máximo de potência radiada será de até 30 watts. “(Lei 20.433/2010, art.4)
“O prazo das concessões será de dez anos, e a concessionária gozará de direito preferente para sua renovação, sujeito ao cumprimento dos fins comunitários que originaram a concessão.” (Lei 20.433/2010, art. 11)
“(…) As organizações concessionárias de Serviços poderão difundir menções comerciais ou de serviços que se encontrem em sua zona de serviço, para financiar as necessidades próprias da radiodifusão, podendo inclusive celebrar convênios de difusão cultural, comunitária, desportiva ou de interesse público em geral. Entendem-se por menções comerciais a saudação ou agradecimento a uma entidade, empresa, estabelecimento ou local comercial, indicando unicamente seu nome e endereço.” (Lei 20.433/2010, art. 13)
Colômbia
[Define-se a partir da orientação da programação] “c. Radiodifusão sonora comunitária. Quando a programação está orientada a gerar espaços de expressão, informação, educação, comunicação, promoção cultural, formação, debate e consulta que conduzam ao encontro entre as diferentes identidades sociais e expressões culturais da comunidade, dentro de um âmbito de integração e solidariedade cidadã e, em especial, a promoção da democracia, a participação e os direitos fundamentais dos colombianos que assegurem uma convivência pacífica.” (Decreto 2805/2008, art. 18)
“Este serviço será prestado nos canais definidos para estações classe D no Plano Técnico Nacional de Radiodifusão Sonora, em Frequência Modulada (FM), tendo em conta a topografia, a extensão do município e a distribuição da população urbana e rural, dentro do mesmo.” (Decreto 2805/2008, art.78)
“De cobertura local restrita: São estações classe D. Aquela destinada a cobrir com parâmetros restritos áreas urbanas e/ou rurais, ou específicas dentro de um município ou distrito, (…).” (Decreto 2805/2008, art. 19) “Estação Classe D. Máximo 250 watts de p. r. a., na direção de máximo ganho de antena. Máximo 900 W de p. r. a., na direção de máximo ganho de antena, para os municípios (sem incluir as cidades capitais) pertencentes aos estados de Guajira, Chocó, Putumayo, Caquetá, Amazonas, Vaupés, Guaviare, Vichada, Meta, Casanare y Arauca.”
“O fim da duração das concessões atuais e futuras para a prestação do Serviço de Radiodifusão Sonora será de dez (10) anos prorrogáveis por períodos iguais. Em nenhum caso haverá renovações automáticas nem gratuitas.” (Decreto 2805/2008, art. 10)
“““Pelas estações de radiodifusão sonora comunitária poderá transmitir propaganda, exceto publicidade política, e poderá dar crédito a quem dê patrocínios, auspícios e apoios financeiros para determinada programação (…). [Sob] os seguintes critérios: – Para municípios com menos de 100.000 habitantes, (…) não poderá ultrapassar de quinze (15) minutos por cada hora de transmissão da estação. – Para municípios entre 100.000 e 500.000 habitantes, (…) dez (10) minutos por cada hora de transmissão da estação. – Para municípios ou distritos com mais de 500.000 habitantes, (…) sete (7) minutos por cada hora de transmissão da estação.”“ (Decreto 2805/2008, art.27)
País
Definição legal
Acesso ao espectro
Potência e/ou alcance de transmissão
Prazo de outorga
Sustentabilidade
Equador
“São estações de serviço público aquelas destinadas ao serviço da comunidade, sem fins utilitários, que não poderão veicular publicidade comercial de nenhuma natureza. Estão incluídas no inciso anterior, as estações privadas que se dediquem a fins sociais, educativos, culturais ou religiosos, devidamente autorizados pelo Estado.” (Decreto Supremo No. 256-A/2007, art. 8)
[Não há reserva de espectro] “Os requisitos, condições, poderes, direitos, obrigações e oportunidades que devem cumprir os canais ou frequências de radiodifusão e televisão das estações comunitárias, serão os mesmos que esta Lei determina para as estações privadas com finalidade comercial” (Decreto Supremo No. 256-A/2007, art. 8) [Com isso há possibilidades de concessão para AM, FM e OC]
“Os requisitos, condições, poderes, direitos, obrigações e oportunidades que devem cumprir os canais ou frequências de radiodifusão e televisão das estações comunitárias, serão os mesmos que esta Lei determina para as estações privadas com finalidade comercial.” (Decreto Supremo No. 256-A/2007, art. 8) [Igualdade de possibilidades de potência e alcance dos meios comerciais]
“O contrato de concessão tem um período de duração de dez anos, e será renovado sucessivamente por períodos iguais.” (Decreto Supremo No. 256-A/2007, art. 15)
“Não poderão veicular publicidade comercial de nenhuma natureza. Estão incluídas no inciso anterior, as estações privadas que se dediquem a fins sociais, educativos, culturais ou religiosos (…). No entanto, as estações comunitárias que nascem de uma comunidade ou organização indígena, afro equatoriana, camponesa ou qualquer outra organização social (…) podem realizar autogestão para a melhoria, manutenção e operação de suas instalações, equipamentos e pagamento de pessoal através de doações, mensagens pagas, e publicidade de produtos comerciais.” (Decreto Supremo No. 256-A/2007, art. 8)
Paraguai
[A lei de telecomunicações estabelece os Serviços de Radiodifusão de pequena e média cobertura ou rádios comunitárias] “Constitui-se o serviço de radiodifusão alternativa, que incluirá as rádios comunitárias, educativas, associativas e cidadãs, de pequena e média cobertura.” “O objetivo destes serviços consiste em emitir programas de caráter cultural, educativos, artísticos e informativos sem fins de lucro.” (Lei 642/95, arts. 57 e 58)
“O Serviço de Radiodifusão Sonora de Pequena e Média Cobertura se classificará da seguinte maneira: a. Serviço de Radiodifusão de Pequena e Média Cobertura por ondas hectométricas ou ondas médias, com modulação em amplitude (AM) (…). b. Serviço de Radiodifusão de Pequena e Média Cobertura por ondas métricas, com modulação em frequência (FM) “ (Res. N° 898/2002, art. 5)
“As estações (…) que operem na banda de ondas médias ou hectométricas, terão potência de transmissão máxima (…) de 10 W” “As estações de Radiodifusão de Pequena e Média Cobertura que operem na banda de ondas métricas terão potência efetiva radiada máxima (PER), de 300 W, com altura máxima do centro geométrico de antena de 30 m.” (Res. N° 898/2002, art. 6 e 7)
“As Autorizações para a prestação do Serviço de Radiodifusão Sonora de Pequena e Média Cobertura serão designadas por um prazo de cinco anos, (…) e poderá ser renovada sob solicitação do interessado.” (Res. N° 898/2002, art. 19)
“As organizações sem fins de lucro (…) terão direito a assegurar sua sustentabilidade econômica, independência e desenvolvimento, para tais poderão obter recursos provenientes de aportes solidários, anúncios de entidades públicas, ou de outras fontes que sejam geradas dentro de sua área de cobertura. A totalidade dos recursos obtidos deverá ser investida exclusivamente no funcionamento e na introdução
de melhorias na prestação e no desenvolvimento dos objetivos do Serviço.”“ (Res. N° 898/2002, artigo 28)”
Peru
“Radiodifusão Comunitária: É aquela cujas estações estão localizadas em comunidades camponesas, nativas e indígenas, áreas rurais ou de interesse social preferencial.” “Regime preferencial: os serviços de radiodifusão educativa e comunitária, assim como aqueles cujas estações sejam localizadas em zonas de fronteira, rurais ou de interesse social preferencial, qualificadas como tais pelo Ministério, tem um tratamento preferencial estabelecido no Regulamento.” (Lei Nº 28278/2004, art.9 e 10)
“Atribuição de Frequências. As autorizações para prestar o serviço de radiodifusão comunitária e em áreas rurais, lugares de interesse social preferencial e em localidades fronteiriças, só poderão ser outorgadas para operar na banda de frequência modulada (FM) no caso do serviço de radiodifusão sonora e nas bandas de VHF e UHF, em se tratando do serviço de radiodifusão por televisão”. (Decreto Supremo Nº 005/2005, art. 47)
[Não há limites prévios, sendo estabelecidos no plano de outorgas | Há muitos casos de 100 w, 250 w e 500 w]
“O prazo máximo de vigência da autorização é de dez (10) anos, contados a partir da data de notificação da respectiva resolução e será renovada automaticamente por períodos iguais, sob prévio cumprimento dos requisitos estabelecidos na Lei.” (Lei Nº 28278/2004, art. 15)
“Todos os titulares de serviços de radiodifusão podem transmitir mensagens publicitárias.” (Lei Nº 28278/2004, art. 9)
País
Definição legal
Acesso ao espectro
Potência e/ou alcance de transmissão
Prazo de outorga
Sustentabilidade
Uruguai
“Entende-se por serviço de radiodifusão comunitária o serviço de radiodifusão não estatal de interesse público, prestado por associações civis sem fins de lucro com personalidade jurídica ou por aqueles grupos de pessoas organizadas que não busquem fins de lucro e orientado a satisfazer as necessidades de comunicação social e a habilitar o exercício do direito à informação e à liberdade de expressão dos habitantes da República. “ (Lei Nº 18.232/2007, art. 4)
“O Poder Executivo (…) reservará para a prestação do serviço de radiodifusão comunitária e outros sem fins de lucro, ao menos um terço do espectro radioelétrico para cada localidade em todas as bandas de frequência de uso analógico e digital e para todas as modalidades de emissão” (Lei Nº 18.232/2007, art. 5)
“Em nenhum caso se entenderá que o serviço de radiodifusão comunitária implica necessariamente um serviço de cobertura geográfica restrita. Tal área estará definida pela sua finalidade pública e social e dependerá da disponibilidade e planos de uso do espectro e da proposta comunicacional da emissora.” (Lei Nº 18.232/2007, art. 4)
“As atribuições de frequências para o serviço de radiodifusão comunitária serão outorgadas por um prazo de dez anos. Poderão ser prorrogados por períodos de cinco anos condicionado ao cumprimento das condições de atribuição e da celebração de uma audiência pública prévia e sempre que não existam limitações de espectro confirmado por informes técnicos. Em caso contrário, e se houver outros interessados, será possível a renovação por cinco anos mediante concurso nas condições fixadas por esta lei e pelo regulamento respectivo.” (Lei Nº 18.232/2007, art. 9)
“As entidades sem fins de lucro que prestem serviço de radiodifusão comunitária terão direito a assegurar sua sustentabilidade econômica, independência e desenvolvimento, para os quais poderão obter recursos, entre outras fontes, de doações, aportes solidários, auspícios, patrocínios e publicidade, de acordo com as normas vigentes. A totalidade dos recursos que obtenham as entidades que prestem o serviço de radiodifusão comunitária, por e para este serviço, deverão ser investidos no funcionamento e em melhorias na prestação do mesmo e no desenvolvimento dos objetivos do serviço de radiodifusão comunitária.” (Lei Nº 18.232/2007, art.10)
Venezuela
“[Definição] ““1. Comunidade: conjunto de pessoas que residem ou se encontram domiciliadas em uma localidade e que a Comissão Nacional de Telecomunicações determina
que se encontram estreitamente vinculadas em razão de sua problemática comum e de suas características históricas, geográficas, culturais e tradicionais.” “9. Radiodifusão sonora comunitária: serviço de radiocomunicação que permite a difusão de informação de áudio destinada a ser recebida pelo público em geral, como meio para alcançar a comunicação livre e plural dos indivíduos e das comunidades organizadas em seu âmbito respectivo” (Decreto Nº 1.521/2002, art. 2)”
[Uma por localidade, em FM] “Modulação: Frequência Modulada” (Decreto Nº 1.521/2002, art. 36)
“Os atributos das habilitações de radiodifusão sonora e televisão aberta comunitárias de serviço público, sem fins de lucro terão como zona de cobertura a localidade em que se prestará o serviço. Tais localidades não poderão ser menores que a área geográfica da ‘parroquia’ [na Venezuela, a unidade política e territorial de menor classificação, onde se dividem os municípios] em que se preste o serviço e não poderão abarcar frações da área total de uma ‘parroquia’. As localidades não poderão ter uma área maior a do município em que se presta o serviço. (Decreto Nº 1.521/2002, art. 6)
“A duração das habilitações administrativas não poderá exceder de vinte e cinco anos; pudendo ser renovada por iguais períodos sempre que seu titular haja cumprido com as disposições previstas nesta Lei e em seus regulamentos” (Lei Orgânica de Telecomunicações, 2000, art. 21)
“Os operadores comunitários poderão transmitir publicidade comercial de pequenas e médias indústrias domiciliadas na localidade onde se presta o serviço. Igualmente, poderão transmitir publicidade de bens e serviços que ofereçam as pessoas naturais membros da comunidade onde se presta o serviço (…). Em nenhum caso o tempo total de publicidade poderá exceder cinco (5) minutos em uma hora de transmissão” “Os rendimentos obtidos pela prestação dos serviços de radiodifusão sonora comunitária e televisão aberta comunitária deverão ser destinados a garantir o funcionamento e manutenção das redes de telecomunicações, a continuidade da prestação do serviço em questão e a realização do objeto para o qual foi constituída a fundação comunitária.” (Decreto Nº 1.521/2002, art. 30 e 20) [Lei mais recente permite 10 minutos de publicidade]
Análise a partir dos dados obtidos
Considerações iniciais
Primeiramente, cabe apontar que todos os países analisados já oferecem um amparo legal – mesmo que, em muitos casos, limitado e restritivo – para o exercício da radiodifusão comunitária. Isso por si só já evidencia um avanço, tendo em vista que, por muitos anos as rádios comunitárias da América do Sul existiram à margem da lei. Como exemplo histórico podemos citar a Bolívia. Talvez um dos casos mais antigos de utilização do rádio como ferramenta de mobilização comunitária tenha sido as chamadas rádios mineiras bolivianas, consideradas “experiências históricas pioneiras, no continente latino-americano, no que se refere ao uso autônomo da tecnologia eletrônica de comunicação por segmentos da classe trabalhadora” (PERUZZO, 1998, p. 192), cuja origem remonta os anos 1940: “cada um dos 34 meios era de propriedade coletiva e se sustentava com as contribuições dos jornais dos trabalhadores mineiros sindicalizados das principais minas da zona andina (tradução nossa)” (ALVIS, VILLANUEVA e ULO, 2009, p. 109). Apesar da figura da “rádio comunitária” no país ter sido criada somente nos anos 1980 (idem), tais experiências pioneiras já evidenciavam os princípios e causas de tais meios hoje ditos comunitários. Assim, podemos afirmar que passaram-se mais de 60 anos até que as rádios comunitárias bolivianas encontrassem amparo jurídico legítimo para seu funcionamento, com o Decreto Supremo 27.489 de 14 de maio de 2004.
Também as rádios comunitárias brasileiras passaram por um longo período à sombra da lei. Apesar de as primeiras experiências no país datarem da década de 1980, o reconhecimento legal desses meios só foi acontecer em 1998. Com isso, o estigma da “ilegalidade” passou a fazer parte da trajetória dessas emissoras, “seja porque passaram a existir sem ter uma legislação para o setor, ou porque, diante da morosidade do poder público em conceder autorização para seu funcionamento, muitas delas funcionam sem permissão legal” (PERUZZO, 2004, p.1). Esse é um aspecto importante a ser considerado, tendo em vista que, assim como no Brasil, em diversos outros países tal brecha legal favoreceu um processo de desprestígio de tais meios junto à opinião pública que resiste a mudar.
Definição legal
Ao analisarmos as definições de radiodifusão comunitária no seu marco legal específico (ou legislações em comunicação que já abrangem em sua letra tal setor) dos dez países da região, percebemos algumas características comuns. Uma das similaridades se refere à ênfase ao seu caráter não lucrativo, um dos pilares definidores da radiodifusão comunitária e que a contrapõe aos serviços de radiodifusão comerciais (ou privados com fins de lucro). Exceto o Peru, todos os marcos mencionam como prerrogativa o solicitante da outorga ser uma organização social sem fins de lucro. Chile (artigo 9 da Lei 20433) e Colômbia (artigo 2 do Decreto 2805) o fazem nos artigos em que descrevem as personalidades jurídicas habilitadas ao serviço de radiodifusão comunitária e Venezuela no próprio título do Regulamento (Decreto 1.521), todos os demais nas primeiras letras da lei. Outra recorrência se refere aos objetivos e finalidades que devem nortear as emissoras comunitárias. Boa parte dos marcos legais analisados destaca finalidades como promover a “melhoria das condições de vida das pessoas” (Bolívia), “assegurar a comunicação livre e plural dos membros de uma comunidade” (Venezuela), “satisfazer as necessidades de comunicação social e a habilitar o exercício do direito à informação e à liberdade de expressão” (Uruguai) etc., diferentes matizes para uma expectativa de valores ligados à democracia, pluralidade e o bem comum.
Um aspecto importante para a linha de estudo que temos adotado [uma das perspectivas de estudo de minha pesquisa de doutorado intitulada “A comunicação comunitária no limite: um estudo sobre seu alcance teórico a partir da análise das rádios comunitárias brasileiras” é a relevância da investigação conceitual de comunidade para o entendimento da problemática da comunicação comunitária e seus objetos de estudo] é o entendimento de comunidade presente nos marcos legais analisados: exceto o Uruguai (onde a palavra também é mencionada na Lei 18.232, somente quando em referência ao Plano de Serviços à Comunidade), em todos eles aparece o termo “comunidade”, já nas primeiras definições. O que parece óbvio – tendo em vista que uma rádio comunitária surge para atender uma determinada comunidade – esconde quase sempre uma definição implícita que acarreta limitações posteriores ao funcionamento do meio: comunidade entendida somente como um território delimitado. Excetuando Argentina, Equador e Uruguai, todas as demais leis vinculam comunidade a um espaço territorial demarcado, o que se assevera com limitações de potência e alcance (abaixo analisados) aos meios comunitários. Há casos como o da Venezuela em que, logo no artigo 2 do Regulamento de radiodifusão comunitária, há a definição de comunidade como “conjunto de pessoas que residem ou se encontram domiciliadas em uma localidade” (Decreto 1.521/2002). Também o Brasil, define a partir da negação (“em frequência modulada, operada em baixa potência e cobertura restrita”), destacando a exclusividade do serviço para “bairro e/ou vila” (Lei 9612/1998, art. 1). Em outro momento [cf.”Rádios comunitárias brasileiras e a questão espacial” (MALERBA, 2008)] analisamos em detalhe o anacronismo de tal definição brasileira, tendo em vista o esgarçamento do entendimento contemporâneo de comunidade, que já abarca agrupamentos humanos vinculados por interesses e/ou características socioculturais comuns, dependentes ou não de vínculos territoriais. Porém cabe-nos aqui desconfiar dos interesses ocultos em tal atrelamento comunidade & território físico quando justamente os marcos legais que aceitam uma maior amplitude do conceito são aqueles que menos impõem restrições aos meios comunitários.
Acesso ao espectro
O espectro eletromagnético é um bem escasso, por isso, de acordo com as recomendações da Relatoria de Liberdade de Expressão da OEA,
os Estados em sua função de administradores das ondas do espectro radioelétrico devem atribuí-las de acordo a critérios democráticos que garantam uma igualdade de oportunidades a todos os indivíduos no acesso aos mesmos. Isto precisamente é o que estabelece o Princípio 12 da Declaração de Princípios de Liberdade de Expressão (tradução nossa). (LORETI e GOMEZ, 2012, p. 42)
Com isso, os diferentes tipos de prestadores de meios de difusão – estatais, comerciais e públicos (incluídos aqui os meios comunitários) – devem gozar de critérios justos e equitativos para aceder ao espectro. Para tal, os documentos dos Relatores de Liberdade de Expressão, principalmente a Declaração Conjunta de Amsterdã de 2007 sugere que “as medidas específicas para promover a diversidade podem incluir a reserva de frequências adequadas para diferentes tipos de meios” (LIGABO et all, 2007).
Isso aconteceu recentemente no Uruguai (2007), Argentina (2009) e Bolívia (2011), que alteraram seus marcos legais em comunicação de modo a garantir uma reserva de um terço do espectro para os meios comunitários, em todas as bandas e modalidades de transmissão (AM, FM, Ondas Curtas, TV Aberta, TV a cabo etc.), em plataformas analógicas e digitais. Também o Equador prevê a mesma medida no artigo 113 da Nova Lei Orgânica de Comunicação, ainda em fase de votação, distribuindo equitativamente as frequências: 33% para meios públicos, 33% para privados e 34% para comunitários.
No Brasil, o artigo 223 da Constituição Federal observa “o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal”. Porém, a Lei 9.612 reserva “um único e específico canal na faixa de frequência do serviço de radiodifusão sonora em frequência modulada” (art. 5). Com isso, no Brasil, as comunidades não podem ter acesso a televisão aberta (somente a cabo) ou rádios AM e Ondas Curtas, da mesma forma no Chile e Colômbia. No Peru e Venezuela às comunidades estão vedadas a rádio AM, permitindo somente FM e TV; já o Paraguai permite somente rádio AM e FM. A ainda lei vigente do Equador não faz qualquer impedimento de acesso tecnológico aos setores comunitários. Porém, em 2008, no Equador, as frequências radioelétricas estavam divididas de forma muito desigual: 85% das frequências destinadas às rádios comerciais, 12% às igrejas e apenas 3% aos setores comunitários (TAMAYO, 2008).
Tais limitações em que certos setores sociais estão privados de aceder a todos os meios possíveis de expressão e informação configuram uma violação aos princípios de universalidade de meios e sujeitos estabelecidos no Sistema Interamericano de Direitos Humanos para o exercício do direito à liberdade de expressão (GÓMEZ e AGUERRE, 2009, p. 30). As limitações ao acesso tecnológico vão de encontro à recomendação do Sistema de que “os diferentes tipos de meios de comunicação – comerciais, de serviço público e comunitários – devem ser capazes de operar em, e ter acesso equitativo a, todas as plataformas de transmissão disponíveis” (LIGABO et all, 2007), a fim de garantir a diversidade na comunicação.
Potência e/ou alcance de transmissão
No quesito limitação de potência, o Brasil tem a lei de radiodifusão comunitária mais restritiva da região: a Lei 9612, já em seu artigo primeiro, estabelece que a potência de transmissão das emissoras não pode ultrapassar 25 watts. Além disso, o decreto regulamentador da radiodifusão comunitária introduziu ainda a limitação quanto à área de cobertura das transmissões, restrita “a área limitada por um raio igual ou inferior a mil metros a partir da antena transmissora” (Decreto 2.615/98, art. 6). Cabe ressaltar que, em contrapartida, as emissoras comerciais brasileiras não possuem qualquer limite prévio de potência, atingindo milhares de watts. Mesmo o Chile, que também estabelece o mesmo limite (25 watts), em se tratando de locais de fronteira ou localidades “remotas, com população dispersa ou com alto índice de ruralidade” chega a permitir uma potência de até 40 watts. A excepcionalidade também ocorre no caso de povos indígenas, com um limite de até 30 watts. Também Bolívia, Colômbia, Paraguai e Venezuela impõem limitações de potência.
Em contrapartida, a legislação argentina é categórica ao exprimir que, no caso da radiodifusão comunitária, “em nenhum caso se entenderá como um serviço de cobertura geográfica restrita”. (LSCA 26522/09, art. 4). De teor quase idêntico é a lei uruguaia de radiodifusão comunitária, que ainda acrescenta que “tal área estará definida pela sua finalidade pública e social e dependerá da disponibilidade e planos de uso do espectro e da proposta comunicacional da emissora” (Lei Nº 18.232, artigo 4). Também no Equador e Peru, não há limites prévios de potência. Porém, no caso supracitado peruano, na prática, a quase totalidade das emissoras comunitárias se encontra nas zonas rurais (GÓMEZ e AGUERRE, 2009, p. 32). Processo semelhante de “ruralização” das outorgas também acontece na Bolívia.
Prazo de outorga
A partir de anos de levantamentos e análises dos marcos regulatórios e políticas públicas em diferentes países da região e dos padrões interamericanos de direitos humanos, o Programa de Legislação da Associação Mundial de Rádios Comunitárias – América Latina e Caribe desenvolveu 40 Princípios para garantir a diversidade e a pluralidade na radiodifusão e nos serviços de comunicação audiovisual. O princípio 27 recomenda que “as concessões de uso de frequências radioelétricas devem ser adjudicadas por períodos de tempo determinados a quem ofereça prestar um melhor serviço de comunicação” (LORETI e GÓMEZ, 2009, p. 80) de modo a preservar o acesso democrático às frequências. Todos os países analisados estabelecem prazos de outorga para as rádios comunitárias: cinco anos – Paraguai; 10 anos – Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Peru e Uruguai; 15 anos – Bolívia; 25 anos – Venezuela. Todas as legislações analisadas pressupõem concursos públicos com critérios determinados para a atribuição de licenças para rádios comunitárias.
Sustentabilidade
No tópico Sobre a Diversidade de Tipos de Meios de Comunicação, na Declaração de Amsterdã de 2007, a Relatoria pela liberdade de expressão estabelece que
a radiodifusão comunitária deve estar expressamente reconhecida na lei como uma forma diferenciada de meios de comunicação, deve beneficiar-se de procedimentos equitativos e simples para a obtenção de licenças, não deve ter que cumprir com requisitos tecnológicos ou de outra índole severos para a obtenção de licenças, deve beneficiar-se de tarifas de concessionária de licença e deve ter acesso a publicidade (grifo nosso) (LIGABO et all, 2007).
Há uma confusão comum entre ausência de finalidades de lucro e ausência de atividades econômicas de sustentabilidade. Loreti e Gómez esclarecem que “a ausência de finalidade de lucro é a atividade que não busca obtenção de entradas para sua acumulação ou sua distribuição ou seu investimento em objetivos diferentes dos que correspondem ao serviço de radiodifusão comunitária” (2009, p. 56). A partir dessa confusão – ou se valendo dela – países como Brasil e Chile proíbem publicidade comercial, permitindo somente “apoio cultural” (Brasil) e “menção comercial”, espécies de patrocínio que impedem qualquer promoção de bens, produtos, preços, condições de pagamento, ofertas, vantagens e serviços, acarretando dificuldades de sustentabilidade para as rádios comunitárias de seus países. Todos os demais países permitem múltiplas formas de financiamento, inclusive publicidade comercial, todos estabelecendo limites máximos de propaganda por hora de programação, como também acontece com os meios comerciais. Na Colômbia, por exemplo, esse limite varia de acordo com a população do município onde a rádio está estabelecida. Reforçando a concepção não lucrativa das rádios comunitárias, países como Bolívia, Chile, Colômbia, Paraguai, Uruguai e Venezuela reforçam na letra da lei que todos os recursos obtidos com a prestação do serviço têm de ser reinvestidos na continuidade e o desenvolvimento da própria emissora. Já a limitação da publicidade, patrocínio ou apoio econômico aos estabelecimentos localizados na zona de cobertura da rádio aparece nas legislações de Brasil, Chile e Venezuela.
Considerações finais: o caso Brasil
Quando comparado aos demais países sul-americanos, o Brasil possui um dos marcos legais em radiodifusão comunitária mais restritivos e incompatíveis com o que é sugerido pelos padrões interamericanos de boas práticas legislativas para a diversidade, pluralidade e democracia na comunicação. Praticamente inalterada desde sua criação em 1998, a única alteração efetiva da lei brasileira de radiodifusão comunitária ao longo dos anos foi o projeto de lei que ampliou seu prazo de outorga de três para dez anos (Lei 10597/02). Fora isso, as diversas restrições, há muito criticadas pelo movimento de rádios comunitárias, continuam prejudicando o pleno desenvolvimento e, em alguns casos, inviabilizando a radiodifusão comunitária no país.
O que foi afirmado acima fica claro a partir do que foi analisado no presente estudo. Como foi dito, a legislação brasileira define o serviço de radiodifusão comunitária a partir de limites territoriais. Apesar de legislar longamente sobre motivações ideológicas, programação, modos de funcionamento, formas de financiamento etc., a lei de radiodifusão comunitária brasileira, logo em seu primeiro artigo, restringe o funcionamento da emissora comunitária “ao atendimento de determinada comunidade de um bairro e/ou vila”. É inviável que comunidades de grande extensão, como muitas das favelas metropolitanas brasileiras, sejam atendidas por uma rádio comunitária cujo alcance esteja limitado ao raio de um quilômetro. Se pensarmos em comunidades tradicionais amazônicas (indígenas, ribeirinhos, quilombolas etc.), em que muitas habitações distam quilômetros entre si, essa limitação inviabiliza de início o funcionamento de uma emissora comunitária no local [para uma abordagem detalhada sobre o assunto, ver Lacerda (2003)]. Além do mais, tal definição impede que comunidades etnolinguísticas e de interesse, para além das territoriais, acedam ao direito de constituir meios eletrônicos próprios de comunicação. Também nos demais itens analisados – exceto na questão do prazo de outorga – a lei brasileira demonstra seu potencial restritivo: não há qualquer reserva de espectro que faça cumprir o determinado pela Constituição Federal acerca da complementaridade das modalidades de comunicação; para as comunidades fica restrito um canal único, em cada localidade, em somente uma das modalidades de radiodifusão, o rádio FM; a maior potência possível é a menor entre as legislações analisadas, 25 watts de potência ou um quilômetro de alcance; a sustentabilidade econômica fica seriamente prejudicada com a proibição de publicidade, muitas vezes, colocando as rádios em situação de penúria financeira e que, por vezes, acaba por torná-la dependente de interesses extracomunitários, como poderes religiosos e/ou políticos locais, num processo que vem descaracterizando a radiodifusão comunitária no Brasil.
Observatório da Imprensa
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