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domingo, 10 de março de 2019

'Servidores só querem privilégios', diz secretário da Previdência-Cajazeirense Leonardo Rolim,

Em entrevista ao Correio, o secretário lembra que a situação de alguns estados é ainda mais crítica do que a da União

Ao incluir estados e municípios na nova Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Previdência, o governo federal ajuda governadores e prefeitos a controlarem as contas e, por isso, na avaliação do secretário de Previdência do Ministério da Economia, Leonardo Rolim, os executivos estaduais deveriam criticar menos o texto. “Eles não têm nada do que reclamar, nada. Eles deviam estar aqui, ajoelhados, agradecendo”, afirma.

Em entrevista ao Correio, o secretário lembra que a situação de alguns estados é ainda mais crítica do que a da União e que o rombo das contas das aposentadorias do regime próprio deles ficou em torno de R$ 87 bilhões em 2018. O maior foco de resistência à reforma, ainda assim, será a dos funcionários públicos, acredita Rolim. “O problema é que os servidores só querem privilégio”, diz, em relação à categoria da qual ele mesmo faz parte — é consultor de Orçamento da Câmara.

Mesmo que a reforma mantenha a economia estimada, que o secretário reforça ser de R$ 1 trilhão, ele não tem a ilusão de que o rombo da Previdência vai zerar com essa nova PEC, que é mais dura do que a do governo Michel Temer. “Não temos esse sonho. O que a gente imagina é ter um deficit sustentável”,declara. O objetivo é impedir que o rombo cresça.

O problema é que a PEC está parada na Câmara até que o governo apresente o projeto de lei que mudará as regras de aposentadoria dos militares. Rolim explica que a ideia inicial era enviar os dois textos juntos, mas o segundo ainda não está pronto. “Estamos esperando que eles (os militares) nos apresentem a proposta”, conta. Veja os principais trechos da entrevista.

Vários pontos da PEC já estão sendo criticados, como as mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e na aposentadoria rural. O senhor acha que serão retirados pelo Congresso? 
Espero que não. As pessoas precisam entender melhor que são mudanças positivas. Se fizerem pesquisas, tenho certeza de que a aprovação será alta.
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O presidente Jair Bolsonaro sinalizou que é possível flexibilizar as regras para o BPC. Isso pode acontecer?
Tudo depende de negociação no Congresso. A gente entende que a política foi bem desenhada na PEC, mas o Congresso tem autonomia para modificar. A gente vai tentar convencer os deputados de que a proposta é a mais adequada.


Para as outras aposentadorias, a idade mínima das mulheres vai ser mesmo de 60 anos, como mencionou o presidente, apesar de a PEC prever 62?
Espero que seja 62 anos. O presidente falou que poderia negociar.


Os servidores estão reclamando muito desse aumento. Alegam que será confisco de metade do salário, quando juntar com o desconto do Imposto de Renda...
O problema é que os servidores só querem privilégio. Se for tirar um pouquinho do privilégio, para eles, já é o fim do mundo. O mundo vai cair. É assim que boa parte da minha categoria pensa, infelizmente. Não é confisco, porque a alíquota efetiva máxima vai ficar um pouco abaixo de 17%. Se somar com a alíquota efetiva do IR, deve dar, praticamente em todos os casos, menos de 40%. Esse pessoal sabe manipular número.


Acha que tem alguma chance de mudar isso lá no Congresso?
Espero que não. Eu ouvi do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que ele brigaria por isso. Espero que, de fato, uma das premissas básicas da nova Previdência, de que quem ganha mais paga mais, seja mantida.


O mercado considera aceitável uma economia final de R$ 700 bilhões ou R$ 800 bilhões em 10 anos. Qual valor os senhores consideram que é o limite para desidratação?
A gente segue o que o ministro Paulo Guedes deu, de R$ 1 trilhão.


A previsão é de que a conta da Previdência fique superavitária?
A gente não imagina que a conta será superavitária, não temos esse sonho. O que a gente imagina é que a Previdência tenha um deficit sustentável.


O que seria sustentável?
Se mantiver no patamar atual e não crescer em percentual do PIB, acho que já é um grande avanço. E se a gente conseguir que caia, em percentual do PIB, é ótimo.


Quais são os pontos mais importantes, que não podem ser mexidos? A espinha dorsal, na PEC de Temer, era idade mínima e equiparação dos regimes próprio e geral. Continua sendo?
Vários pontos são fundamentais, mas uma das premissas principais é a de que quem ganha mais paga mais. Se a gente ceder no privilégio, desestrutura a proposta. Perde a essência.


Então tem que incluir logo os militares, não é?
Sim, essa é outra premissa: todos participam. Ninguém fica fora.


O que já está definido em relação aos militares?
A alíquota aumentará de 7,5% para 10,5%. A contribuição de pensionista, que hoje é zero, vai ser de 10,5%, igual à do militar. O tempo de atividade vai de 30 para 35 anos. E quem estiver na reserva vai poder atuar na área civil, reduzindo o custo de contratação. E vai aumentar o percentual de militares temporários, reduzindo, portanto, a atividade militar. O temporário, depois que sai, não vai para a reserva, vai para o regime geral ou, se passar em um concurso, para o regime próprio.


Então o que falta é só o projeto dos militares? Como se explica demorar mais para fazer um projeto de lei do que uma PEC de 66 páginas?
É. Mas, até onde eu sei, falta muito pouco detalhe. A gente vem trabalhando há mais tempo na PEC, desde a transição. Já tinha um corpo anterior, um texto base. Não partiu do zero.


O governo pretende propor um projeto de lei complementar para regulamentar o regime de capitalização, que foi incluído na PEC?
Sim, a ideia é que seja enviado depois que a PEC for aprovada. Já tem um grupo trabalhando para elaborar o projeto e encaminhá-lo o mais rápido possível.


A capitalização só para quem nasceu a partir de 2014, que foi uma das propostas estudadas, pode estar no projeto?
A ideia do ministro é de que seja para quem ingressar no mercado de trabalho logo após a lei complementar ser sancionada. Mas a PEC não define, necessariamente, que é para quem vai ingressar naquele momento. Pode ser para quem ingressou a partir de tal ano. O projeto de lei que vai definir.


O modelo de repartição vai acabar?
Não. A capitalização é só para os novos, e é opcional. O trabalhador, quando entrar no mercado de trabalho, vai escolher se quer o regime capitalizado ou o de repartição. Mas, depois que fizer a escolha, ela é irretratável, porque é regime obrigatório, não uma previdência complementar, que coloca dinheiro se quiser.


Quem está no mercado de trabalho e já começou a contribuir vai poder migrar?
Pelo que está previsto na PEC, não. É só para os novos. Mas pode ser que, no futuro, seja feita uma mudança e passe a permitir.


O que acontece se a pessoa não conseguir capitalizar o suficientep ara manter uma renda mínima quando se aposentar?
Ninguém vai ganhar menos do que o salário mínimo. Para garantir esse piso, mesmo que a pessoa capitalize menos, haverá um fundo garantidor do salário mínimo.


Como vai ser a gestão desse fundo?
Vai ter uma concorrência entre gestores públicos e privados. O próprio trabalhador pode administrar a sua Previdência, e a instituição financeira pode ser um mero custodiante, como é, por exemplo, nos Estados Unidos, o que diminui muito o custo da gestão.


Falando nisso, já tem muito especialista dizendo que vários pontos da reforma vão acabar na Justiça...
E vão. Por exemplo, a alíquota de 22% para servidores que ganham acima do teto. Não tenho nenhuma dúvida de que isso será judicializado, e o Supremo vai ter que definir.


Outra crítica comum é sobre o tempo mínimo de contribuição do regime geral, para quem se aposenta por idade, que vai passar de 15 para 20 anos. Tem muita gente reclamando que isso vai afetar os mais pobres, que se aposentam por idade, porque não conseguem completar mais de 15 anos de contribuição. O que acha disso?
Todo mundo vai passar a se aposentar por idade. O que a gente está fazendo é igualar a idade das aposentadorias dos mais ricos com as dos mais pobres. Os mais pobres já se aposentam com 65 anos e as mulheres, aos 61,5 anos.


Mas hoje eles precisam de 15 anos de contribuição, não de 20…
A exigência mínima é essa, mas nem sempre eles se aposentam com 15 anos de contribuição. A média hoje de quem se aposenta por idade é 19,5 anos de contribuição.


Esse dado inclui a aposentadoria rural?
É só do urbano. Mas o trabalhador rural de verdade, que não frauda, trabalha desde sempre, 20 anos, 40 anos, não vai fazer diferença. Ele começa a trabalhar desde os 14 anos, 16 anos. Para ele, não muda nada, porque, quando ele fizer 60 anos, vai ter trabalhado 44.


Mas, com a reforma, os novos contribuintes vão ter que pagar R$ 600 por ano, não é?
Se quiserem contar o período declarado de trabalho rural como tempo de contribuição, o recolhimento tem que dar pelo menos R$ 600 por ano. Essa contribuição não é individual, é por grupo familiar. É o equivalente a R$ 50 por mês, arredondando, para a família toda.


Mas esse valor acaba pesando mais no bolso do pequeno produtor. Para um grande produtor, R$ 600 é pouco, mas, para um pequeno, nem tanto...
Talvez quem viva de subsistência não consiga arrecadar R$ 600 por ano. Mas quem, de fato, vende, com certeza, vende mais do que isso por ano. No caso de quem trabalha para a própria subsistência, vai para o BPC. Vamos separar assistência de previdência. A previdência rural vai continuar sendo subsidiada. Mas subsídio é uma coisa, ter previdência sem contribuir é outra.


No caso das mulheres, apesar das propostas de especialistas sugerirem idade mínima igual à dos homens, foi mantida uma diferenciação. A principal justificativa para ter uma idade mínima menor do que a dos homens é a jornada dupla? 
A diferença salarial entre homens e mulheres diminuiu muito nas últimas décadas, mas, entre as mais velhas, ainda é muito grande. Ainda tem discriminação, tanto que tem diferença salarial. A mulher é mais escolarizada, era para ganhar mais. Olhando para o mercado de trabalho, faz sentido ter diferença para mulheres que estão perto de se aposentar, mas não faz sentido algum ter diferença para as mais jovens, que estão mais inseridas no mercado de trabalho, têm menos filhos e obrigam que o marido divida as tarefas em casa.


Então não seria coerente exigir um tempo de contribuição menor para as mulheres, já que o problema é o trabalho não remunerado que elas exercem em casa e não é contado?
O que faria sentido seria compensar essa dupla jornada, dando um adicional no benefício, como Chile e Espanha fizeram.


Mas por que vocês colocaram o valor de R$ 400 para o BPC entre os 60 e 69 anos? Qual foi o cálculo?
O cálculo depende da taxa de desconto que você der. O objetivo ali não foi ter ganho. Foi colocar uma taxa de desconto que desse mais ou menos uma coisa pela outra.


Não vai haver ganho com a mudança no BPC?
Não. Um dos objetivos do BPC é proteger aquela população quando ela começa a ter dificuldade de ter renda. Mas a gente queria diferenciar o benefício (da aposentadoria). Para isso, o pagamento de um salário mínimo teria que ser postergado. Por outro lado, não podíamos deixar essa população desassistida. Ninguém vai mexer com quem já está no sistema. As pessoas vão sair ganhando. É como se estivessem pegando um empréstimo para pagar daqui a cinco anos, em parcelas mensais, durante outros cinco anos.


O deficit nos estados tem crescido de forma bem acelerada. Alguns estão em situação de calamidade financeira, quase insolvência. Qual foi o deficit dos estados em 2018? E dos municípios?
O dos estados deve ter ficado na casa dos R$ 87 bilhões. Ainda não temos dos municípios, porque tem que esperar todos fecharem. Demora um pouquinho mais.


Eles também criticaram muito a questão do BPC e das mudanças para o trabalhador rural…
Se criticaram, foi por não conhecerem o modelo, porque a mudança no BPC vai gerar mais renda para os municípios pobres. Em relação ao rural, não tem efeito por, pelo menos, duas décadas. O que vai ter efeito no rural é o combate à fraude, mas não é nem na PEC, é na MP (871, enviada em janeiro pelo governo).


As aposentadorias dos policiais e dos professores também não são consenso entre os governadores. Como vai ser essa conversa?
A PEC traz uma melhora enorme para os estados. Os policiais civis, que hoje não têm idade mínima, vão ter, de 55 anos. Além disso, as regras para polícia militar e bombeiros serão equiparadas às das Forças Armadas, que são mais duras do que a de grande parte dos militares estaduais. Isso já é uma melhora estupenda para eles (estados).


E em relação aos servidores civis? 
As regras propostas ajudam muito, principalmente o aumento da idade mínima, que vai para a regra-geral, e o aumento da contribuição da categoria. Todo ente que tem deficit vai subir a alíquota para 14%, automaticamente. Muitos já têm essa alíquota, mas nem todos. São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Norte, por exemplo, não têm.


Então a proposta está boa para os governadores?
A União assumiu um monte de responsabilidade deles. Os governadores não têm nada do que reclamar, nada. Não têm uma vírgula de que possam reclamar. Eles deviam estar aqui, ajoelhados, agradecendo. Acho que eles não leram a PEC direito, porque melhor, impossível. Além de aumentar a alíquota automaticamente para 14%, dá oportunidade de aumentar mais, até os 22% da União. Eles têm obrigação de, em seis meses, criar um plano de equacionamento de deficit. Nele, podem criar alíquota extraordinária. Podem, inclusive, cobrar dos aposentados no que exceder o salário mínimo, que é outra medida que eles pediram.


Os servidores estarão entre os maiores focos de resistência?
Imagino que sim. As associações de servidores públicos, com certeza, vão ser resistentes. Desde o início, eu esperava que a maior resistência viesse daqueles que são os privilegiados, que é de quem está sendo exigido mais: os servidores. Especialmente os que têm remuneração mais elevada, que ganham, muitas vezes, até acima do teto. Consultores, procuradores, juízes, auditores fiscais, advogados da União...


E é quem tem um lobby forte lá no Congresso para mudar a PEC...
É, também. Se bem que eu tenho visto um Congresso muito mais disposto a enfrentar os privilégios. Nas conversas com deputados, eu não vi nenhum criticando esses pontos. Pelo contrário, vi muitos elogios ao aumento da alíquota, o fato de ser progressiva, de reduzir para quem ganha pouco e aumentar para quem ganha muito. Também sobre as regras iguais para os novos, em todos os regimes. As conversas que tive com deputados me deixaram bem otimistas.

( Aessandra Azevedo-Rosana Hessel - CorreioBraziliense)


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